Ação civil coletiva em face da MSC crociere S. A. e outros trabalho análogo à de escravo

AutorLuís Antônio Barbosa da Silva
Páginas17-55

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ PRESIDENTE DA VARA DO

TRABALHO DE SALVADOR (BA)

“Como está sendo o tratamento reservado a tripulantes que reivindicam seus direitos? São perseguidos causando pedido de sign o?. Existe uma lista chamada “port __”, são os tripulantes que não podem descer em Buenos Aires. Normalmente 25% do departamento não pode sair, mas ela vem sendo utilizada arbitrariamente como forma de punição aos camareiros brasileiros”. Questionário aplicado ao trabalhador Anderson Matsuura, Cabinista (cabin stward).

DISTRIBUIÇÃO POR DEPENDÊNCIA À AÇÃO CAUTELAR
n. 0000467-14.2014.5.05.0037

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO e a DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO, por seus Procuradores do Trabalho infra-assinados e Defensor Público Chefe da DPU/BA, respectivamente, exercendo suas atribuições junto à Procura-doria Regional do Trabalho da 5ª Região, situada à Av. Sete de Setembro, n. 308, Corredor da Vitória, Salvador — BA, CEP 40080-001, onde receberão intimações processuais, na forma do art. 18, inciso II, alínea h, da Lei Complementar n. 75/83,

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bem como com fulcro na Lei Complementar n. 80/94, e junto a Defensoria Pública da União na Bahia, com endereço na Av. Paulo VI, n. 2225, Pituba, Salvador, Bahia, vem, pela presente, com fundamento no art. 129, inciso III, da Constituição Federal, art. 83, incisos I e III, da Lei Complementar n. 75/93 e disposições contidas nas Leis ns. 7.347/85, 8.078/90, Decreto-Lei n. 368/68 e arts. 796 e seguintes do CPC
Código de Processo Civil, vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, propor a presente:

AÇÃO CIVIL COLETIVA

com pedido de concessão de liminar inaudita altera pars, em face de:

1) MSC CROCIERE S.A. (CNPJ 09.345.631/0001-17), com sede na avenida Ibirapuera, n. 2332, 6º andar, conjuntos 61 e 62, torre 2, São Paulo, CEP 04028-002;

2) MSC CRUZEIROS DO BRASIL LTDA. (CPNJ 05.102.954/0001-29), com sede na avenida Ibirapuera, n. 2332, 6º andar, conjuntos 61 e 62, torre 2, São Paulo, CEP 04028-002;

3) MSC MEDITERRANEN SHIPPING DO BRASIL LTDA. (CNPJ
02.378.779/0001-09), com sede na avenida Ana Costa n. 291, térreo, andar 1, andar 2, sala 22, andares 4, 5, 9 e 10. ed. Palazzo, Gonzaga, Santos-SP, CEP 11060-917); com arrimo nas razões de fato e fundamentos de direito a seguir expostos:

I - Dos fatos e do direito
1. Considerações preliminares

A Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego
— MTE, está coordenando força-tarefa de iscalização do trabalho em navios de cruzeiro, em parceria com a Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República — SDH/PR, Ministério Público Federal — MPF, Ministério Público do Trabalho — MPT, Defensoria Pública da União, Advocacia Geral da União — AGU, Polícia Federal — PF, Agência Nacional de Vigilância Sanitária — ANVISA, Marinha do Brasil e outros órgãos federais.

A ação fiscal foi motivada por diversas denúncias de trabalhadores brasileiros e da Associação de Vítimas do Trabalho em Navios de Cruzeiro, dirigidas ao MTE e encaminhadas por outras instituições à Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo — CONATRAE, órgão colegiado vinculado à SDH/PR, re-

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ferentes a assédio moral e sexual, jornadas exaustivas e exploração predatória do trabalho dos brasileiros a bordo de cruzeiros marítimos, com destaque para os navios do grupo econômico liderado pela empresa MSC CROCIERE S.A. (CNPJ 09.345.631/0001-17).

A força-tarefa realizou inspeções nos dias 16 e 29 de março de 2014, no Porto de Santos/SP, e no dia 1º de abril no Porto de Salvador, no navio MSC MAGNIFICA, explorado economicamente pelo grupo econômico formado pelas empresas MSC CROCIERE S.A. (CNPJ 09.345.631/0001-17), MSC CRUZEIROS DO BRASIL LTDA. (CPNJ 05.102.954/0001-29) e MSC MEDITERRANEAN SHIPPING DO BRASIL LTDA. (CNPJ 02.378.779/0001-09), dirigido pela primeira delas, grupo que possui entre suas atividades econômicas a exploração de cruzeiros marítimos.

Nessas inspeções foram entrevistados trabalhadores brasileiros, que relataram as dificuldades que enfrentam no cotidiano de trabalho, sendo ouvidos também alguns empregados da MSC ocupantes de cargos de cheia, que forneceram infor-mações relevantes sobre a forma de exploração do trabalho dos brasileiros a bordo.

Na ação iscal foram coletados documentos de natureza trabalhista, e, em es-pecial: a) controles de jornada e escalas de trabalho, de reuniões e de treinamentos, contratos, rescisões e recibos de pagamento dos tripulantes; b) relatórios médicos de atendimento a bordo; c) advertências disciplinares; d) termos de depoimento; ilmagens; fotograias; outros documentos pertinentes à iscalização, como a lista de trabalhadores brasileiros indicando data de embarque, setor em que trabalham etc.

Todas as provas delineiam um quadro de desvirtuamento e fraude na relação de emprego e dumping social, em que aproximadamente trezentos empregados brasileiros, contratados para trabalhar cerca de dez meses a bordo, são submetidos a contratos que a empresa alega serem regidos por normas de outro país, em que os empregados não usufruem de descanso semanal remunerado, intervalos adequados intra e interjornadas, férias, décimo terceiro, FGTS, recolhimento da contribuição previdenciária e outros direitos previstos pela Constituição Federal e legislação trabalhista brasileira.

As provas demonstram, sobretudo, que empregados laboram em jornadas exaustivas, em desrespeito aos direitos humanos fundamentais assegurados pelo sistema constitucional brasileiro e por tratados, acordos e convenções internacionais de que o Brasil é signatário.

Em reuniões ocorridas nos dias 2 e 3 de abril de 2014, foram expostos detalhadamente para as duas representantes da empresa MSC CROCIERE S.A. o que motivou o resgate de trabalhadores. As representantes consultaram os diretores da empresa em Genebra e informaram aos membros da equipe de iscalização que não haveria pagamento das verbas rescisórias, visto que o contrato irmado com os trabalhadores era fundado em legislação internacional e que arcaria apenas com a estadia dos obreiros e passagens aéreas de retorno (ata de reuniões em anexo).

A presente Ação Civil Coletiva tem por escopo o reconhecimento da existente relação de emprego nos termos da legislação brasileira entre os trabalhadores e a primeira Ré, quais sejam, daqueles que lhes prestaram e daqueles que ainda lhes

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prestam serviços, condenando-a, nos termos do art. 95 do CDC, em provimento genérico, ao consequente registro, atualização e baixa na CTPS, pagamento das verbas rescisórias devidas, horas extraordinárias e repouso semanal remunerado, adicional noturno, reembolso do desconto indevido denominado fund deduction, e de despesas realizadas na fase de contratação, conforme especificado no pedido. Objetiva, também, o pagamento das verbas rescisórias devidas e indenização por dano moral sofrido pelos trabalhadores “resgatados” da condição degradante pela força-tarefa de iscalização do trabalho, para cujo deslinde será necessário descer à análise da prática patronal de ato faltoso ensejador do rompimento dos contratos de trabalho.

Ressalte-se que o Ministério Público do Trabalho intentará Ação Civil Pública para corrigir a prática empresarial e promover a reparação dos danos causados a interesses difusos e coletivos, no bojo da qual será enfrentado com exclusividade o tema concernente ao trabalho em condições análogas à de escravo.

2. Da realidade das empresas Rés - Solidariedade Grupo Econômico

Trata-se de grupo econômico formado por três empresas, encabeçado pela empresa MSC CROCIERE S.A., empresa estrangeira que irmou contratos de tra-balho com os empregados em questão. A MSC Crociere S.A. é sócia-proprietária da empresa MSC Cruzeiros do Brasil Ltda., esta estabelecida em território nacional, pelo que é tido como sua agência ou ilial. Esta empresa MSC Cruzeiros do Brasil Ltda. é formada pela MSC CROCIERE S.A. e pela empresa MSC MEDITERRANEN SHIPPING DO BRASIL LTDA.

O representante da MSC CROCIERE S.A., o Sr. Roberto Daniel Fusaro, e a MSC CRUZEIROS DO BRASIL LTDA. possuem o mesmo endereço de escritório, qual seja, a avenida Ibirapuera, n. 2332, 6º andar, conjuntos 61 e 62, torre II, São Paulo-SP, CEP 04028-002.

3. Do recrutamento e contratação

Como é comum neste tipo de prestação laboral, argumentam os representantes do grupo econômico que os trabalhadores teriam sido contratados sob a égide da legislação internacional, e, por isso, não estariam sujeitos aos regramentos estabelecidos pela legislação brasileira, qual seja a Consolidação das Leis do Trabalho.

Verificou-se que os trabalhadores de nacionalidade brasileira foram recrutados, selecionados e contratados no Brasil. Os contratos de trabalhos foram celebrados por escrito entre a empresa MSC CROCIERE S.A. e os obreiros, no território brasileiro, por intermédio de agências de recrutamento de empregados — empresas ROSA DOS VENTOS BRASIL (ROSA DOS VENTOS SERVIÇOS E CAPACITAÇÃO

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DE EMPREGADOS LTDA. — ME) E VALEMAR BRASIL (MARIA CLARA RODRIGUES DE SOUZA FREITAS — ME). A MSC contrata os...

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