2.3 O Direito Fundamental Social à Moradia

AutorLoreci Gottschalk Nolasco
Páginas87-94

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Pode haver uma janela alta de onde eu veja o céu e o mar, mas deve haver um canto bem sossegado em que eu possa ficar sozinho, quieto, pensando minhas coisas, um canto sossegado onde um dia eu possa morrer. Rubem Braga.

[...] ao passo que cada um de vós corre por causa de sua própria casa. Bíblia Sagrada. Ageu 1:9.

O direito à moradia exaltado na crônica de Rubem Braga traduz a necessidade primária do homem, condição indispensável para uma vida digna, eis que a casa é o asilo inviolável do cidadão, a base de sua individualidade, é, acima de tudo, como apregoou Edwark Coke, no século XVI: "a casa de um homem é o seu castelo".

Direito natural do indivíduo, indispensável à proteção da vida, da saúde, da liberdade, em qualquer parte o homem procurou e construiu o seu abrigo, seja numa caverna, na copa de

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uma árvore, nos buracos das penhas e, até mesmo, no gelo, protegendo-se das intempéries e dos predadores.

Se em seu estado natural o homem, na imensidão do orbe, encontrava um ponto para estabelecer-se e a abundância de material para sua edificação, o incremento da população e a carência de espaços livres foram comprimindo a potencialidade de exercício da moradia, até sua gradual e drástica redução, senão extinção para os mais desfavorecidos (os moradores debaixo das pontes, das ruas, das praças e das calçadas), como ocorre diariamente nos grandes aglomerados humanos.

O direito de moradia consiste na posse exclusiva e, com duração razoável, de um espaço onde se tenha proteção contra a intempérie e, com resguardo da intimidade, as condições para a prática dos atos elementares da vida: alimentação, repouso, higiene, reprodução, comunhão. Trata-se de direito erga omnes. Nesse sentido, moradia é o lugar íntimo de sobrevivência do ser humano, é o local privilegiado que o homem normalmente escolhe para alimentar-se, descansar e perpetuar a espécie. Constitui o abrigo e a proteção para si e os seus; daí nasce o direito à sua inviolabilidade e à constitucionalidade de sua proteção.

Há vínculo de dependência entre esses dois direitos. O direito à moradia tende ao direito de morar e só se satisfaz com a aquisição deste em sua plenitude. Para isto, é preciso que concorram todos os elementos da moradia. Quem conseguiu terreno, mas não a casa, satisfez apenas em parte seu direito à moradia. O mesmo acontece com quem possui a casa, mas não por tempo suficiente, exigido pelas demais relações da vida (trabalho, convívio, cultura, educação dos filhos). Assim, ao direito de morar são extensivos os mesmos princípios que ordenam o direito à moradia.

A razão de ser do homestead - local do lar, - encontra-se no espírito do povo pelo respeito à atividade e à independência individual, no sentido de uma maior segurança e proteção em caso de infortúnio. Dar ao indivíduo o direito de morar é pro-mover-lhe o mínimo necessário a uma vida decente e humana. É proporcionar-lhe condições mínimas de sobrevivência. A casa é o lugar de encontro de várias gerações que, reciprocamente,

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se ajudam a alcançar uma sabedoria mais plena e a conciliar os direitos pessoais com as outras exigências da vida social.

Os processos e as funções que se desenvolvem na família são de caráter contínuo e exigem múltiplos e constantes esforços. Em épocas de calamidade pública, os homens podem trabalhar, lutar e morrer por seu país, mas labutam por sua família todos os dias ao correr de sua vida. As exigências da vida familiar levam os homens a realizarem os mais penosos esforços e a assumirem as mais graves responsabilidades, principalmente para garantir o direito à moradia digna.

Vale dizer que no seio da família se desenvolve uma vida social cheia de intimidade. Muitas das dimensões mais íntimas do indivíduo encontram expressão manifesta ou implícita na vida familiar, que é uma espécie de intimidade cálida, que permite a seus componentes manifestar e realizar seu fundo secreto fora do alcance dos olhares indiscretos. A família autêntica é o ambiente onde tudo se adivinha, sem necessidade de ser expresso, onde tudo é comum, sem...

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