Worldwide System and the Forms of Capitalism: Marxist Dependency Theory Revisited/ Sistema mundial e formas de capitalismo. A teoria marxista da dependencia revisitada.

AutorOsorio, Jaime

I

Frente a dificuldade de oferecer uma resposta sobre as particularidades do capitalismo na America Latina, o caminho assumido por diversas correntes do marxismo e considera-lo um capitalismo "jovem" ou "atrasado", tomando como modelo o capitalismo industrial e desenvolvido, considerando, alem do mais, que aceleracao do seu "amadurecimento" e uma solucao ao atraso. Desta forma, elude-se a explicacao dos processos que o atravessam e, de forma reativa, impugna-se tudo aquilo que se distancie do modelo assumido. Discutiremos aqui estes pontos de vista e outro equivocos recorrentes, para destacar que o capitalismo dependente latino-americano e uma forma original de capitalismo, plenamente madura, e que sua dinamica de reproducao nao so nao o aproxima, mas que o distancia dos caminhos seguidos pelo capitalismo desenvolvido.

II

Para diversas correntes marxistas, o sistema mundial capitalista deve ser concebido como o espaco onde operam economias com diversos niveis de desenvolvimento cientifico e tecnologico, diversas composicoes organicas de capital e diferentes niveis de produtividade (1). Isto explicaria o motivo de que algumas economias sejam desenvolvidas enquanto outras permanecam no subdesenvolvimento. Porem, tal constatacao se refere ao imediato, ao perceptivel. E assim como o capitalismo se manifesta.

A partir deste ponto de vista, que ao mesmo tempo explica tudo e nada, nao surgem perguntas sobre o motivos pelos quais economias diversas, formalmente independentes, iniciaram relacoes no seculo XIX desde pontos de partida muito diferenciados em materia de produtividade. ?Tal situacao nao implicaria consequencias para o futuro?

Alem do mais: ?qual a razao para que o capitalismo "jovem" ou "atrasado" nao realize ou so faca esforcos timidos para elevar sua produtividade? ?A concorrencia, por acaso, nao o estimularia em tal sentido? E se tal coisa nao acontece, ou so o acontece timidamente ?por que nao operam neste capitalismo a forca e a compulsao que a concorrencia impoe?

III

O recurso explicativo as diferencas de produtividade, de composicao organica e de tecnologia e uma formulacao que "naturaliza" o desenvolvimento de algumas economias e regioes e o subdesenvolvimento de outras (2), como se fossem resultados normais advindos daquelas diferencas, e nao como problemas a serem investigados (3).

Para este marxismo, o desenvolvimento e o subdesenvolvimento se explicam de forma isolada e individual. O desenvolvimento e o resultado de esforcos e capacidades internas alcancadas por capitais e nacoes, e a ausencia ou debilidade de esforcos e capacidades e o que explica, por sua vez, o subdesenvolvimento dos demais. No sistema mundial capitalista nao existem relacoes no sentido profundo do termo, ou seja, relacoes com consequencias substanciais para as economias que interagem entre si. O que existe entre umas e outras sao intercambios de produtos, investimentos de capitais. Nada disso, ou qualquer outra relacao, porem, tem consequencias em materia de desenvolvimento e subdesenvolvimento (4).

Assim, o sistema mundial capitalista aparece como um espaco aberto em que qualquer economia, em qualquer tempo, pode alcancar o desenvolvimento, desde que tome as medidas pertinentes (?Quais? ?em que condicoes historicas? ?em que espaco de forcas no sistema mundial?). Subjaz o suposto, ademais, de que todas as economias sao estruturalmente homogeneas, e a heterogeneidade visivel e somente a expressao da etapa do desenvolvimento o do subdesenvolvimento em que se situem. E devido a essa homogeneidade estrutural que no medio prazo e possivel (ou nao) chegar as mesmas metas, e que as diferencas de produtividade podem reduzir-se, manter-se ou ampliar-se.

E partir de uma ortodoxia mal compreendida e de premissas como as anteriores de onde provem o mal-estar destas correntes com a teoria marxista da dependencia (TMD, daqui em diante). Para esta teoria, o capitalismo dependente nao tem nada de natural, e os processos que possibilitaram sua gestacao, que o constituem e o reproduzem se estabelecem com clareza. Assim como o capitalismo desenvolvido tampouco e natural. Ambos sao o resultado de processos historicos que ocorrem no ambito do sistema mundial capitalista, os quais nao so permitem mas favorecem que capitalismos com niveis muito distintos de composicoes organicas e de produtividades se necessitem e se reproduzam em suas diferencas.

IV

O fato do capitalismo necessitar extrair valor por meios economicos e nao politicos nao pode levar a que a historia e os processos previos apropriacao de riquezas por meios politicos entre imperios e colonias ou semicolonias--que permitiram que emergissem economias industriais e economias agro-mineiras--sejam apresentados como um assunto insignificante, um mero antecedente, porque para a historia subsequente nao se trata de um detalhe irrelevante.

Se, no seculo XIX, economias formalmente independentes na situacao mencionada se relacionaram, isto foi resultado de um processo de espoliacao operado pelos centros imperiais sobre suas colonias, tornando possivel que essa acumulacao de riquezas favorecesse condicoes para a multiplicacao de trocas comerciais e, posteriormente, de processos de industrializacao em certos espacos do planeta, e o auge da producao primaria, requerida pelos primeiros, em outros.

Em outras palavras, antes do seculo XIX existiram processos de acumulacao e desacumulacao que estabeleceram pontos de partida radicalmente diferentes entre as economias que se inter-relacionam e que participam da divisao internacional do trabalho nesse seculo. O fato de que esta situacao tenha sido propiciada por mecanismos politicos e extra-economicos nao implica que nao tiveram consequencias economicas no momento de se iniciarem as relacoes entre economias "independentes" no seculo XIX (5).

A excepcionalidade de algumas economias que, a partir de uma situacao de atraso produtivo inicial, gestaram processos de desenvolvimento no ultimo seculo do capitalismo--entre as quais, a proposito, nao aparece nenhum pais latino-americano--, e tambem o grande numero atual de economias subdesenvolvidas e dependentes, alimenta a hipotese de que um sistema mundial capitalista maduro nao e um espaco que aumenta as possibilidades para o desenvolvimento, muito menos quando se constata que as distancias iniciais se reproduzem e se incrementam ali onde o capital se fez presente

V

Desenvolvimento e subdesenvolvimento sao processos relacionados que emergem de forma simultanea e imbricada. Sao resultados do desencadeamento, expansao e amadurecimento do sistema mundial capitalista e das relacoes que o constituem. Somente nesse campo de relacoes estreitas e condensadas entre diversas economias e que o desenvolvimento e o subdesenvolvimento, ou que o capitalismo desenvolvido e o capitalismo dependente, alcancam explicacao e sentido (6).

Nas relacoes estabelecidas no seculo XIX, momento em que economias formalmente independentes da America Latina se inter-relacionam com economias industriais no mercado mundial, deve-se ressaltar que se instaura uma clara divisao do trabalho entre elas: as economias da regiao como produtoras e exportadoras de materias-primas e alimentos, e as economias industriais como produtoras e exportadoras de bens industriais. O ponto de partida qualitativamente diferenciado sobre os valores de uso possiveis de produzir por umas e outras economias nao e um assunto de importancia menor.

A producao de valores de uso industriais exige e potencializa o surgimento de novos ramos e setores produtivos complementares e mais complexos (7). A producao industrial leve requer industrias intermediarias e ambas o desenvolvimento de industrias de bens de capital, produtoras de maquinas, ferramentas e de maquinas que produzam maquinas.

Nos tempos em que nao havia de quem comprar estes bens, a industrializacao operou como uma locomotiva que impulsionou o desenvolvimento de setores industriais cada vez mais complexos e de um denso tecido produtivo, comercial e bancario inter-relacionados. Somam-se a isso as redes de comunicacao, de transporte, de armazenagem, de conglomerados industriais, comerciais e bancarios que potencializaram as multiplas dinamicas desatadas pelo capital.

Se agregamos que o consumo dos trabalhadores tende, no seculo XIX, a associar-se cada vez mais com valores de uso industriais, alem da demanda sobre estes bens gerada pelos setores que vivem da renda e da mais-valia e, finalmente, o impacto da demanda produtiva sobre esse processo, o quadro de dinamizacao interna que o capitalismo desenvolvido produz alcanca um maior significado, sem desconhecer, e claro, as importacoes provenientes das colonias ou ex-colonias.

Se em determinado momento os conhecimentos ajudaram a potencializar tecnologias, posteriormente foi a propria dinamica do capital a que reclamava potencializar conhecimentos, com a finalidade de gerar novas tecnologias (8). O desenvolvimento constante das forcas produtivas torna-se uma tendencia inscrita no modo de ser do capitalismo desenvolvido: mais-valias superiores a media caminham de maos dadas com os processos que incrementam a produtividade.

A producao de materias-primas e alimentos para o mercado mundial, ao contrario, nao exige a expansao de atividades produtivas complexas que a acompanhem e a estimulem. Assim, nao se gesta uma locomotiva interna que incite o desenvolvimento de outros setores produtivos fundamentais para sustentar a producao exportadora. Por isso, o tecido produtivo e a rede de relacoes internas serao, via de regra, modestos. O capital local privilegia suas relacoes com capitais no mercado mundial. Desta maneira, a infraestrutura que favorece as exportacoes, tal como rodovias, ferrovias, portos, armazens, frigorificos, terao prioridade. Florescerao manufaturas que trabalham com prata, couro, etc., mas com uma forca expansiva limitada.

Por outro lado, o tipo de valores de uso produzidos exige niveis baixos de desenvolvimento das forcas produtivas, se...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT