Working conditions of social workers: ethical and technical precariousness of professional practice/ Condicoes de trabalho das/os assistentes sociais: precarizacao etica e tecnica do exercicio profissional.

Autordos Santos, Maria Teresa
CargoTexto en portugues

Introducao

A partir do recorte de pesquisas desenvolvidas sobre o assistente social no mercado de trabalho, este artigo aborda quais sao os principais desafios postos a esses profissionais face a precarizacao das condicoes eticas e tecnicas do exercicio da profissao, replicando o cenario do trabalho precarizado de uma forma geral, no Brasil e no mundo.

Acredita-se que o tema e pouco debatido na categoria e e, sem duvida, necessario para a continuidade do amadurecimento teorico e pratico da profissao. O ponto de partida teorico recolhe da tradicao marxista os elementos para uma analise da problematica, em um esforco de partir do empirico nao para simplesmente referenda-lo, mas para buscar as tendencias reais.

Marx (2013) acena com uma reflexao sobre a apropriacao do real no prefacio a primeira edicao de O capital, no qual diferencia os instrumentos de pesquisa, nas ciencias naturais, do conhecimento sobre o real historico, mediado pela forma-mercadoria.

[...] Na analise das formas economicas nao podemos nos servir de microscopio nem de reagentes quimicos. A forca da abstracao [...] deve substituir-se a ambos. Para a sociedade burguesa, porem, a forma-mercadoria do produto do trabalho, ou a forma do valor da mercadoria, constitui a forma economica celular. Para o leigo, a analise desse objeto parece se perder em vas sutilezas. Trata-se com efeito de sutilezas, mas do mesmo tipo daquelas que interessam a anatomia micrologica (MARX, 2013, p. 78).

Portanto, na sociedade burguesa, a forma-mercadoria se impoe como elemento mediador do real e, assim, condiciona toda a organizacao social regida sob o capital. Como nao e possivel utilizar microscopios, a forca da razao dialetica e que permite desvendar as conexoes da mercadoria no cotidiano da vida social. Isto significa que, no processo de conhecimento da sociedade burguesa, a razao dialetica e aquela capaz de desmistificar o trabalho como expressao de uma mercadoria.

Importante complementar com a explicacao de Harvey (2013, p. 21) sobre o metodo empregado por Marx em O capital: "O capitalismo nao e nada se nao estiver em movimento". Assim, o referido autor complementa que "o que Marx procura n'O Capital e um aparato conceitual, uma estrutura profunda que explique como o movimento se desenvolve concretamente no interior de um modo de producao capitalista"(HARVEY, 2013, p. 21).

Diante disso, o pressuposto central deste artigo e o de que o assistente social, sendo um profissional assalariado, vende sua forca de trabalho, fato que o condiciona enquanto categoria que compoe a classe trabalhadora. No entanto, esse processo nao e estatico: e dialetico, e historico e depende do processo de desenvolvimento da luta de classes. Compreende-se que nao se trata de um pressuposto abstrato, no sentido de ser uma mera concepcao teorica, mas sim real e concreto, devendo ser analisado na realidade profissional.

Marx (2013, p. 91) tambem afirma que "o concreto e sintese de multiplas determinacoes", uma vez que, para ele, a dialetica "apreende de forma desenvolvida no fluxo do movimento, portanto, incluindo o seu lado transitorio; porque nao se deixa intimidar por nada e e, por essencia, critica e revolucionaria". Nesta perspectiva, e precondicao que a sociedade capitalista seja entendida em sua forma transitoria, pois "nas proprias classes dominantes ja aponta o pressentimento de que a sociedade atual nao e um cristal inalteravel, mas um organismo capaz de transformacao e em constante mudanca" (MARX, 2013, p. 80).

Continuando, no prefacio a primeira edicao de O capital, Marx (2013, p. 80) aponta que os individuos estao inseridos nas relacoes sociais de producao, razao pela qual e fundamental entende-los no seu processo de condicionamento:

Meu ponto de vista, que apreende o desenvolvimento da formacao economica da sociedade como um processo historico-natural, pode menos do que qualquer outro responsabilizar o individuo por relacoes das quais ele continua a ser socialmente uma criatura, por mais que subjetivamente se possa colocar acima delas. Por outro lado, ao entender que "a sociedade atual nao e um cristal inalteravel", Marx (2013, p. 80) compreende a luta de classes, capaz de alterar o modo de producao, enfatizando que, "na Inglaterra, o processo revolucionario e tangivel. Quando atingir certo nivel, havera de repercutir no continente. Ali, ha de assumir formas mais brutais ou mais humanas, conforme o grau de desenvolvimento da propria classe trabalhadora" (MARX, 2013, p. 79).

Pensar a profissao a partir dessa perspectiva, portanto, significa compreender os processos objetivos e subjetivos de determinado periodo historico. Ou seja, sendo o assistente social um trabalhador que vende sua forca de trabalho, ele se insere nas formas contemporaneas de exploracao. E isso nao e apenas uma "palavra de ordem" a ser repetida, mas sim uma questao central.

Aliados as condicoes objetivas do trabalho--baixos salarios, contratacoes temporarias, precarizacao dos vinculos e das condicoes de trabalho --encontram-se, ainda, os aspectos subjetivos, quais sejam, as ideologias neoliberais, as concepcoes pos-modernas e neoconservadoras. Sao, muitas vezes, "o canto da sereia", que encanta os menos avisados e que impacta diretamente na forma de se compreender o real e, consequentemente, no agir do assistente social.

Assim, este artigo esta organizado em tres secoes principais. Na primeira delas, sinteticamente, parte-se da reflexao acerca da compreensao sobre trabalho precario e o surgimento do "precariado", como substrato teorico para se analisar as condicoes de trabalho do assistente social.

Na segunda secao sao discutidas as condicoes de trabalho dos assistentes sociais a partir de dados empiricos que retratam o processo de precarizacao, seja da condicao de trabalho ou institucionais. Para tanto, sao utilizadas, especialmente, referencias de pesquisas desenvolvidas coletivamente e que tiveram participacao de autores deste artigo, a saber: pesquisa Mercado de trabalho: formacao e exercicio profissional dos assistentes sociais de Santa Catarina (2011), e pesquisa Mercado de trabalho dos assistentes sociais no Espirito Santo (2007). A primeira com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Pesquisa (CNPq) e a segunda financiada pelo Cress 17a. regiao.

Em Santa Catarina, foram entrevistados 132 profissionais na Grande Florianopolis e, nas demais regioes, foram realizados seis grupos focais com a participacao de 38 assistentes sociais, alem de cinco entrevistas com profissionais de referencia no estado, totalizando 175 sujeitos pesquisados. O universo da pesquisa no Espirito Santo, por sua vez, foi composto pelos assistentes sociais filiados ao Cress ate novembro de 2006. Em virtude da grande concentracao de assistentes sociais na Grande Vitoria, optou-se por este universo e, ao final, foram pesquisados 202 profissionais.

Na terceira secao, por fim, a partir das mesmas pesquisas, sao problematizadas as condicoes de trabalho e as repercussoes na saude e na subjetividade do assistente social.

Trabalho precario e precarizacao na contemporaneidade

Para a compreensao do processo de precarizacao do trabalho, e importante recuperar as reflexoes de Antunes (1999; 2005) e Harvey (2003), que assinalam as principais mudancas que ocorreram no trabalho em nivel mundial apos os anos 1980. Tendo por base o toyotismo, sao exemplos, como mudancas no capital, as novas formas de gestao intensivas e poupadoras de mao de obra, heterogeneizacao, fragmentacao e complexificacao da classe trabalhadora, producao conduzida pela demanda/estoque minimo, pequeno numero de trabalhadores multifuncionais, processo de trabalho intensificado, sindicalismo de envolvimento, desemprego estrutural e varias alternativas de trabalho e de geracao de renda.

O trabalho precario e um fenomeno de abrangencia mundial, mas que se configura de modo particular nos diferentes paises, dependendo de caracteristicas locais, conforme argumenta Kallenberg (2009, p. 21). Para o referido autor, trabalho precario significa "trabalho incerto, imprevisivel, e no qual os riscos empregaticios sao assumidos principalmente pelo trabalhador e nao por seus empregadores ou pelo governo".

Pierre Bourdieu (1998), por sua vez, compreende que o processo de precarizacao do trabalho faz parte da estrategia neoliberal de se fazer cumprir um programa de destruicao metodica de coletivos, no qual se busca lidar apenas com o individuo. Assim, pela politica de desregulamentacao financeira, sao colocadas em risco as estruturas coletivas de resistencia ao mercado, bem como os grupos de trabalho--com a individualizacao de salarios e carreiras, os coletivos de defesa de trabalhadores e ate mesmo a familia, uma vez que o mercado se constitui por classes de idade. A inseguranca em relacao ao trabalho produz o que Bourdieu (1998, p. 140--grifo do autor) denomina de "exercito de reserva de mao-de-obra-docilizada pela precarizacao e pela ameaca permanente do desemprego", configurando uma verdadeira "violencia estrutural do desemprego, da precariedade e do medo inspirado pela ameaca de demissao [...]". Nesta direcao, Dejours (2001, p. 51) cita alguns efeitos da precarizacao do trabalho, quais sejam:

[...] a intensificacao do trabalho e o aumento do sofrimento subjetivo; [...] a neutralizacao da mobilizacao coletiva contra o sofrimento, contra a dominacao e contra a alienacao; [...]; a estrategia defensiva do silencio, da cegueira e da surdez. Cada um deve antes de tudo se preocupar em "resistir". Quanto ao sofrimento alheio nao so "nao se pode fazer nada", como tambem sua propria percepcao constitui um constrangimento ou uma dificuldade subjetiva suplementar, que prejudica os esforcos de resistencia; [...] o individualismo, o cada um por si. A precarizacao do trabalho, desta forma, e um fenomeno importante na contemporaneidade e origina uma expressao que vem definir um novo segmento de classe: o precariado. O debate sobre o precariado surge na Europa logo...

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