Workers Health in Brazil in the 1990s and 2000s, since the period of audacity to unmeet/ Saude do Trabalhador no Brasil nos anos 1990 e 2000, do periodo da audacia ao desbrio.

AutorRibeiro, Fatima Sueli Neto
CargoDossie Trabalho, Saude e Ambiente

Introducao

Este artigo desenvolve uma analise critica da institucionalizacao de saberes e praticas em Saude do Trabalhador no Brasil, considerando aspectos historicos, institucionais e politicos. O objeto central da investigacao e a insercao da area de Saude do Trabalhador na dinamica publica e institucional do Estado brasileiro, em especial no ambito do Sistema Unico de Saude (SUS).

A problematizacao aqui empreendida sobre a emergencia desse campo de conhecimentos e praticas, com destaque sobre seus elementos teoricos centrais e suas propostas politico-institucionais, considera todo um acumulo dos ultimos 25 anos no Brasil.

Nessa analise, a enfase recai na Saude do Trabalhador enquanto area do Sistema Unico de Saude, ressaltando fragmentos historicos, politicos e institucionais compreendendo o periodo de 1990 a 2013. Nessa trajetoria, sao constantes os embates para seu reconhecimento publico, marcantes as controversias relativas a sua incorporacao como politica publica e bem presentes os dilemas na esfera de sua institucionalidade. A intencao, neste texto, e trazer ao debate os paradoxos ao lado dos pontos criticos desse percurso.

Foi adotada uma orientacao foucaultiana, no sentido de discutir fragmentos historicos, sem pretender descrever a historia da ideia ou do conceito de Saude do Trabalhador, nem delinear sua trajetoria nesse periodo, a partir de uma visao linear da historia. Conforme a arqueologia do saber e a genealogia do poder foucaultianas (FOUCAULT, 1979; MACHADO, 1988), nao se trata aqui de buscar uma origem, um movimento fundador, originario e essencial da Saude do Trabalhador no Brasil.

Foi organizada uma serie de documentos publicos, relatos de pesquisas academicas e institucionais, literatura da area, vivencias profissionais e contatos com personalidades historicas para o campo, a fim de deixar emergir alguns fragmentos historicos das duas ultimas decadas. A intencao dessa analise e contribuir para a composicao do mosaico da rica historia dos saberes e praticas em Saude do Trabalhador no Brasil.

Aspectos centrais do "campo" da Saude do Trabalhador

O "campo" da Saude do Trabalhador se constituiu como um conjunto de conhecimentos e praticas interdisciplinares, multiprofissionais e interinstitucionais, no momento da redemocratizacao do Brasil, periodo das decadas 1970/1980. Inseriu-se no espaco da Saude Coletiva, no sentido de construir um novo modo de olhar a relacao saude-trabalho e implementar novas praticas, distinguindo-os das hegemonicas areas da Medicina do Trabalho e Saude Ocupacional. Um fator fundamental para esse paradigma e o entendimento do trabalhador como sujeito coletivo ativo nos processos.

A Constituicao Federal brasileira, de 1988, propiciou a legitimacao do tema (e do paradigma) da Saude do Trabalhador. Esse marco repercutiu como tema de consenso, agregando atores diferenciados, como as centrais sindicais de linha ideologica distintas, tecnicos de diversos servicos publicos, pesquisadores e universidades publicas e privadas.

A area conseguiu avancos consideraveis em tres dimensoes: teorica (avancos conceituais e metodologicos), legal (possui um corpo de legislacoes de referencia) e politico-institucional--financiamento proprio, criacao da Rede Nacional de Atencao Integral a Saude do Trabalhador (RENAST), entre outros--, gerando um complexo e heterogeneo processo historico em que diferentes lugares expressam dinamicas institucionais muito distintas.

Nesse sentido, algumas experiencias, acontecimentos e praticas sao tomados como exemplos paradigmaticos que influenciaram, por exemplo, o modelo de vigilancia no pais.

Apesar de todo patrimonio conquistado nos campos academicos, no movimento social e nas esferas executivas do Estado, principalmente no setor Saude, permanecem incompreensoes entre os diversos atores sociais e instituicoes, com sobreposicao de ideias e de praticas com a Medicina do Trabalho e a Engenharia de Seguranca, o que indica a falta de clareza sobre a especificidade do campo coloca em questao o avanco historico na institucionalizacao desse conjunto de conhecimentos e atuacoes em saude.

Uma analise historica das politicas e praticas em Saude do Trabalhador, na perspectiva de sua institucionalizacao, permite visualizar problemas cronicos e conquistas fundamentais. E nessa direcao que foi problematizado, neste artigo, alguns avancos e limites em determinados contextos, a luz dos cenarios politicos, sociais e economicos entre 1990 e 2013.

Os cenarios

O contexto da decada de 1990 foi desafiador para a insercao e implementacao de uma nova logica no campo da Saude no Brasil, rompendo com o modelo hospitalocentrico, centralizado, verticalizado e excludente vigente nas decadas anteriores. Nesta decada ficou evidente o aumento da esperanca de vida brasileira em relacao aos anos anteriores, o menor numero de filhos e o aumento de obito por doencas cronicas, como acidente vascular e cancer em detrimento das doencas infecciosas dos anos 1970. (BARROS; PIOLA; VIAN NA, 1996).

O cenario de um mercado de trabalho sem o problema do desemprego, nas proporcoes em que era vislumbrado no final da decada de 1980, foi modificado e a baixa evolucao da ocupacao, nos anos 1990, e, em grande medida, revertida a partir de 1999. A precarizacao da estrutura ocupacional sofreu forte reversao a partir de 1999. Apos este periodo a ampliacao das oportunidades de trabalho e a retracao do crescimento da populacao economicamente ativa interromperam a trajetoria de elevacao do desemprego que marcou a decada de 1990 (SCHNEIDER, RODARTE, 2006). Todavia, a reducao na "qualidade" dos postos de trabalho suscita estudos que contextualizam o desemprego com a qualidade das ocupacoes fortemente impactadas pela precarizacao do trabalho. Durante a primeira metade da decada de 2000, a taxa de desemprego ainda permanecia elevada e sob a aceleracao da economia em 2005, o desemprego volta a diminuir e, em 2009, como consequencia da crise financeira internacional, a taxa se eleva. Em 2011, foi revertida a trajetoria e a taxa declinou para 6,0%. (GUIMARAES, 2012).

O acidente de trabalho, segundo a Previdencia Social, nos anos 1980 apresentou uma taxa media de 5.389 por 100 mil, nos anos 1990 foi de 1.999 e nos anos 2000 foi de 1.525 por 100 mil trabalhadores. No mesmo periodo, a taxa de letalidade media foi de 42 por 10 mil nos anos 1980; 85 por 10 mil nos anos 1990 e de 59 por 10 mil nos anos 2000 (BRASIL, 2012).

O gasto do Brasil em Saude, seguindo orientacoes do modelo neoliberal, e reduzido de 80,30 dolares por habitante/ano em 1987 para 57,90 em 1994 (ELIAS, 2001). E se expressa nos gastos federais com Saude que reduzem 58,4% entre 1987 e 1992. Uma inversao, com aumento dos gastos, foi observada entre 1993 e 1995 e uma forte queda entre 1995 e 1996 (DATASUS). Os gastos federais com Saude de 1,8% do PIB, observado em 1995, so retornam a este patamar no ano de 2008.

Os Programas de Saude do Trabalhador

A origem dos Programas de Saude do Trabalhador no SUS e identificada por Lacaz (1997) no documento da Organizacao Panamericana de Saude, "Programa de Accion en la Salud de los Trabajadores" (1983), e encontra na Convencao no. 161 e na Recomendacao no. 171 da Organizacao Internacional do Trabalho, de 1985, as diretrizes para a implantacao de programas de saude na rede publica com ampla participacao dos trabalhadores, atuacao em equipes multiprofissionais e implementacao a partir de politicas publicas.

A eleicao para governadores de 1983, delineou a possibilidade para a Saude Publica assumir papel ativo na conducao de um movimento politico-ideologico que ficaria conhecido como os "Programas de Saude dos Trabalhadores" (PST), com experiencias baseadas na Reforma Sanitaria Italiana, desenvolvidos particularmente nos estados de Sao Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Bahia e Rio Grande do Sul.

Em 1988, o resultado das eleicoes para os governos municipais possibilitou que diversas cidades no sudeste do Brasil criassem os Centros de Referencia em Saude dos Trabalhadores (CEREST)--sob uma conformacao distinta da RENAST atual--aprofundando a participacao sindical, a articulacao interinstitucional e o funcionamento de conselhos gestores (LACAZ, 1997). No estado do Rio de Janeiro emerge sob a denominacao de Coordenacao de Saude do Trabalhador e Meio Ambiente (RIO DE JANEIRO, 1988).

Os PST em Sao Paulo emergem em resposta a insuficiencia das intervencoes estatais, ao ressurgimento do movimento sindical no ABC paulista (final dos anos 1970), ao arrocho salarial do periodo militar, ao agravamento das condicoes de saude em geral e dos trabalhadores em particular e se coaduna com o debate da Reforma Sanitaria (MEDEIROS et al, 2013). A peculiaridade destes PST reside no fato de terem sido gerados por demanda dos proprios trabalhadores em convergencia com os pleitos da mobilizacao sindical e como movel de sustentacao politica, antecedendo o controle social proposto pelo SUS em 1990, e mudando a antiga Comissao Sindical para Conselho Gestor (MEDEIROS et al, 2013). Este modelo de PST recebe reforco da assessoria tecnica do Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saude e dos Ambientes de Trabalho (DIESAT) (LACAZ, 1996) e as unidades municipais ou estadual se constituem com seus respectivos Conselhos Gestores.

O Projeto de Cooperacao Tecnica Brasil-ltalia, desenvolvido entre 1993 e 2000, norteou a capacitacao de muitos tecnicos em Sao Paulo e na Bahia, especialmente no campo da higiene e toxicologia, criou um Centro de Documentacao, proveu equipamentos, assegurou o protagonismo dos trabalhadores e iniciou a proposta de acao em rede de servicos (COMISSAO ORGANIZADORA DO SEMINARIO INTERNACIONAL BRASIL-ITALIA, 1998; MAENO; CARMO, 2005). Ainda que a abrangencia do projeto fosse circunscrita aos PST de Sao Paulo, a qualidade da capacitacao e a articulacao entre os estados propiciaram que outros programas se alimentassem desta experiencia para aprimorar as proprias praticas.

Na contramao do modelo brasileiro do...

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