What the eyes don't see, the heart can't feel? Investigating experiences of purchase for visually impaired in retail clothing/O que os olhos nao veem o coracao nao sente? Investigando experiencias de compra por deficientes visuais no varejo de roupas/Lo que los ojos no ven ?el corazon no lo siente? Investigando experiencias de compra de deficientes visuais en minoristas de ropas.

AutorPinto, Marcelo de Rezende
CargoArtigo--Marketing
  1. INTRODUCAO

    No ultimo censo de 2000, conduzido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica (IBGE), verificou-se que, em uma populacao de quase 170 milhoes, 14,5% das pessoas eram portadoras de algum tipo de deficiencia, ou seja, cerca de 25 milhoes de pessoas. Revelou-se tambem que aproximadamente 48% desse contingente apresentava algum tipo de deficiencia visual, 23% motora, 4% fisica, 9% mental e 16% auditiva.

    Ainda que nao haja consenso entre os pesquisadores sobre a definicao de deficiencia, as Pessoas Portadoras de Deficiencias (PPD) vem conquistando diversos direitos na sociedade por meio de regulamentacoes como a lei 8.213 de 1991 (lei das cotas), que obriga as empresas a reservar vagas para deficientes.

    Apesar da expressividade numerica dessa populacao, pode-se perceber que ainda sao poucos os trabalhos no campo das ciencias gerenciais que se debrucam sobre questoes tangentes aos portadores de deficiencia. Os poucos estudos feitos estao relacionados a insercao das pessoas com deficiencia no mercado de trabalho (CARVALHO-FREITAS et al., 2005; CARVALHO-FREITAS; NEPOMUCENO; MARQUES, 2008; NASCIMENTO; DAMASCENO; ASSIS, 2008; CARVALHOFREITAS; SUZANO; ALMEIDA, 2008), a vida no trabalho das pessoas com deficiencia (NOHARA; FIAMMETTI; ACEVEDO, 2007; SERRANO; BRUNSTEIN, 2007) ou a gestao do trabalho de pessoas com deficiencia ja inseridas na organizacao (CARVALHO-FREITAS, 2007). Vale ressaltar que, como sao varios os tipos de deficiencia, os estudos buscam fazer recortes a fim de se aprofundar no contexto de cada estrato da populacao de deficientes.

    Ao deslocarem a atencao para os estudos de marketing e, mais precisamente, para o campo da pesquisa do consumidor em organizacoes varejistas, as pesquisas envolvendo as PPD revelam-se incipientes. Os estudos existentes focam os deficientes de forma geral (FARIA; MOTTA, 2010; REIS, 2011; FARIA; SIQUEIRA; CARVALHO, 2012) Essa constatacao fica mais marcante quando se levam em consideracao os trabalhos que envolvem os deficientes visuais. Uma busca nos principais veiculos de divulgacao da producao academica em nosso pais revela que sao poucos os pesquisadores que vem destinando esforcos ao entendimento das caracteristicas dessa parcela consideravel da populacao (AMARO et al., 2008). No mesmo sentido, parece haver por parte dos gestores das organizacoes, incluidos aqueles que se dedicam ao varejo, certa negligencia em adaptar suas estrategias de marketing (entendidas aqui em seu sentido mais amplo, como acoes relacionadas ao produto, precificacao, distribuicao e comunicacao) a um publico que nao pode ser equiparado aos demais, em razao de suas peculiaridades marcantes.

    E justamente dessa lacuna existente na literatura de pesquisas sobre o consumidor no varejo que emergem algumas indagacoes a respeito das experiencias de compra de roupas por deficientes visuais, e o interesse de conduzir um trabalho a partir da seguinte problematica: Como os deficientes visuais vivenciam no varejo suas experiencias de compra de produtos, servicos, artefatos e imagens simbolicas relacionados ao vestuario? Para dar suporte a pesquisa, lancou-se mao do referencial da antropologia do consumo, que tenta relacionar o consumo com a construcao social de significados. Por meio de uma abordagem interpretativista de pesquisa, foram realizadas entrevistas em profundidade. Para a analise dos dados, utilizou-se a tecnica de analise de conteudo.

    A elaboracao deste trabalho justifica-se por alguns motivos. Inicialmente, e sempre salutar lembrar que a construcao de perspectivas de estudos que comportem areas diferentes do saber --tais como marketing, pesquisa do consumidor e varejo--merece destaque, uma vez que tais abordagens costumam representar bons avancos para todas as areas envolvidas. Tambem se constata, especialmente na area da pesquisa do consumidor, uma preocupacao incipiente dos pesquisadores em investigar questoes envolvendo aspectos culturais das diversas situacoes de compra no ambiente varejista. Destaca-se tambem que este trabalho pode ser um primeiro passo no sentido de preencher uma lacuna na literatura no Brasil sobre as experiencias de compra de deficientes. A partir das reflexoes e provocacoes propostas por Brito, Vieira e Espartel (2011), observa-se que, tratando-se do varejo, muito ou nada se pesquisou sobre a compra de artefatos de vestuario por deficientes visuais. Com relacao a questao do vestuario em uma perspectiva cultural e simbolica, McCracken (2003) enfatiza que os estudos acerca do vestuario podem revelar quanto da cultura pode ser examinado a partir da cultura material das roupas. Alem do mais, nunca e demais frisar que o artigo pode contribuir para apontar possiveis alternativas de estrategias mercadologicas para os gestores de empreendimentos varejistas, principalmente no ramo de confeccoes.

    Para responder a questao da pesquisa, o artigo foi estruturado em cinco secoes, alem desta introducao. Na segunda secao, denominada revisao da literatura, buscou-se, em primeiro lugar, discutir sucintamente questoes relacionadas ao consumo e sua relacao com a cultura, e, em seguida, por apresentar uma breve discussao sobre deficientes visuais e experiencias de compra. Outra secao foi necessaria para apresentar os procedimentos metodologicos utilizados na pesquisa empirica. A quarta secao foi criada com o proposito de discutir os resultados das entrevistas conduzidas por pessoas portadoras de deficiencia visual. P or fim, na quinta e ultima secao sao apresentadas e discutidas as consideracoes finais do trabalho, alem das limitacoes do estudo e das sugestoes para novos trabalhos.

  2. REVISAO DA LITERATURA

    2.1. O consumo

    Embora o consumo seja frequentemente visto como algo mundano na vida social, um olhar maior cuidadoso sobre ele e suas implicacoes pode levar a conexoes para um entendimento maior de diversos elementos importantes da sociedade contemporanea. Esses elementos se referem aos usos e as interacoes familiares, amigaveis ou profissionais, as normas dos grupos sociais, as pressoes da vida coletiva, a construcao social do mercado, ao jogo politico, aos efeitos do pertencimento social e a globalizacao (McCRACKEN, 2003; BARBOSA; CAMPBELL, 2006; DESJEUX, 2011).

    Para Laburthe-Tolra e Warnier (1997:416417), "o consumo pode ser definido como o uso de bens e servicos que desempenha uma dupla funcao: produzir a identidade, o sentido e a sociabilidade, ao mesmo tempo em que satisfaz as necessidades dos consumidores". Tambem para esses autores, o consumo e fonte de identidade pessoal e coletiva, uma vez que os bens sao produtores de sentido, ou seja, "Sao signos que permitem a comunicacao entre os iniciados, a inclusao por identificacao ao grupo, a intromissao em um grupo ao qual o sujeito deseja pertencer e a exclusao de individuos ou grupos que nao compartilham das normas recebidas" (LABURTHE-TOLRA; WARNIER, 1997:417).

    O consumo tambem pode ser visto como um processo social que diz respeito as multiplas formas de provisao de bens e servicos e as diferentes maneiras de acesso a esses mesmos bens e servicos. Ao mesmo tempo, pode ser encarado como um mecanismo social entendido pelas ciencias sociais como produtor de sentido e de identidades. Tambem e concebido como uma estrategia utilizada no dia a dia pelos mais diferentes grupos sociais para definir diversas situacoes que envolvem direitos, estilos de vida e identidades, ou como uma categoria central na definicao da sociedade contemporanea (BARBOSA; CAMPBELL, 2006). Assim, ele se relaciona tanto com a forma pela qual devemos ou queremos viver, quanto com questoes relativas a maneira que a sociedade e ou deveria ser organizada, sem falar da estrutura material e simbolica dos lugares em que vivemos e a forma como neles interagimos.

    Complementarmente, com base no interesse deste trabalho, cabe enfatizar que o consumo pode ser entendido como eminentemente experiencial, ao mesmo tempo em que tem componentes culturais e simbolicos. As duas proximas secoes apresentarao discussoes nesse sentido.

    2.2. A abordagem experiencial do consumo

    A nocao de experiencia entrou no campo dos estudos sobre o consumo com o artigo seminal de Holbrook e Hirschman (1982). Nesse trabalho, os autores trouxeram a baila uma questao ate entao negligenciada pelos pesquisadores de consumo: a "visao experiencial". Essa perspectiva do consumo, na visao deles, seria marcada por um fluxo de fantasias (sonhos, imaginacao, desejos inconscientes), sentimentos (emocoes tais como amor, odio, raiva, inveja, divertimento) e diversao (prazer hedonico derivado de atividades divertidas, alegres e prazerosas) associado ao consumo.

    Atualmente, pode-se dizer que o conceito ainda parece ser elemento-chave no campo do consumo (CARU; COVA, 2003), embora seja facil perceber que algumas lacunas e desafios permanecem evidentes (BRASIL, 2007). Contudo, a partir das contribuicoes de diversos autores de diferentes campos do conhecimento, e possivel estabelecer que a experiencia de consumo e uma ocorrencia pessoal, nao raramente com significante importancia emocional, fundada na interacao com os estimulos de produtos e servicos consumidos (HOLBROOK; HIRSCHMAN, 1982). No mesmo sentido, vale ressaltar que, na visao desses autores, a abordagem experiencial e fenomenologica e considera o consumo como um estado primariamente subjetivo de consciencia, com uma variedade de significados simbolicos, respostas hedonicas e criterios esteticos. Pullman e Gross (2003) estabelecem que experiencias sao inerentemente emocionais e pessoais, e abrangem fatores como interpretacoes pessoais de uma situacao baseadas em um historico cultural, experiencias anteriores, humor e tracos de personalidade.

    Nesse sentido, as experiencias de consumo nao focam apenas aspectos funcionais e "objetivos" dos produtos e servicos, mas sim todos os eventos, atividades e "detalhes" capazes de proporcionar valor em todas as fases do consumo, como, por exemplo, o design do ambiente, a interacao com outras pessoas...

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