Você diz a verdade e a verdade é o seu dom de iludir: estereópipos no sistema de justiça criminal quando a mulher é vitima de crime de estupro

AutorLivya Ramos Sales
CargoMestra pelo Programa de Po?s-Graduac?a?o em Sociologia - PPGS da Universidade Federal de Alagoas - UFAL. Bacharel em Direito pela Faculdade de Alagoas FAL. Especialista em Direito e Processo Penal pelo Centro de Estudos Superiores de Maceio? CESMAC. Atua como membro do Nu?cleo de Estudos e Pesquisas sobre a Condic?a?o Feminina (ICS/UFAL) no ...
Páginas113-129
Periódico do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero e Direito
Centro de Ciências Jurídicas - Universidade Federal da Paraíba
V. 8 - Nº 05 - Ano 2019
ISSN | 2179-7137 | http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ged/index
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VOCÊ DIZ A VERDADE E A VERDADE É O SEU DOM DE ILUDIR:
ESTEREÓPIPOS NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL
QUANDO A MULHER É VITIMA DE CRIME DE ESTUPRO
Lívya Ramos Sales Mendes de Barros1
Você diz a verdade
E a verda de, o seu dom de iludir
Como pode querer que a
mulher vá viver sem mentir?
Caetano Veloso
Resumo: Esse artigo teve por objetivo
entender como os sentidos das decisões
judiciais de casos de estupro estão
atravessados fortemente pela visão
androcêntrica. Observamos através das
estatísticas que a sociedade vem
atualizando as formas de opressão sobre
as mulheres, e muito embora, os números
apontem para um aumento significativo
dos crimes de estupro, o Sistema de
Justiça Criminal, ainda reproduz os
estereótipos que terminam por conduzir
o julgamento nos crimes sexuais. Para
1 Mestra pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia - PPGS da Universidade Federal de
Alagoas - UFAL. Bacharel em Direito pela Faculdade de Alagoas FAL. Especialista em Direito
e Processo Penal pelo Centro de Estudos Superiores de Maceió CESMAC. Atua como membro
do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Condição Feminina (ICS/UFAL) no Grupo de Pesquisa
Gênero e Emancipação Humana (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico - CNPq). Faz parte do Grupo de Pesquisa Carmim - Feminismo Jurídico (Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq). Trabalhou realizando pesquisa
no Centro de Apoio às Vítimas de Crime de Alagoas (CAV-CRIME). Trabalhou como advogada
no Centro de Referência em Cidadania e Direitos Humanos de Alagoas-CRCDH/AL vinculado a
Secretaria de Estado da Mulher, da Cidadania e dos Direitos Humanos SEMCDH. Advogada.
Professora da Faculdade de Alagoas FAT e do Centro Universitário Maurício de Nassau
UNINASSAU/ Maceió.
tanto, elementos da construção desse
julgamento devem ser problematizados:
a reflexão acerca de como a formação
sóciojurídica dos magistrados ratifica o
modo que, por vezes, responsabiliza as
vítimas pela agressão sofrida, inferindo,
portanto, um sistema de categorização
das mulheres que vem conduzido
historicamente, determinadas decisões
judiciais nos casos dos crimes em
questão. Tal prática está fortemente
ancorada na visão androcêntrica
estruturante das relações de gênero
Periódico do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero e Direito
Centro de Ciências Jurídicas - Universidade Federal da Paraíba
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contemporâneas, sobretudo no modo
pelo qual as mulheres são encaradas e
divididas ao longo da história. Ao refletir
sobre as recorrências, mudanças e
permanências que constroem os
vereditos a partir de parâmetros nem
sempre presentes na lei, o presente
trabalho se direciona ao debate de como
o judiciário internaliza e perpetra uma
prática social de violências físicas,
sexuais, morais e institucionais reflexos
de uma justiça que acompanha a lógica
de uma cultura cujo ordenamento social
é ditado pela estrutura patriarcal.
Palavras-chave: Estupro, decisão
judicial, mulher, estereótipos, visão
androcêntrica.
Abstract: This article aimed to
understand how the meanings of rapes’
judicial decisions cases are strongly
influenced by the androcentric vision.
Statistics show that society has been
renewing forms of oppression against
women, and, although the numbers point
to a significant increase in rape crimes,
the Criminal Justice System still
replicates the stereotypes that ultimately
lead to trial in sexual crimes. In order to
do so, elements of this judgment must be
problematized: the reflection on how the
magistrates' socio-juridical formation
ratifies the way in which the victims are
sometimes blamed for the aggression
suffered. All of this implies a system of
categorization of women that has been
conducted historically in certain judicial
decisions. Such practices are strongly
anchored in the structuring androcentric
view of contemporary gender relations,
especially in the way women are viewed
and divided throughout history. Through
reflection on the recurrences, changes
and continuities that construct the
verdicts from parameters not always
present in the law, the present work is
directed to the debate of how the
judiciary internalizes and perpetrates,
with a social practice of physical, sexual,
moral and institutional violence, reflexes
of a justice that follows the logic of a
culture whose social order is dictated by
the patriarchal structure.
Keywords: Rape, judicial decision,
woman, stereotypes, androcentric vision.
1. Introdução
Partimos da compreensão de que o
estupro é uma forma de poder e
dominação através do sexo. O interesse

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