Violência sexual em massa contra mulheres nos genocídios do século XX

AutorHumberto Alves de Vasconcelos Lima
Páginas75-114
VIOLÊNCIA SEXUAL EM MASSA CONTRA
MULHERES NOS GENOCÍDIOS
DO SÉCULO XX
Humberto Alves de Vasconcelos Lima1
Resumo: Genocídios são eventos que expõem a mulher
ao mais alto grau de vulnerabilidade física e psicológica,
pois, além de consistirem, inerentemente, em situações de
grave instabilidade política e social, sujeitam a mulher,
em razão de suas características biológicas próprias, à
violência de natureza sexual como meio para a prática do
extermínio. Revela-se de destacado interesse social e aca-
dêmico, portanto, o estudo da problemática identificada.
Para tanto, esse trabalho se propõe a examinar as moti-
vações e conotações da prática da violência sexual contra
mulheres nos genocídios ocorridos no século XX a que
correspondem registros desta modalidade de violência, a
saber, “Genocídio dos Armênios” (1915-1917), “Genocídio
de Nanking” (1937), “Holocausto” (1934-1945), “Geno-
dio no território da ex-Iugoslávia” (1992-1995), e “Geno-
cídio dos Tutsis em Ruanda” (1994) balizas metodo-
lógicas cientificamente orientadas. Por fim, a análise con-
tará com apontamentos sobre a apreciação desses crimes
quando houve em tribunais penais internacionais.
Palavras-chave: Genocídio. Violência contra a mulher.
Violência sexual contra a mulher.
1 Mestrando em Inovação pela Universidade Federal de Minas Gerais.
e Graduado em Direito pela Universidade de Itaúna.
Violência sexual em massa contra as mulhres
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1 Problematização e metodologia
Eventos de grave instabilidade política e social, os
genocídios oferecem condições para a prática e cons-
tituem cenário das mais torpes atrocidades cometidas ao
ser humano, ilustradas exemplificativamente pela
sujeição de pessoas a condições físicas ou mentais ten-
dentes a provocar sua morte, transferência forçada de
crianças de um grupo para outro e, o direto e objetivo,
homicídio. Esta instabilidade, a experiência tem
demonstrado, é gerada pelas próprias elites que con-
trolam o aparato burocrático e militar estatal, com vistas a
criar condições políticas e operacionais para viabilizar e
fomentar o extermínio de determinado grupo de pessoas2.
Classificam-se estes eventos em “genocidas” em
razão da natureza do vínculo que permite reunir as pes-
soas alvo do extermínio sob a identificação de deter-
minado grupo, isto é, um vínculo étnico ou racial e, além
do que explica a etimologia do termo, relativo à nacio-
nalidade ou à religião3.
Não bastasse a inerente vulnerabilidade destes
grupos, que em regra representam parcelas minoritárias
da população, agrava-se o quadro das mulheres membros
daqueles em situações de genocídio, por estarem mais
sujeitas à violência de natureza sexual. Esta maior
sujeição das mulheres à violência sexual durante ativi-
dades genocidas se explica em razão de algumas cir-
cunstâncias a seguir relacionadas e neste contexto assume
significados peculiares que não a mera satisfação sexual
do agente, a saber:
a) o estupro pode constituir meio para a prática
do genocídio (v. seção 3.1). Neste aspecto, a vio-
lência sexual é orientada a causar “dano grave à
integridade física e mental de membros do grupo”
(artigo 6º, alínea “b”, do Estatuto de Roma), seja
2 HOROWITZ, I. L. Taking Lives: Genocide and State Power. New
Brunswick: Transaction Publishers, 1997.
3 ESTATUTO DE ROMA DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL,
1998.
Humberto Alvez de Vasconcelos Lima
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em decorrência da própria natureza violenta da
prática ou em virtude da transmissão de doenças
através do ato sexual. Pode ocorrer ainda que,
devido às suas características biológicas, como
genitoras, as mulheres sejam alvo de esterilização
forçada como meio de “impedir nascimentos no
seio do grupo” (artigo 6º, alínea “d”, do Estatuto
de Roma) e, com isso, evitar a multiplicação de
seus membros. São duas formas reconhecidas pelo
Direito Penal Internacional pelas quais se manifes-
ta o genocídio. A mesma condição de genitora
ainda possibilita que o estupro que tenha por con-
sequência a gravidez seja meio para o nascimento
de um descendente do grupo dominante entre o
grupo dominado, afetando assim sua composição
étnica;
b) a violência sexual no contexto genocida pode
assumir aspectos de natureza simbólica, associa-
dos a superstições ou fatores sociais que influen-
ciam na decisão do agressor em praticá-la. É o que
o ocorreu, a título de exemplo, no estupro de vir-
gens chinesas pelos soldados japoneses no curso
da invasão de Nanking como crença de se obter,
por este meio, “poderes místicos” (v. seção 3.2).
Aqui, a violência sexual não é explicada por cons-
tituir ato típico da prática do genocídio, mas sim
por representar um ato carregado de conotações
simbólicas que servem de motivação ao agente;
c) de forma semelhante, a violência sexual em
massa durante genocídios pode ser explicada sob
um ângulo psicológico (v. seção 3.3), no qual a
motivação do agressor resulta de determinados
fatores que interferem na sua compreensão em
relação à própria conduta, fazendo-o crer que é ela
menos grave e por isso justificável quando
confrontada com resultados supervenientes mais
graves, isto é, o próprio extermínio como objetivo
do genocídio.

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