Viewing Africa with Marx: Remarks on MarxS Fragmented Engagement with the African Continent/Considerando a Africa em Marx: Notas sobre o engajamento fragmentado de Marx com o continente africano.

AutorKalmring, Stefan

Outubro de 1881: Marx adoece com pleurite, pneumonia e bronquite. Afasta-se para tratamento em uma estadia em Argel, onde o clima nos meses de inverno e primavera e considerado o mais benefico para a saude respiratoria (Engels, 1883; Vesper, 1995; Krysmanski, 2014). 20 de fevereiro de 1882: Marx chega a Argel e assim, pela primeira vez, coloca os pes no continente africano.

A estadia de Marx em Argel nao muda o fato de que o seu engajamento--e tambem de Engels--com a Africa tem um lugar nao-prioritario em relacao a seus trabalhos sobre outras regioes do mundo. Segundo Amin (1976, 159), no conjunto dos escritos de Marx ha apenas cerca de 400 paginas que tratam de sociedades fora da Europa (1). A maioria destes escritos sao trabalhos jornalisticos sobre a India, China e o Imperio Otomano, e para piorar as coisas, eles estao largamente voltados para as politicas domesticas britanicas. Vesper (1995, 125) conta mais de 300 trabalhos de Marx e Engels nos quais o continente africano e mencionado. Mas, na maioria dos casos, esses sao somente pontos e respingos, certamente nao discussoes elaboradas. O conhecimento de Africa por parte de ambos os autores e "praticamente nao existente" (Hobsbawn, 1964, 26).

Objetivo e beneficio

O que podemos ganhar a partir do exame dos comentarios quase nao-existentes de Marx sobre o continente africano? Desde o assim chamado "Ano da Africa" (1960) na Alemanha, especialmente na RDA, o tema "Marx e Africa" nao e mais puramente academico: no contexto de progressiva descolonizacao, a questao politica-estrategica se tornou um problema de como tratar os paises africanos formalmente independentes e os movimentos de libertacao nacional do continente (Oberlack, 1994, 5; para a decada de 1980, cf. Jegzentis e Wirth, 1991). Devido a tendencia prevalecente de se achar posicoes politicas em citacoes dos classicos, iniciou-se um debate virulento sobre como interpretar os respectivos textos de Marx, Lenin e outros. Mas, devido as descobertas bastante esparsas nos classicos sobre a Africa, cientistas sociais e historiadores na RDA tiveram a oportunidade de se engajar em um debate bastante independente sobre a historia e o futuro do continente africano. Essa literatura sobre a Africa inspirada em Marx em Marx, assim como a correspondente literatura de academicos orientados pelo Marxismo no Sul e no Ocidente, se concentraram em tres pontos (cf. Meisenhelder, 1995, 198): primeiro, nas caracteristicas dialeticas da penetracao capitalista das colonias; segundo, na localizacao das sociedades africanas no interior de uma teoria materialista da historia; e, terceiro, na questao das possibilidades de desenvolvimento, se essas sociedades eram estaticas ou dinamicas.

Nos nao vamos reconstruir esse debate inteiro sobre a Africa. Nos pretendemos apenas apreender os comentarios fragmentados sobre a Africa feitos pelo proprio Marx e contextualiza-los na ampla estrutura de suas elaboracoes sobre as questoes do colonialismo, expansao global do capital e a incorporacao das sociedades nao-europeias na teia das relacoes de producao burguesas.

Para nao se tornar vitima de simplificacoes superficiais, algumas observacoes sobre como lidar com os comentarios fragmentados de Marx sao necessarias. Como avalia-los nao depende apenas de sua posicao cronologica posicionada no trabalho de Marx, como demonstraremos a seguir (cf. Menzel, 2000; Kalmring e Nowak, 2004; 2011; Anderson, 2010). E tambem importante lembrar que os varios trabalhos de Marx se diferenciam em "significado analitico": um texto programatico e ao mesmo tempo propagandistico como o Manifesto Comunista requer um leitura e interpretacao diferente de um texto jornalistico sobre o impacto e as consequencias do colonialismo na India ou na China, e estes sao, por sua vez, diferentes das analises teoricas de modos de producao pre-capitalistas nos Grundrisse. Nos devemos tambem lembrar o obvio: que a Africa nao e um territorio unitario em termos de historia, economia e politica. Portanto, citacoes isoladas de Marx que se referem a periodos ou regioes especificas da Africa, nao devem ser generalizadas inapropriadamente; afinal, o proprio Marx, como demonstraremos a frente, aponta diferencas entre as regioes africanas.

"O Ocidente e o Resto" e as Tres Teorias do Desenvolvimento de Karl Marx.

No centro da obra de Marx e Engels estao Gra-Bretanha, Franca e Alemanha enquanto paises chave para uma potencial transformacao revolucionaria (Schroder, 1968,70). Em termos gerais, desenvolvimentos na periferia europeia e extra-europeia sao avaliados em relacao ao seu significado para a transformacao socialista nos paises do centro capitalista. Esse foco e tao pronunciado nos textos "de juventude" de Marx e Engels que se pode acusa-los de um certo eurocentrismo (Schroder, 1968, 70; Larrain, 1991, 236).

Se vermos Marx e Engels como adeptos de Hegel, entao sua ignorancia em relacao a Africa e explicada pelo preconceito hegeliano em relacao a este continente e seu povo (2). Segundo Bohme (2001), Hegel considerava a Africa como o fim da linha para o/beco sem saida do espirito humano. Sintomaticamente, Hegel escreve em uma de suas Licoes sobre a Filosofia da Historia: "Neste ponto deixamos a Africa, nao a mencionaremos de novo. Pois ela nao e parte historica do mundo; nao ha nenhum movimento ou desenvolvimento a exibir" (Hegel, 1857,103). Mas e improvavel que um preconceito trazido de Hegel fosse a unica razao para o conhecimento bastante limitado de Marx sobre a Africa, se nos considerarmos seu trabalho jornalistico sobre a India e a China. Afinal, Hegel percebeu tambem um bloqueio desenvolvimentista nos "despotismos" Asiaticos. De um lado, parece justo supor que dependendo da respectiva situacao da politica mundial, os interesses politicos e jornalisticos de Marx sobre as diferentes regioes do mundo mudava. Por outro lado, devemos ter em mente que Marx provavelmente tinha em Londres um acesso mais facil a informacoes sobre a India e a China do que sobre outras regioes do mundo--para nao mencionar que a India era considerada a joia da coroa do Imperio Britanico. Portanto, o silencio de Marx sobre a Africa deve ter sido largamente condicionado pelos esforcos relativamente maiores para a coleta de informacoes confiaveis e detalhadas sobre as estruturas socioeconomicas das sociedades africanas pre-coloniais e das consequencias do colonialismo na Africa. Outro fator e que a antropologia empirica somente comecou a se desenvolver durante os anos finais da vida de Marx (1972).

Pelo menos ate a decada de 1860, a percepcao de Engels sobre diversas nacoes perifericas--Tchecos, Eslavos do Sul, as nacoes balcas, e os franco-canadenses--e determinada pela concepcao hegeliana dos considerados "povos sem historia" (Rosdolsky, 1986). Segundo Engels, esses povos sao "desprovidos de todo poder historico de acao" (Engels. 1849b, 236). Neste sentido, ele ve a expansao territorial de paises progressistas no interior de regioes de fraco desenvolvimento capitalista de uma forma positiva. Por exemplo, Engels considera a conquista francesa da Argelia "um fato importante e afortunado para o progresso da civilizacao" (Engels, 1848, 471). Da mesma forma ele proclama inicialmente a anexacao da California pelos Estados Unidos da America (EUA) um desenvolvimento continuo/gradual (progressive), pelo o qual ele supoe os "ativos ianques" muito mais capazes do que os "preguicosos mexicanos" para desenvolver rapida e efetivamente a regiao (Engels, 1849a, 365).

Em seus escritos de juventude, Marx compreende a expansao da economia capitalista atraves do livre comercio e do colonialismo como positiva, na medida em que as regioes ate entao nao-capitalistas sao forcadas ao caminho da industrializacao, o qual, por sua vez, prepara para o socialismo (Avineri, 1969). Enquanto ele critica o "barbarismo" (Marx, 1853b, 218) do sistema colonial em seus trabalhos jornalisticos sobre a India e a China, ele ao mesmo tempo aprecia o estabelecimento forcado das condicoes capitalistas no espaco extra-europeu. "A questao e, pode a humanidade cumprir seu destino sem uma revolucao fundamental no estado social da Asia?" (Marx, 1853a, 132). Esse argumento da "teoria da modernizacao" pode por vezes ser encontrado ate mesmo em seus escritos tardios, por exemplo quando, enquanto fala aos leitores alemaes, ele afirma em O Capital: "O pais que e mais desenvolvido industrialmente somente mostra ao menos desenvolvido a imagem do seu proprio futuro" (Marx, 1867, 9).

Entretanto, em algum momento durante meados da decada de 1860, a visao de Marx sobre a periferia mudou. Ele agora ve as possibilidades de desenvolvimento...

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