Vida em Condomínio. Uma questão premente
Autor | Flávio Tartuce |
Páginas | 132-133 |
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REVISTA BONIJURIS I ANO 31 I EDIÇÃO 659 I AGO/SET 2019
APRESENTAÇÃO
Vida em Condomínio
UMA QUESTÃO PREMENTE
NA PRIMEIRA METADE DESTE ANO, o
professor Flávio Tartuce foi consultado
sobre decisão recente da Terceira Tur-
ma do Superior Tribunal de Justiça, o
. Em síntese, os ministros entenderam que
as despesas condominiais de imóvel objeto de
alienação fiduciária eram de responsabilidade
do devedor fiduciante seriam de responsabili-
dade do credor fiduciário tão somente quando
este consolida totalmente a propriedade. Para
maior clareza e exemplificação: o comprador
de um apartamento financiado pela Caixa
Econômica Federal seria o devedor fiduciante.
A Caixa seria o credor fiduciário. Era uma de-
cisão que ia contra os interesses dos condomí-
nios, quando vítimas da inadimplência.
O parecer de Tartuce revelou-se abrangente.
O jurista debruçou-se sobre julgados anteriores
e sobre extensa bibliografia a fim de esculpir
seus argumentos. Partiu, assim, da origem do ne-
gócio fiduciário, remetendo à construção doutri-
nária de alemães e italianos, no fim do século 19,
pela qual fundamentou-se a transferência do di-
reito de propriedade objetivando a garantia ao
credor. O lastro teórico também se fazia susten-
tar no conceito de fidúcia, que vem do italiano
fiducia – com origem fincada no direito romano
– e das leis germânicas da antiguidade, em espe-
cial a ideia de penhora de propriedade.
Diz Tartuce: “Tradicionalmente, três são as
pessoas envolvidas no negócio: o vendedor [alie-
nante anterior da propriedade, no caso da uni-
dade imobiliária], o comprador, que passa a ser o
devedor fiduciante, e o credor fiduciário, no caso
concreto em análise, a instituição financeira.”
É partindo desse conceito que o jurista vê
no credor fiduciário o proprietário do bem,
tendo sobre ele os encargos decorrentes da
dívida condominial, entre outros créditos de-
vidos. Sem entrar nas minúcias descritas por
Tartuce, expostas de forma cristalina e didáti-
ca em seu parecer, o jurista reflete sobre ques-
tões pontuais:
1) o sistema jurídico, como é perceptível na
intepretação dada pelo , tutela de forma
considerável os interesses das instituições fi-
nanceiras;
2) o proprietário da unidade imobiliária é o
credor fiduciário, portanto seria ele o respon-
sável por responder pelas dívidas condominiais
como titular do domínio jurídico do bem imóvel;
3) ainda que o tenha julgado diferente-
mente, a imputação ao devedor fiduciante é
tema de divergência nas cortes brasileiras, nota-
damente nos tribunais estaduais, havendo acór-
dão que falam em solidariedade da obrigação;
4) há informações suficientemente fáticas
que apontam para a omissão do credor fidu-
ciário em consolidar a propriedade do imóvel,
justamente porque não tem interesse em as-
sumir os débitos condominiais;
5) na ausência de fixação de prazo para con-
solidação da propriedade por credor fiduciá-
rio, há o entendimento, corroborado por tribu-
nais do Estado de São Paulo, que estabelece o
prazo de 120 dias para essa consolidação;
6) decorrido esse prazo, entende Tartuce,
estaria configurado o desrespeito à boa-fé ob-
jetiva, compreendida como a exigência de um
comportamento de lealdade dos participantes
do negócio jurídico.
Outra ponderação de Tartuce diz respeito à
aplicação do duty to mitigate the loss, expres-
são em inglês que trata do dever por parte do
Flávio Tartuce
“O credor fiduciário,
geralmente uma
instituição financeira,
não tem qualquer intenção
de pagar as dívidas
condominiais”
“O sistema
jurídico tutela
de forma considerável
os interesses dos bancos
e de mais ninguém,
lamentavelmente”
“A minha tese
é a de que a
penhora deve recair
não só sobre os direitos
do devedor fiduciante,
mas também sobre a
propriedade do credor
fiduciário”
“O credor fiduciário
que não consolida a
propriedade no prazo de 120
dias do inadimplemento do
devedor fiduciante, comete
abuso de direito, podendo
ser responsabilizado de
forma solidária”
O QUE DIZ TARTUCE?
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