A vida do anencéfalo como direito humano

AutorJairo do Socorro dos Santos da Costa
CargoGraduando do 4º período do curso de Direito (Faculdade de Ciências Jurídicas de Paraíso do Tocantins)
Páginas30-34

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Introdução

As divergências sobre anencefalia têm alimentado muitos debates. Na análise jurídica o assunto se torna bastante polêmico por apresentar diversos contornos de índole penal ou moral. Penal porque envolve elemento fundamental magno, a vida; moral por relevância religiosa ou filosófica.

Para melhor discutir o tema, Genival Veloso de França (2011,
p. 313) conceitua a anencefalia como “má-formação fetal congênita decorrente de defeito no fechamento do tubo neural durante o estágio embrionário, fazendo com que o feto não apresente os hemisférios cerebrais e o córtex, mas de forma variada um certo resíduo de tronco encefálico”.

Com isso, o autor esclarece que a vida humana extrauterina é insustentável sem a massa encefálica.

No mesmo sentido, Maria Helena Diniz (2009, p. 54) esclarece em nota de explicação que, “no anencéfalo, o córtex cerebral está ausente”, mas assevera a autora que o córtex “está presente no tronco cerebral e o cerebelo”.

Ao tratar de doação de órgãos, diz Maria Auxiliadora Minahim (2011, p. 214) que “deve, desde logo, ser esclarecido que a criança anencefálica nasce viva”. Assim, a autora completa a definição de França e Diniz, pois estes afirmam que o anencéfalo possui resíduo de tronco encefálico, o que dá a garantia de nascituro. Nas palavras de Donaldo J. Felipe (2010, p. 181), “aquele que está potencialmente apto a nascer” é denominado nascituro.

Para Edison Tetsuzo Namba (2011, p. 45), “a anencefalia é o resultado da falha de fechamento do tubo neural, decorrente de fatores genéticos e ambientais, durante o primeiro mês de embriogênese”. Este autor acrescenta ao conceito os fatores genéticos e ambientais, o que eleva a hereditariedade da anencefalia.

1. Aspecto legal

A legislação brasileira ainda é omissa no trato do anencéfalo. Não há normatização expressa sobre o assunto. O legislador, detentor da função típica de regulamentar (ou legislar), ainda encontra entraves para aditar medidas a definir o que deve ser feito, ou não, em casos de o feto ser diagnosticado anencefálico.

Muito se tem perquirido: o que fazer com o feto anencefálico? Não há uma resposta unânime. O gargalo é o caput do art. 5º da carta da República brasileira ao garantir “a inviolabilidade do direito à vida”. Assim, aquele que foi concebido tem por direito a nascer.

Com base na redação do artigo 5º do texto magno, o Código Civil pátrio definiu no artigo 2º, primeira parte, que “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida”. A vida, nesse sentido, é resguardada posterior-mente ao nascimento da pessoa, momento que garante a personalidade do indivíduo.

Por outro lado, o mesmo artigo do supracitado diploma, em

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sua parte final, externa que “a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”. E, para dar relevo a este dispositivo e ao caput do artigo 5º, magno, no cerne do direito à vida, também o Código Penal brasileiro, que, é excepcionalmente aplicado nos casos concretos, por ser a lei do “estremo”, definiu as situações que podem e as que não devem ser puníveis com a prática da interrupção da gravidez, em nada esclarecendo sobre o feto anencéfalo.

Com isso, os artigos 124, 125 e 126, do diploma em tela, criminalizam a prática do aborto, inclusive com a cominação de pena de reclusão até dez anos de prisão. Já os incisos I e II do artigo 128 do CP explicitam os casos de aborto que não serão puníveis. Acrescentase a este rol o aborto em casos de anencefalia, pois, com recente decisão da suprema corte, entende-se que não é punível tal prática.

1.1. Entendimento do pretório excelso

Inicialmente cabe a análise sucinta do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 54, apreciada pelo Supremo Tribunal Federal.

Em seu voto e relatoria, o ministro Marco Aurélio primou pelo entendimento religioso na Constituição Federal de 1988, e descreveu

“A questão posta neste processo – inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual configura crime a interrupção de gravidez de feto anencéfalo – não pode ser examinada sob os influxos de orientações morais religiosas. Essa premissa é essencial à análise da controvérsia.”

Esse é o entendimento do ministro, tendo como seguidores seus pares Joaquim Barbosa e Rosa Weber.

Ao entrar no mérito, o minis-tro Cezar Peluso entende que “o anencéfalo morre, e ele só pode morrer porque está vivo”. Assim, ao votar contrário a ADPF-54, entende este jurista que o anencéfalo por possuir vida deve ter seus direitos tutelados.

Para a ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, o STF não está, taxativamente, impondo o aborto do anencéfalo. Explica que a suprema corte somente está respondendo conforme clama a sociedade e em conformidade com a Constituição da República.

“Estamos deliberando sobre a possibilidade jurídica de uma pessoa ou de um médico ajudar uma mulher que esteja grávida de um feto anencéfalo, a fim de ter a liberdade de fazer a escolha sobre qual é o melhor caminho a ser seguido, quer continuando quer não continuando com essa gravidez.”

Com isso, esclarece Cármen Lúcia que o STF apenas está afirmando que a interrupção da gravidez com feto anencéfalo não será passível de pena. Segunda a minis-tra, faculta-se à gestante permitir o aborto e lhe garante a autonomia da vontade para preservação da sua dignidade e integridade. No mesmo sentido, o ministro Celso de Mello julgou “integralmente procedente a ação, para confirmar o pleno direito da mulher gestante de interromper a gravidez de feto comprovadamente portador de anencefalia”.

O pleno do Supremo Tribunal Federal, por maioria, considerou não ser crime a prática de aborto de anencéfalo.

1.2. Entendimento doutrinário

Boa parte da doutrina é conivente com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal em não punir a prática do aborto de anencéfalo. Dentre estes podem ser citados Guilherme de...

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