Verita effetuale and peace in European integration law/Verita Effetuale e Paz no Direito da Integracao Europeia.

AutorGiannattasio, Arthur Roberto Capella
CargoReport

Introducao

O tema da construcao da Paz e de sua manutencao duravel por meio de regras juridicas internacionais e um dos principais e mais tradicionais estudos em Direito Internacional (CASELLA, 2008: 39 e 215-6). Sejam ou nao temas privilegiados de estadistas (FREUD, 2005: 42)--ainda que orientados secretamente pela oitiva da livre manifestacao da razao de filosofos (KANT, 2010: 83-5) (1), a implantacao e a garantia de uma Paz por meio da regulacao juridica internacional encontram ressonancia em preocupacoes teoricas e aplicadas nos estudos em Direito (KELSEN, 2011).

A experiencia do Saber em Direito Internacional mostra ter sido constantemente exercida no ambito da razao pura no sentido de compreender e encontrar condicoes de possibilidade que assegurassem o estabelecimento de relacoes pacificas entre os Estados (2). No ambito da razao pratica, os estudos em Direito Internacional se dirigiram a proposicao de desenhos institucionais voltados a construcao da Paz e a compreensao dos limites de tais arranjos que justificassem o fracasso ou a nao-durabilidade dos regimes instituidos (3).

Fosse por mecanismos (i) juridico-economicos (CASELLA, 2000; DURAN, 2013; FARIA, 2008; MILHAUD, 1926), (ii) juridico-politicos constitucionalistas (DEHOUSSE, 2002; FERRAJOLI, 2007; MARZOUKI, 2012, 2013, 2014; PIZZOLO, 2014), ou (iii) juridico-jurisdicionais (DELMAS-MARTY, 2004; KELSEN, 2011), o Direito Internacional se renovaria continuamente para estabelecer parametros para a construcao e a manutencao da Paz (VERDROSS, 1929: 502). Co-existencia e cooperacao (4) seriam, assim, modelos historicos de arranjos institucionais imaginados e praticados de acordo com a linguagem do Direito Internacional como respostas historicas a guerras e como promessas institucionais de reestruturacao juridica das relacoes internacionais em conformidade com discursos de Paz (CASELLA, 2008: 221).

Todavia, a experiencia historica da integracao europeia parece ter deflagrado uma inflexao pratica nos estudos sobre o papel do Direito Internacional na construcao da Paz. Se desde o inicio desse processo de integracao europeu nao se verificaram mais Guerras entre os paises daquele continente, nao se pode ignorar que a origem institucional dessa integracao era consciente (i) dos limites de se compreender a Paz como a missao do Direito Internacional, e (ii) da importancia de a substituir pela ideia de juridificacao dos conflitos politicos.

A partir de uma analise qualitativa de fontes primarias (documentos historicos relacionados a origem da integracao europeia e o Tratado de Paris de 1951) e de fontes secundarias (revisao bibliografica sobre a origem da integracao europeia), argumenta-se que a Comunidade Europeia do Carvao e do Aco (CECA) se orientou institucionalmente para afastar, ao mesmo tempo, a possibilidade de eclosao de Guerra e de instauracao da Paz. Entende-se que a construcao do arranjo juridico originario dessa Organizacao Internacional se voltara a criacao de condicoes de possibilidade para uma vida Politica na Europa a partir do reconhecimento juridico da verita effetuale europeia e de sua adequada articulacao normativa no interior do processo de integracao.

O presente texto se desenvolve em 3 (tres) movimentos logicos principais.

Em primeiro lugar, apresenta-se a nocao de verita effetuale maquiaveliana (2.1) para, em seguida, compreender o papel do Direito na recepcao e na reproducao institucionais da inevitabilidade de tensoes politicas permanentes (juridificacao da Politica) (2.2). Em segundo lugar, a partir da identificacao da verita effetuale europeia do inicio do seculo XX extraida do exame de elementos historicos legados por documentos relacionados a CECA e pela respectiva historiografia (3.1), sera apresentada uma reflexao juridico-politica sobre a inflexao que a origem da integracao europeia produziu na compreensao do Direito Internacional no periodo, o que sera feito por meio de uma interpretacao sumaria de dispositivos normativos do desenho institucional estruturado em seu Tratado Constitutivo (3.2). Em terceiro lugar, sera apresentada a compreensao de que, ao seguir os principios de um Direito Politico por meio da linguagem naocoercitiva do Direito Internacional, o arranjo institucional da CECA criou um Direito Internacional fundamentalmente Politico, ao mesmo contrario a Guerra e contrario a Paz--um Direito Politico Internacional (4.).

Pretende-se com isso argumentar que a CECA pode ser compreendida como uma primeira experiencia de um Direito Politico Internacional no seculo XX (5). Por meio da traducao juridico-institucional de conflitos politicos permanentes, o Direito Internacional responsavel por criar a CECA instaurara uma forma juridica de convivencia entre diferentes povos voltada a permitir juridicamente (freios e contrapesos) a permanencia de tensoes politicas sem uma resolucao previamente fixada (vazio normativo). Seria esta absorcao da logica Politica--contra a Guerra e contra a Paz--o elemento inaudito e inovador desse desenho juridico-institucional internacional.

  1. Verita Effetuale e o Papel do Direito Politico: Juridificacao de Tensoes Escalares

    2.1 A Verdade Efetiva da Vida Politica: A Permanente Tensao na Relacao Mando- Obediencia

    No Capitulo XV de sua obra O Principe, ao tratar do tema de como se deve comportar aquele que ocupa o lugar do Poder e do Direito em relacao ao respectivo povo, o autor Nicolau Maquiavel apresenta a nocao de verdade efetiva das coisas (verita effetuale). Nesse momento, o autor florentino reivindica que uma reflexao util sobre a vida politica e sobre sua estabildade deve necessariamente considerar menos o que se imagina sobre as coisas e mais sua verdade efetiva (MAQUIAVEL, 2004: 73)--e, nos Capitulos seguintes, o autor trabalha sobre a questao de como deve aquele que esta no lugar do Poder e do Direito buscar ser percebido (6).

    Segundo essa perspectiva, a vida politica seria caracterizada por uma logica propria, a qual nao deve jamais deixar de levar em consideracao a verdade efetiva da coisa politica. Essa verdade efetiva consistiria no seguinte inafastavel carater: em uma vida conjunta entre diferentes submetidos a um mesmo destino politico (da polis), as relacoes se estruturam em uma dupla dimensao de (i) mando-obediencia, e (ii) plurivocidade de cosmovisoes.

    O exercicio de uma autoridade publica (Poder e Direito) sobre a vida comum (mando-obediencia) exige sempre um fino ajuste de mutuo reconhecimento entre aquele que a exerce e aquele que a recebe, sem ignorar que essa pratica sempre sera avaliada de diferentes maneiras pelas distintas unidades sociais que compoem o corpo politico (louvado/vituperado, amado/temido, entre outros) (LEFORT, 1986: 381). Mais do que isso: essa diferentes unidades sociais devem de alguma forma ser levadas em consideracao quando da tomada da decisao (MAQUIAVEL, 2004: 113-5), pois e essa dupla oposicao o elemento constitutivo do laco politico (LEFORT, 1986: 382; MERLEAU-PONTY, I960: 347-8).

    Em outras palavras, a acao politica necessaria para instituir e para manter uma vida comum entre diferentes deve ser capaz de absorver esse sabor/saber profundo da logica da Politica: reconhecer (i) a presenca fundante de dois motores (desejo de dominar e desejo de nao ser dominado) e (ii) a co-existencia em mesma dimensao espacio-temporal de diferentes modos de habitar, de interpretar e de direcionar o mundo (escalas de existencia) que dependem de si para sustentar e assegurar a permanencia da vida comum. Ha uma relacao de dependencia mutua entre o lugar do Direito e do Poder e aqueles que seguem suas determinacoes (LEFORT, 1986).

    O principio de uma vida Politica seria estabelecido precisamente com a conjugacao publica desses dois elementos em permanente tensao (CARDOSO, 2004: 50; VERNANT, 1981: 31 e 71-2). Ao se reconhecer que a inevitabilidade (verita effetuale) de tais elementos conflitivos (i principi) e a chave do desafio e do enigma da convivencia Politica entre diferentes em uma vida comum (LEFORT, 1992: 166 e 172-4, 2007a: 241-2, 2007b: 346, 2007c: 347-9, 2007d: 360), entende-se que essas duas dimensoes devem ser consideradas continuamente por aquele quem ocupa o lugar do Poder e do Direito ou que pretende o ocupar de maneira a nao enfraquecer o corpo Politico (LEFORT, 1986: 403; MAQUIAVEL, 2004: 73-4; MERLEAU-PONTY, I960: 348).

    Nesse sentido, a verdade efetiva das coisas aponta que e a virtude dessa dupla discordia--mando/obediencia e pluralidade escalar--a forca que nao apenas funda a vida comum Politica (LEFORT, 1986: 381-3), como tambem promove sua renovacao continua mediante promocao de oposicoes (desunione) que revigoram o corpo politico (LEFORT, 1992: 144-5). O lugar do Direito e do Poder sera prudente na manutencao da vida Politica (MAQUIAVEL, 2004: 115) quando reconhece e assume para si o papel de recusar a tirania e a anarquia precisamente mediante o estimulo a uniao dos diferentes e o fomento da transgressao no interior da ordem estabelecida (LEFORT, 1986: 423, 1992: 145; MERLEAU-PONTY, I960: 350).

    "[Affronter la contradiction qui dechire la societe [... est] l'accueillier, l'accompagner et la maitriser" (LEFORT, 1986: 423), ou seja, e saber utilizar esse dado inafastavel da vida Politica para nutrir as proprias condicoes de possibilidade de sua instauracao e perpetuacao. Estar consciente da verita effetuale implica, assim, que o lugar do Direito e do Poder deve estar atento para, a cada momento, se abrir a constante renovacao mediante (LEFORT, 1986: 442, 1992: 166-7): (i) identificacao das escalas de existencia que compoem o principio do corpo politico sobre o qual sua autoridade se exerce (pluralidade); (ii) absorcao de tal variabilidade escalar em permanente oposicao no processo decisorio (tensao); (iii) sem, todavia, (a) concessao de preferencia a priori a qualquer uma delas (imanencia), ou (b) eleicao de qualquer uma delas para ocupar de maneira permanente o lugar do Direito e do Poder (vazio normativo).

    Por meio da permanente...

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