O que é verdade no direito tributário?

AutorTatiana Aguiar
Páginas96-103

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Introdução

A busca pela verdade é, talvez, uma das mais fortes molas propulsoras da curiosidade humana desde que o mundo é mundo. Do mais culto ao mais ignorante, a ânsia por conhecer a verdade sobre as coisas, as pessoas, os discursos alimenta o ser humano e faz com que ele crie meios, mecanismos, métodos e teorias sobre esse supremo mistério.

Foi impulsionada pelo imenso interesse que gira em torno do presente tema, pelas muitas teorias criadas na tentativa de alcançar a verdade e principalmente pelo relevo dado a ela no âmbito do Direito, a ponto de todos os participantes do discurso jurídico falarem em nome dela, que decidimos nos debruçar sobre o presente assunto.

Para tanto, no item I estudaremos algumas definições de verdade, começando pela origem grega deste vocábulo. No item II exporemos as muitas teorias criadas em torno da verdade, começando pela escola escolástica até chegar a pragmática contemporânea. No item III veremos as teorias sobre o conhecimento da verdade, em que analisaremos as possibilidades de conhecê-la ou não.

No item IV discutiremos sobre a verdade retórica. Bem poderíamos ter inserido as idéias defendidas neste item, como uma das teorias sobre a verdade ou sobre o conhecimento desta, porém, decidimos dar--lhe um lugar de destaque, justamente por ser este o nosso entendimento sobre a verdade, dentro e fora do Direito, a nossa verdade. E finalmente, concluiremos apresentando as influências de tais teorias filosóficas no Direito Tributário e a criação das diversas correntes doutrinárias que visam explicar a verdade no âmbito jurídico, até chegar ao que nós entendemos ser (a) verdade no Direito.

Ao final, se perceberá que a escolha do título acima, não passa de um jogo. de linguagem com essa ansiosa busca pela verdade e ao mesmo tempo de um mecanismo retórico (aqui no sentido de arte persuasiva) para instigar o interesse do leitor, como se ao ler este curto excerto, ele finalmente pudesse descobrir "o mais precioso segredo da vida: a verdade".

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I - Definições de verdade

Em grego, Aletheia significa verdade no sentido de descobrimento do ser, o oposto deLethe, que consiste no esquecimento. Daí porque para os filósofos gregos a verdade era idêntica a realidade e esta idêntica a permanência, no sentido de ser sempre.

Assim, na Grécia antiga, pensava-se algo como verdadeiro se e somente se fosse imutável. Por outro lado, algo mutável não era necessariamente falso, mas aparentemente verdadeiro.

Entendia-se a verdade como o descobrimento do que a coisa é, antes de ter sido, ou seja, da sua essência e, como tal, a verdade era estática ou, em outras palavras, verdadeiro era o que era permanente no ser.

Já para os hebreus, na época clássica, a verdade era sinônimo de confiança, de segurança. Assim, a verdade não era sua realidade frente às aparências, mas a sua fidelidade frente à sua infidelidade. O verdadeiro era o que era fiel, por isso, Deus era o único verdadeiro para tal povo. Sob essa ótica, a verdade não era estática.

Para Aristóteles: "Dizer o que é que não é, ou do que não é que é, é o falso; dizer o que é que é e do que não é que não é, é o verdadeiro".1 Por expressar pensamentos desse jaez, atribui-se a Aristóteles a concepção semântica da verdade, no sentido de apontar a verdade na proposição ou de considerar a verdade como propriedade de certos enunciados. Por tal razão, é que se pode dizer que ele foi um dos precursores da teoria da verdade por correspondência, sobre a qual falaremos adiante.

Tal posição dá ensej o à idéia de verdade literal ou nominal, segundo a qual a verdade está na forma, como os símbolos estão agrupados ou separados. Sob esse raciocínio, a verdade dependeria exclusivamente dos signos em si próprios.

A verdade não se confunde com a crença. Guibourg, Ghigliani e Guarinoni em sua obra Introducción al Conocimiento Científico, sob um enfoque lógico, estabelece quatro estágios para a crença, os quais vão de mera conjectura - uma vez que inverificável ou ainda não verificada, passando pela suspeita - fundada em indícios não veementes, pela probabilidade, quando se tem elementos capazes de levar à certificação de algo, até chegar a certeza, a qual se alcança em um estado psicológico de firme adesão, em que não há espaço para dúvida. Mas, ainda assim, a certeza não se confunde com a veracidade de um fato, pois, para tais doutrinadores, a veracidade de uma crença só pode ser "atestada" se suficientemente justificada por meio de provas.2

II - Teorias sobre a verdade

Para a Escola Escolástica, verdade é a adequação, a concordância ou a conveniência do intelecto com a coisa. Ela distingue a verdade lógica, da verdade ontológica, considerando a primeira como a verdade do conhecimento e a segunda como a verdade da coisa ou a verdade transcendental.

- Defende-se a verdade por correspondência entre a proposição construída e a realidade para a qual aquela se volta. Mais, busca-se identidade entre o objeto e o que se diz sobre ele.

Esquecem os defensores da verdade por correspondência, que o "real" é infinito e irrepetível por meio da linguagem. Não há construção lingüística, por mais detalhista que seja o orador, capaz de reconstruir o objeto falado. Portanto, só temos acesso ao que nos é inteligível e a nossa inteligência limita-se a nossa capacidade lingüística, como já dizia Wittgenstein. Assim, impossível é a correspondência entre a linguagem e ao que esteja fora dela.

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Dando um passo adiante (aos que os enxergam como estágio mais evoluído), os fenomenalistas, por acreditarem que o homem só tem acesso às manifestações das coisas, nunca às coisas-em-si, defendem que a única verdade possível é aquela que reflete o real, sem se confundir com este mesmo.

Tal teoria esquece, também, que mesmo a manifestação só é acessível pela linguagem. Logo, não há verdade na manifestação em si.

Para Tomás de Aquino, o verdadeiro está principalmente na inteligência e secundariamente nas coisas. Assim como a doutrina aristotélica, segundo a qual a verdade está no pensamento ou na linguagem, não no ser ou na coisa.

Além de igualmente diferenciar a verdade lógica da ideológica Aquino entende que a verdade lógica não vive sem a verdade ontológica, já que deve haver conformidade das coisas com a inteligência, por conseguinte, as coisas devem ser inteligíveis para que possam ser declaradas como verdadeiras.

Para o idealismo moderno de Kant, Leibniz e Hegel, a verdade é a verdade lógica, a qual se funda em leis formais. Sendo assim, a verdade poderia ser descoberta independentemente do ser transcendente que imponha à consciência a sua adequação cómele.

Nesse diapasão, é que surge a idéia da verdade por coerência, a qual estabelece por premissa que a realidade compõe um todo coerente, formado por proposições que, para serem verdadeiras, não podem se contradizerem entre si.

Em um certo sentido, a verdade por coerência é defensável, sob o ponto de vista da relação entre as proposições e o sistema que essas tomam por referência. Porém, a nosso ver, essa teoria cuida apenas de um âmbito da questão, o...

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