Variações de classe social na relação professor-aluno

AutorHoward Becker
Páginas250-265
DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2019v18n42p250
250250 – 265
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Classes sociais nas relações
entre professores e alunos1,2
Howard S. Becker
Os maiores problemas dos trabalhadores do setor de serviços são fre-
quentemente observados em função de sua relação com seus clientes ou
consumidores, ou seja, aqueles para os quais seus serviço são contratados
e prestados (BECKER, 1951). Trabalhadores dessas esferas ocupacionais
possuem tipicamente alguma imagem do que viria a ser o cliente “ideal”
aos seus serviços: e é justamente nos termos desta cção que eles formam
suas concepções sobre como seu trabalho deve ser conduzido e quais se-
riam as técnicas apropriadas para sua realização. Desde que os clientes se
aproximem dessa categoria de cliente “ideal”, o trabalhador do setor de
serviços não terá “problemas com o cliente”.
Em uma sociedade urbana altamente diferenciada, entretanto, a cliente-
la variará muito, e, frequentemente, apenas uma fração do total dos poten-
ciais clientes se enquadrarão na categoria do cliente “ideal”. Tais trabalhado-
res costumam, desse modo, classicar os clientes de acordo com a distância
desses ante a categoria “ideal” dos clientes que eles gostariam de atender.
Essa variação da clientela com relação à categoria “ideal” de clientes
– denida por um determinado grupo ocupacional – enfatiza a íntima
1 Conforme o autor esclarece em nota prévia ao texto, este artigo resultou de uma pesquisa financiada pela
Comissão de Educação, Treinamento e Pesquisa em Relações Raciais da Universidade de Chicago, tendo sido
publicado no ano de 1952 no periódico norte-americano The Journal of Educational Sociology. Como o
leitor poderá notar, o texto sintetiza os principais resultados da tese de doutorado defendida por Howard S.
Becker, aos 23 anos de idade, em 1951, na Universidade de Chicago, intitulada “Role and Career Problems of
The Chicago Public School Teacher” (BECKER, 1951b).
2 Tradução: Humberto Garcia, licenciado em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Revisão: Prof. Dr. Eduardo V. Bonaldi, Departamento de Sociologia e Ciência Política, UFSC.
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 18 - Nº 42 - Mai./Ago. de 2019
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relação das instituições no setor de serviços com a sociedade na qual essas
instituições estão inseridas. Se tal sociedade não prepara as pessoas para
exercerem seus papéis enquanto “clientes” da maneira desejada pelos mem-
bros de uma determinada ocupação no setor de serviços, surgirão conitos
e problemas para os trabalhadores desse setor na condução de seu trabalho.
Nesse sentido, um dos principais fatores que afetam a produção social de
clientes “ideais” é a diversidade cultural das classes sociais que compõem
a estrutura da sociedade. As culturas especícas dessas diferentes classes
sociais podem operar de maneira a produzir clientes com comportamentos
que se afastam da categoria “ideal” desejada por um determinado grupo
ocupacional, tornando, assim, seu trabalho extremamente difícil.
Lidamos aqui com esse problema conforme ele se apresenta na expe-
riência dos funcionários de uma grande instituição do setor de serviços,
isto é, o sistema público educacional de Chicago, discutindo as manei-
ras segundo as quais os professores desta cidade observam, classicam e
reagem às diferenças comportamentais das crianças com as quais traba-
lham a partir das diferentes origens sociais de tais crianças. O material aqui
apresentado é relevante não apenas para a reexão acerca dos problemas
próprios à organização ocupacional da carreira dos professores do sistema
público de ensino de Chicago, mas também para a análise das diferentes
oportunidades educacionais disponíveis para crianças oriundas das diversas
classes sociais próprias ao espaço urbano da cidade. Warner, Havighurst
e Loeb (1944), bem como Hollingshead (1949), demonstraram diferen-
tes maneiras através das quais as escolas costumam favorecer e selecionar
crianças das classes médias. Allison Davis (1950) apontou para determina-
dos fatores próprios às culturas especícas das classes sociais que tornam
crianças das classes pobres menos adaptáveis do que crianças de classes
médias aos padrões de trabalho e de comportamento exigidos na escola.
O presente artigo inscreve-se como uma contribuição ao conhecimento
produzido pela literatura supracitada ao analisar as maneiras a partir das
quais professores de escola pública reagem às diferenças culturais existentes
entre crianças de classes sociais especícas e, ao fazê-lo, como esses profes-
sores perpetuam a discriminação de nosso sistema educacional contra as
crianças oriundas das classes baixas.

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