Valorised but not valued? Affective remuneration, social reproduction and feminist politics beyond the crisis/Valorisado mas sem valor? Remuneracao afetiva, reproducao social e politica feminista para alem da crise.

AutorDowling, Emma
CargoReport

Introducao

A unica coisa boa sobre viver a austeridade da Gra-Bretanha e que, ao encurralar-nos, o governo e o dinheiro que o controla esta involuntariamente treinando uma geracao de lutadores. Alguns de nos irao brigar e gritar. Outros estarao fora do ringue, curando os feridos. E o resto? Nos estaremos criando novas formas de minar a violencia que recai sobre nos desde cima. Nos estaremos cavando os tuneis e abrindo o caminho para uma sociedade "ultracivil" e melhor, na qual nao havera uma divisao entre merecedores e nao merecedores ... apenas pessoas, um planeta e o cuidado mutuo de ambos.

Leah Borromeo (2015)

A politica feminista, no que toca a reproducao social, torna visivel o trabalho reprodutivo oculto, nao reconhecido e nao pago, predominantemente realizado por mulheres nos lares, nas comunidades e, em virtude do genero, nos locais de trabalho (1). Tem sido chave para esta luta a desnaturalizacao das mulheres em relacao a realizacao das funcoes de assistentes, cuidadoras e donas de casa, e tambem a ideia de que devem realizar o trabalho reprodutivo nao pago em virtude de afeto ou de responsabilidade por aqueles com quem se importam, ou por que esse costuma ser considerado o seu papel social. A luta feminista tambem procurou que o trabalho reprodutivo conquistasse reconhecimento social e cultural enquanto trabalho, demandando remuneracao direta e independente, bem como que seu valor fosse explicitamente contabilizado pelas economias nacionais. Acima de tudo, as lutas feministas buscaram desafiar os papeis atribuidos as mulheres e, com isso, excluir o genero (de-gender) (2) como fator da divisao social do trabalho, nao apenas com o proposito de atingir a igualdade entre os sexos, mas para promover um tipo de sociedade totalmente diferente, destacando o valor da reproducao social para as lutas interseccionais contra a exploracao, a opressao e a destruicao do meio-ambiente.

A premissa deste artigo e que a reproducao social ainda nao e atribuido valor (valued) de tais modos, ainda que a reproducao social seja valorizada (valorized) (NT). Boa parte do trabalho de reproducao social ainda nao e reconhecido e tem sua distribuicao marcada por divisoes de genero e raca. Alem disso, quando valorizado, os proprios processos de valorizacao envolvem uma perda de valor (value) sistematica do trabalho de reproducao social precisamente para que dele seja extraido mais-valor. Situado no contexto contemporaneo da Gra-Bretanha, este artigo identifica novas formas de "remuneracao afetiva" relacionadas a exploracao de trabalho voluntario nao pago. "Remuneracao afetiva" denota os modos como o afeto se torna uma forma de remuneracao: os ganhos afetivos de se engajar em um trabalho voluntario--uma percepcao aumentada de bem-estar, ao enfrentar, por exemplo, a solidao e o isolamento social, ou uma melhoria das capacidades, ao aprender novas habilidades--sao codificados como formas de pagamento e, de certo modo, calculados como equivalentes a renda. O artigo critica essa "remuneracao afetiva" enquanto valorizacao do trabalho reprodutivo nao pago e discute seu papel constitutivo no processo de financeirizacao da reproducao social. Na conclusao, se pergunta o que significaria para a reproducao social ter valor verdadeiramente atribuido a si--socialmente, culturalmente, politicamente e economicamente--em contraposicao a como o trabalho de reproducao social, na sua forma marcada por divisoes de genero, raca e classe, continua a ser posicionado a servico da acumulacao de capital, atraves de novas rodadas de austeridade, mercantilizacao e financeirizacao.

Organizacao contra a Crise da Reproducao Social

A reproducao social, o trabalho de produzir a forca de trabalho e a vida, pode ser entendida em termos de esferas--os locais em que ocorre, por exemplo, a casa, a escola, a comunidade--como tambem em termos de atividades e de relacionamentos. Trata-se de atividades que, quer sejam reconhecidas ou remuneradas como tais ou nao, constituem um trabalho que possui valor, em termos economicos, por conta de seu papel--para nao dizer necessidade--de produzir a forca de trabalho requerida para que o trabalho assalariado seja realizado com as devidas capacidades disposicoes e subjetividades, em relacao a aspectos fisicos, emocionais e mentais (Dalla Costa, 1972; Dalla Costa and James, 1972; Cox and Federici, 1975; Federici, 1975, 2012; Mies, 1986; Picchio, 1992; Fortunati, 1981/1995; Bakker, 2007; Steans and Tepe, 2010; Rai et al., 2013).

A politica estatal de "consolidacao fiscal" (Streeck, 2014) decorrente da crise resultou em um renovado ataque a reproducao social. Isso afetou a capacidade de muitas pessoas de reproduzir seus meios de subsistencia e de satisfazer suas necessidades, aprofundando uma crise da reproducao social ja existente (Caffentzis, 1999). A austeridade afetou as mulheres negativamente de modo desproporcional (Oxfam, 2013, p. 3; Women's Budget Group, 2014). E especificamente relevante aqui o fato de que a austeridade tem feito aumentar a quantidade de trabalho reprodutivo nao pago--realizado majoritariamente por mulheres da classe trabalhadora e por mulheres nao-brancas--para compensar o acesso reduzido aos servicos de bem-estar e as quedas nos rendimentos (Federici, 2012; Bassel and Emejulu, 2015). Em resposta aos efeitos do regime de cortes, movimentos anti-austeridade tem se organizado no terreno da reproducao social. Ao fazer isso, eles desafiam as novas rodadas de "acumulacao por despossessao" (Harvey, 2004), enquanto prefiguram de modo importante novas formas de vida social que podem diminuir a dependencia em relacao as vicissitudes dos mercados financeiros globais e oferecer alternativas reais a crise economica. Isso envolve, por um lado, a combinacao de estrategias de resistencia e, por outro, a construcao de novas infraestruturas sociais. Exemplos incluem as lutas contra a gentrificacao em Londres pelo Focus E15; (3) a Plataforma para Pessoas Afetadas por Hipotecas na Espanha (PAH), que procurou juntar a luta contra o despejo e a divida hipotecaria com o desenvolvimento de novas formas coletivas de cuidado e solidariedade (Colau e Alemany, 2014); clinicas radicais de saude e solidariedade na Grecia; (4) movimentos pela remunicipalizacao por toda a Europa, que estao tentando desenvolver novos modelos democraticos e nao mercantis de propriedade dos servicos publicos (Pigeon et al., 2012); ou chamados por uma "revolucao na esfera do cuidado (care revolution)" (NT) (Winker, 2015) na Alemanha.

A organizacao no terreno da reproducao social torna isso possivel, pois a reproducao social possui duas dimensoes. Por um lado, a reproducao social pertence a reproducao da forca de trabalho para a exploracao capitalista. Por outro, a vida nao se reduz somente ao controle capitalista, nem jamais podem as subjetividades e relacoes serem totalmente capturadas e moldadas pelo capital. Assim, a reproducao social tambem engloba todas as atividades e relacoes que reproduzem a vida em si mesma. Na luta pela reproducao social, e a contradicao entre essas duas dimensoes--a reproducao da forca de trabalho para o capital contra a reproducao da propria vida--que ajuda a lancar luz sobre as possibilidades de construir alternativas. Enquanto relacao social (e politica), o capital e baseado em relacoes de poder desiguais sustentadas pela restricao do acesso aos meios de reproducao social. Obter controle sobre os meios da reproducao social aumenta o poder que as pessoas tem de reproduzir sua subsistencia sem depender da venda de sua forca de trabalho para faze-lo. (5) Isso pode ser entendido, em termos reais, como aquelas esferas e atividades que operam autonomamente em relacao a forma mercadoria e, em termos potenciais, como as lutas orientadas para a reproducao social e ecologica para alem das demandas, controle e exploracao do capital.

O trabalho reprodutivo constitui um custo para o capital, mas e tambem uma fonte central de seu excedente--o trabalho que e realizado na sociedade para produzir riqueza, que nao e pago e e privatizado. Assim, quanto mais o capital pode mercantilizar e comercializar a reproducao social (e, com isso, cobrar por ela), ou quanto mais a reproducao social e tornada invisivel por sua desqualificacao enquanto trabalho, mais o seu custo pode ser externalizado. Consequentemente, uma das questoes centrais que ainda esta no centro do ativismo feminista e das posicoes academicas e precisamente quem esta suportando o custo pela reproducao da forca de trabalho. De fato, o esgotamento (Rai et al., 2013) (6) e uma experiencia bastante real que tem sido vivenciada, a qual suporta as consequencias do estresse e da exaustao fisica ou de problemas de saude mental, que podem se manifestar, por exemplo, em sintomas de burnout ou de depressao. Esse esgotamento e fundamental para o que e entendido como uma crise da reproducao social, ou seja, a inabilidade das pessoas adequadamente reproduzirem suas subsistencias.

Tal crise da reproducao social tambem pode se constituir uma crise para o capital se a forca de trabalho e reproduzida insuficientemente (cf. Weeks, 2011: 27). Consequentemente, podemos perguntar se ha um ponto no qual uma dada configuracao social e forcada a mudar em resposta a impossibilidade de extrair mais-valor adicional de uma organizacao social do trabalho especifica. Em uma economia globalizada, isso pode ser dificil de determinar, em vista da habilidade do capital de mover-se ao redor do globo em busca de lucratividade; no entanto, mais do que possa parecer, o capitalismo pode ter realmente atingido um limite insuperavel, tornando-se incapaz de resolver sua crise (cf. Moore, 2014; Mason, 2015). (7) Mesmo em face da crise, a questao etico-politica permanece diante de como a capacidade do capital de buscar por lucratividade excede a capacidade das populacoes de tolerar seu descaso voraz por elas e pelo planeta.

A medida em que o capital ira suportar o custo da reproducao social depende do nivel de...

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