O valor jurídico das convenções internacionais da OIT

AutorChristina de Almeida Pedreira
Páginas27-39

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1. Introdução

A proposta desta obra coletiva é o exame da Convenção n. 151 da OIT, que regulou as relações [sindicais] de trabalho na Administração Pública. Neste capítulo, coube a análise acerca da sua validade jurídica.

O objetivo é trazer argumentos suficientes para a imediata e direta aplicação da Convenção, enquanto regra jurídica posta no Direito pátrio. Sustentamos que - à exceção de um ou outro aspecto que serão tratados abaixo - nada mais há que se regulamentar para a concretização das relações sindicais no âmbito do trabalho na Administração Pública.

Na regra internacional - mas, agora, tecnicamente, nacional - estão assegurados os direitos de livre associação, sindicalização e exercício da liberdade sindical no local de trabalho; de negociação coletiva das condições de trabalho; de solução de conflitos por meio da mediação, conciliação ou arbitragem, de modo a garantir independência e imparcialidade no resultado.

Como justificou a OIT, nas considerações iniciais de publicação da Convenção, a necessidade dessa norma específica para as relações coletivas de trabalho na Administração Pública resultou de consenso, após anos de análise sobre as múltiplas realidades vivenciadas pelos Estados-Membro.

O Estado brasileiro decidiu por sua ratificação e promulgação, sem qualquer reserva - apenas delimitando os sujeitos-parte de tal relação jurídica. Agora, a todos, resta a aplicação.

Apenas por uma opção didática, não se trará a discussão técnica sobre a estrutura hierárquico-normativa entre tratados internacionais e a Constituição, como feita pelas teorias monista e dualista1. Partiremos da posição jurisprudencial estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento paradigma do Recurso Extraordinário n. 466.343-1 São Paulo, pelo voto do Ministro Gilmar Ferreira Mendes, a partir do qual admitiram no Direito brasileiro nova categorização hierárquica denominada "supralegalidade".

Isto porque, a Convenção n. 151 da OIT, seguramente, com conteúdo de direitos humanos, foi ratificada e promulgada, pelo modo tradicional [e não qualificado], sem que a sociedade tenha percebido seus resultados práticos.

Diante desta realidade, como se não fosse suficiente a Convenção, em si mesma, para sua concretização, há outros argumentos jurídicos que se somarão ao da aplicação direta e imediata. Afinal, ao pesquisador enquanto analista jurídico, é o que cabe. Em resumo, autorização jurídica é o que não falta para a concretização das relações sindicais na Administração Pública.

2. A tese da supralegalidade: contextualização do julgado paradigma

Até o exame do tratado interamericano de direitos humanos pelo STF no RE n. 466.343-1 (BRASIL, 2009a), o tema "eficácia das normas internacionais sobre o direito pátrio" estava bem esquecido, pela con-

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fusão jurídica que se formou sobre sua interpretação; por um lado, após o vai-e-vem de ratificação, denúncia, ação de inconstitucionalidade sobre o decreto presidencial de denúncia; e, por outro, pelo simples apego ao direito interno inerente à formação jurídica brasileira.

O fato é que a partir de então, permitiu-se a reexame do tema, com avanço significativo no reconhecimento da eficácia jurídica de um tratado internacional, em particular, sobre direitos humanos.

2.1. Diversas convenções de direitos humanos: um sistema jurídico próprio

Num contexto pós-guerra, diante dos fatos ocorridos e repudiados pela comunidade internacional, em 1948, a ONU, pela sua Assembleia Geral, adotou a Declaração Universal de Direitos Humanos, cujo objetivo maior foi o reconhecimento da dignidade inerente ao ser humano, assegurando-lhe ao menos a liberdade, a justiça e a paz. Ainda que não tivesse o valor jurídico de observância obrigatória pelos Estados-Membro, serviu de referência para inúmeros acordos internacionais multilaterais.

Então, em 1966, outras duas Assembleias Gerais da ONU adotaram os Pactos Internacionais dos Direitos Civis e Políticos e dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que também influenciaram a formação de inúmeros instrumentos regionais temáticos.

No continente Americano, resultou na Convenção sobre direitos humanos, em 1969, o intitulado Pacto de San José da Costa Rica, e, a partir dela, em 1988, no Protocolo Adicional sobre matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, denominado Protocolo de San Salvador.

A mudança de paradigma jurídico e implantação da tese jurídica da supralegalidade no direito brasileiro deu-se a partir do julgamento acerca da prisão civil por dívida, quando não por dívida alimentar, em face da vedação desta mesma penalidade no Pacto de San José da Costa Rica.

A partir daí, tem-se a equivalência jurídica no Protocolo de San Salvador, não só porque disciplina sobre o direito à sindicalização e à greve como direito humano, mas principalmente porque é um protocolo adicional àquele que já foi analisado e julgado pela Corte Constitucional Brasileira. O que abrevia bastante nossa discussão; afinal, se o Direito deve ser elemento de evolução da sociedade, e por ele não se pode admitir o retrocesso jurídico-social, é a partir do resultado obtido com o julgamento do RE 466.343-1 que ampliaremos nossa análise.

2.2. Julgamento do RE n 466.343-1 Relator Min. Cezar Peluso e voto paradigma do Min. Gilmar Ferreira Mendes. Pacto de San José da Costa Rica

A atual jurisprudência do STF, apegada à teoria da hierarquia das normas, estabeleceu que os diplomas internacionais que não foram aprovados pelo quórum qualificado pelo § 3º do art. 5º da Constituição Federal2 desfrutam de status supralegal; enquanto aqueles formalizados de modo qualificado possuirão status de norma constitucional.

Ao contrário do que o termo "supralegalidade" pode fazer parecer, efetivamente, não foi só a supremacia do tratado internacional frente à lei ordinária que regulamentava a prisão civil pelo depósito infiel, mas, sim, o efetivo afastamento da parte final do texto constitucional, pois, expressamente, o inciso LXVII do art. 5º da CF excepciona e autoriza a prisão civil nos casos de obrigação alimentícia e depósito infiel3.

A partir do julgamento do RE n. 466.343-1 (BRASIL, 2009a), o STF interpretou pela impossibilidade da prisão civil do depositário infiel, em face da redação do art. 7, item 7 do Pacto, cuja redação garante que "Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar". Deixou-se de aplicar, portanto, a parte final do dispositivo constitucional brasileiro. Nada mais fez a Corte Suprema brasileira senão dar a máxima inter-pretação ao § 2º do mesmo art. 5º4.

Não se trata de supralegalidade, pois o texto internacional não só se estabelece acima das leis, mas, sim, do próprio texto constitucional; afinal, admitiu-se direito diverso previsto em tratado internacional [ainda que formalmente ratificado] daquele assegurado pelo

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texto constitucional pátrio. O texto constitucional brasileiro foi sobrescrito. Em verdade, houve equiparação do texto internacional ao constitucional.

Afinal, como afirmado pelo Ministro Celso de Mello, no voto de julgamento do HC n. 87.585-8-TO (BRASIL, 2009), [também examinando a validade jurídica do Pacto de San José da Costa Rica]:

[...] considerado esse quadro normativo em que preponderam declarações constitucionais e internacionais de direitos, que o Supremo Tribunal Federal se defronta com um grande desafio, consistente em extrair, dessas mesmas declarações internacionais e das proclamações constitucionais de direitos, a sua máxima eficácia, em ordem a tornar possível o acesso dos indivíduos e grupos sociais a sistemas institucionalizados de proteção aos direitos fundamentais da pessoa humana, sob pena de a liberdade, a tolerância e o respeito à alteridade humana tornarem-se palavras vãs.

Assim, para garantir a eficácia plena, estes atos internacionais de direitos humanos, principalmente aqueles já ratificados e promulgados, devem ser considerados materialmente constitucionais, e não supralegais.

Em outras palavras, é dizer que, para aqueles pactos internacionais internalizados conforme estabelece o § 3º do art. 5º da Constituição Federal (inserido pela EC n. 45/2004), já se apresentam com status constitucional; mas, para aqueles aprovados sob às regras previstas nos arts. 84, VIII e 49, I - antes ou depois da Emenda - desde que versem sobre direitos humanos, devem ser recebidos como regras materialmente constitucionais.

O quórum qualificado não foi observado na ratificação e promulgação da Convenção n. 151 que, como bem ponderou Sandor Ramiro Darn Zapata (2014, p. 275), e mesmo tendo sido formalizada após a vigência da EC n. 45/2004, pois segundo o autor:

  1. não houve mensagem de encaminhamento do texto do tratado ao Congresso pelo Presidente da República, para adoção do procedimento qualificado desses instrumentos internacionais;

  2. não foi mencionado que esses diplomas...

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