Valor da causa e recursos no CPC/2015

AutorGelson Amaro de Souza
CargoDoutor em direito pela PUC-SP
Páginas94-113
94 REVISTA BONIJURIS I ANO 32 I EDIÇÃO 662 I FEV/MAR 2020
DOUTRINA JURÍDICA
Gelson Amaro de SouzaDOUTOR EM DRETO PELA PUC-SP
VALOR DA CAUSA E RECURSOS
NO CPC/2015
I
O CÓDIGO EXIGE QUE DA PETIÇÃO INICIAL JÁ CONSTE O
BENEFÍCIO QUE PRETENDE AUFERIR O AUTOR. TODAVIA, ESSA
FIXAÇÃO AINDA APARECE COM CARÁTER TRANSITÓRIO
face de seu alto custo, e com isso dif‌icultando o
acesso aos tribunais.
Em contraposição, a mais moderna jurispru-
dência vem entendendo que deve prevalecer a
justiça e, assim, sobrepor a ordem jurídica justa
à efetividade sumária, permitindo-se que o pre-
paro do recurso não mais seja pelo valor origi-
nário da causa, mas pelo valor da condenação se
este for menor, para facilitar o acesso à instân-
cia superior. Isso implica de forma indireta em
modif‌icação posterior do valor da causa, o que
em princípio representa a inf‌luência do recur-
so sobre o valor da causa, mais do que o valor
da causa sobre o recurso. É o poder que tem o
recurso de alterar o valor da causa na ocasião
de sua interposição para que o preparo corres-
ponda ao valor da condenação ou o valor do
benecio pleiteado pelo recorrente, passando a
ser este o valor da causa e não mais o valor atri-
buído originariamente.
O valor original prevalece até o julgamen-
to. Depois, o que se leva em conta é o benecio
pleiteado pelo recurso. Neste momento não se
prepara mais a causa; o que se prepara é apenas
o recurso. É uma questão nova que merece re-
f‌lexão e atenção dos doutos.
Aquestão relacionada ao valor da causa e
a sua relação com os recursos continua
a desaf‌iar os prof‌issionais e aplicado-
res do direito. Não é de agora que há a
preocupação com o instituto do valor
da causa1, na maioria das vezes esquecido pela
doutrina, mas sempre presente e lembrado nos
tribunais, no dia a dia forense. Entre tantos as-
pectos interessantes, um dos que mais chama a
atenção na atual conjuntura é o que diz respei-
to aos recursos. A implicação do valor da causa
nos recursos sempre foi sentida, tendo em vista
que o legislador, vez por outra, procura impedir
o acesso à via recursal, tomando por base o va-
lor da causa2.
Numa primeira observação percebe-se que
o legislador se ateve mais com a efetividade do
processo do que com a segurança jurídica ou o
acesso à ordem jurídica justa. Preferiu suprimir
o recurso e impedir o acesso das partes aos ór-
gãos de segundo grau ou superior só o permitin-
do às causas de maior valoração. Numa segunda
observação, vê-se que o preparo do recurso ha-
veria de ser realizado tomando por base o valor
da causa que, em muitos casos, tornava inviável
e impedia de forma indireta a sua realização, em
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Gelson Amaro de SouzaDOUTRINA JURÍDICA
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REVISTA BONIJURIS I ANO 32 I EDIÇÃO 662 I FEV/MAR 2020
1. MOMENTO DA ATRIBUIÇÃO DO VALOR
DA CAUSA
Levando-se em conta a norma dos artigos 291
e seguintes do , vê-se que o valor da causa
deve ser atribuído no início da ação, ou seja,
quando se inicia o processo. O artigo 319, , do
 exige que da petição inicial já conste o valor
da causa e o artigo 290 do mesmo código impõe
o cancelamento da distribuição caso não ocorra
o preparo em 15 dias a contar da distribuição.
Como se sabe, esse preparo, em grande parte
das causas, é feito tomando-se como base de
cálculo o valor da causa3. No entanto, essa f‌ixa-
ção ainda aparece com caráter transitório, visto
que pode ser alterada para mais ou para menos,
tanto pela iniciativa do juiz em alguns casos
quanto, em outros, por meio de impugnação ao
valor da causa pela parte contrária, incidente
este disciplinado pelo artigo 293 do .
Mas a questão não é tão singela assim. Ima-
gine-se o caso de o juiz indeferir parcialmente a
petição inicial para excluir um ou mais pedidos
do autor, o que alterará substancialmente o pro-
veito econômico expectado por este. Deve ou
não ser mantida a f‌ixação originária? Deve ou
não ser modif‌icado o valor da causa para se ade-
quar ao pedido ou pedidos restantes da ação?
Em se podendo modif‌icar o valor da causa para
a adequação ao proveito econômico pretendido,
quem poderá tomar essa iniciativa? Em casos
como esse, a ideia é de que o valor da causa deve
ser reduzido para a perfeita adequação ao pro-
veito econômico pretendido pelo autor. Talvez
seja por isso que o artigo 290 do  conceda 15
dias para o preparo da causa4.
No que tange à legitimidade para tomar a ini-
ciativa de redução do valor, pensa-se que pode
ser do juiz ex of‌f‌icio bem como pode partir de
qualquer das partes, inclusive do próprio autor.
Se o autor pediu uma tutela mais ampla e o juiz
indefere a inicial parcialmente, diminuindo as-
sim o proveito econômico almejado, nada mais
justo que se permita ao próprio autor tomar a
iniciativa para diminuir o valor da causa e assim
pagar menos preparo (arts. 290 e 292 do ), em
respeito, até mesmo, aos princípios constitucio-
nais da igualdade, da proporcionalidade e do
acesso à justiça em busca da proteção da ordem
jurídica justa.
1.1. Antes do julgamento
O mais natural é pensar que o valor da causa
é f‌ixado desde o momento da propositura da
ação, por força do artigo 319, , do  que exi-
ge sua indicação logo na petição inicial, bem
como do artigo 290, que impõe o preparo inicial
dentro de 15 dias sob pena de cancelamento da
distribuição, e, de regra, se leva em conta esse
valor. No entanto, esse valor pode ser impugna-
do e essa impugnação quando acolhida vai pos-
teriormente alterar esse valor e substituí-lo por
outro. O próprio juiz pode, por iniciativa pró-
pria, modif‌icar o valor do pedido para menos ou
para mais, quando necessário (art. 293 do ).
No entanto, nessas hipóteses, o valor da cau-
sa será atribuído sempre de forma provisória e
vai nortear o processo até o julgamento por sen-
tença, na forma do artigo 203, § 1º, do . To-
davia, depois da sentença, esse valor poderá ser
outro, limitado ao que f‌icar decidido na senten-
ça. Sabe-se que não é esta a f‌inalidade do insti-
tuto. Mas é o que ocorre, pelo menos quando se
tratar de processo condenatório. Não é lógico, e
nem jurídico, que uma pessoa que propõe ação
pedindo 10 e depois 9 por ocasião do julgamen-
to, mas recorre para obter o 1 faltante, tenha de
pagar preparo do recurso sobre os 10 do pedido
inicial, quando a partir do julgamento a conti-
nuidade do processo somente tem interesse
para o autor e o seu pedido recursal é sobre 1.
Dessa forma, para efeito de recurso deve-se con-
siderar o valor correspondente ao pedido que
ainda se encontra sub judice, ou seja, o valor do
1 pedido.
O instituto do valor da causa existe para
normatizar o processo do início ao f‌im. Mas as
Imagine-se o caso de o juiz indeferir parcialmente a petição
inicial para excluir um ou mais pedidos do autor, o que alterará
substancialmente o proveito econômico expectado por este
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