Vínculo Empregatício - Ônus Da Prova - Litisconsórcio: Inss - Subordinação Estrutural

AutorJuiz Guilherme Guimarães Feliciano
Ocupação do Autor15ª Região - SP
Páginas54-64

Page 54

  1. VARA FEDERAL DO TRABALHO DE TAUBATÉ TERMO DE AUDIÊNCIA

Processo n. 586/2007-2

Aos 14 (quatorze) dias (terça-feira) do mês de agosto do ano de dois mil e sete, às 17h59min, na sala de audiências desta Vara, por ordem do Meritíssimo Juiz do Trabalho, Doutor GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO, foram apregoadas as partes érica Alonso Coe, reclamante, Instron - Instituto de Tratamento Odontológico Ltda-Me, 1ª reclamada, e Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, 2ª reclamada.

Ausentes as partes.

Submetido o processo a julgamento, proferiu a Vara seguinte

SENTENÇA

  1. RELATÓRIO

    Érica Alonso Coe, qualificada à fl. 02, ajuizou ação reclamatória trabalhista em face de Instron - Instituto de Tratamento Odontológico Ltda-Me, alegando, em síntese, que fora admitida pela reclamada em 7.8.2003, na função de dentista, para se ativar das 08h00 às 20h00,

    Page 55

    todas as quartas-feiras, com duas horas de intervalo, percebendo por salário 50% dos valores pagos à ré por seus pacientes; a partir de janeiro de 2004 passou a mourejar às segundas e sextas-feiras, no mesmo horário, e a partir de maio de 2005, ativou-se das 14h00 às 19h00 nas segundas, quartas e sextas, das 08h00 às 12h00 nas terças e das 08h00 às 17h30 nas quintas-feiras. A partir de meados de 2005, negou-se-lhe acesso ao faturamento, prejudicando a verificação do cálculo do salário. O contrato foi considerado rescindido em 1.10.2006 (rescisão indireta), época em que a reclamada já direcionava clientes da autora para outros dentistas, causando-lhe sensível redução salarial, conquanto fosse obrigada a permanecer no local durante os horários livres, aguardando a chegada de pacientes sem horário marcado. Submetida a cesariana para efeito de parto em 13.5.2005, somente pôde se ausentar do trabalho por 30 dias, sem gozo de licença-maternidade, o que lhe acartretou constrangimento e dor moral, para cuja indenização sugeriu o valor de R$ 15.000,00. Deduziu, assim, os pedidos de fl. 08, dando à causa o valor de R$ 42.922,68. Juntou procuração e documentos.

    O Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, terceiro interessado ex vi legis (fl. 83), foi integrado à lide como litisconsorte (fl. 93), por expressa manifestação de vontade do reclamante (fls. 85-86).

    Em audiência una (fls. 99-106), não houve conciliação. A reclamada Instron acostou contestação às fls. 110-126, negando o vínculo empregatício e sustentando que a autora assumia os riscos do negócio em parceria com a própria ré, ativando-se em condições de plena auto-nomia, sem qualquer pessoalidade ou qualquer tipo de subordinação ou interferência, detendo pleno controle de sua agenda; quanto ao período pós-parto, a própria reclamante teria optado por readequar a sua agenda com interrupção do trabalho por apenas trinta dias, sem qualquer situação vexatória que pudesse determinar os alegados danos morais. Também o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS juntou contestação (fls. 202-214), arguindo a incompetência absoluta, a inocorrência dos requisitos de litisconsórcio e de assistência e a falta de interesse de agir, para, no mérito, apontar a desnecessidade da participação da Autarquia Federal na presente lide.

    Ainda em audiência, promoveu-se a juntada dos documentos de fls. 107-109, pela reclamante, e de fl. 215, pela 2ª reclamada (dando conta de recolhimentos em nome da autora, como segurada contribuinte individual, no período de 09/2003 a 11/2006, com interrupções, especialmente entre 09/2003 e 05/2005).

    Réplica à fl. 99 (oral).

    Rejeitaram-se as preliminares arguidas pela Instron, bem como a preliminar de incompetência material arguida pelo INSS (fl. 100), remetendo a análise das demais para a sentença.

    Colheram-se os depoimentos pessoais de reclamante e da 1ª reclamada, além das oitivas de duas testemunhas pela reclamante e de outras duas pela 1ª ré. O sócio desta última foi reinquirido às fls. 104 e 105, como foram ainda reinquiridas a 2ª testemunha da reclamante e a 2ª testemunha da 1ª reclamada. Procedeu-se à acareação da 1ª testemunha da reclamante com a 1ª testemunha da 1ª reclamada (fls. 105-106). Determinou-se à ré a juntada das atas de reunião cuja existência foi confessada pelo sócio à fl. 104, seguindo-se a juntada às fls. 217-221, dentro do prazo legal. Encerrou-se, com isso, a instrução processual.

    Razões finais, em memoriais, pela reclamante, às fls. 223-227, requerendo a conversão do julgamento em diligência (indeferida à fl. 223), e pela 1ª reclamada, às fls. 229-234.

    Partes inconciliáveis. Última proposta conciliatória rejeitada à fl. 106.

    É o relatório. DECIDO.

  2. FUNDAMENTAÇÃO

    As preliminares prejudiciais ao seguimento da instrução foram apreciadas em audiência (fl. 100). Reporto-me ao quanto ali decidido, para manter as rejeições.

    Quanto ao mais, o INSS alega, em sua contestação (fls. 206-207), a inocorrência dos requisitos do litisconsórcio e da assistência. Engana-se. Consoante o art. 47 do CPC,

    "Há litisconsórcio necessário, quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes; caso em que a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo" (g.n.).

    Esse é precisamente o caso dos autos, pressupondo-se a competência material desta Justiça para estabelecer, em caráter mandamental, a averbação do tempo de serviço/ contribuição (fl. 100), o que há de ser consectário lógico da competência imanente à norma do art. 114, VIII, da CRFB, no que diz com as contribuições do art. 195, I, a, e II, da mesma Charta. Disso dá-nos conta, p.ex., a teoria dos poderes implícitos, há muito desenvolvida por PONTES DE MIRANDA em seu «Tratado das Ações»: se o legislador - sobretudo o constituinte - atribui a um órgão jurisdicional certa competência «ex ratione materiae», nela devem estar compreendidos, a bem da integridade do ordenamento jurídico, todos os poderes necessários à plena satisfação dos interesses vinculados àquela competência. Não faria sentido atribuir à Justiça do Trabalho a competência para lançar e executar os créditos previdenciários relacionados aos salários do período contratual reconhecido - e, nessa parte, não acompanhamos a atual inteligência da Súmula n. 368, I,

    Page 56

    do C.TST -, inclusive em detrimento dos créditos salariais do hipossuficiente econômico (que, na qualidade de contribuinte, sofre descontos legais em sede executiva), e todavia negar a esse último o direito ao reconhecimento previdenciário do tempo correspondente de serviço e contribuição, sujeitando-o aos rigores do art. 55, § 3º, da Lei n. 8.213/91 (início de prova material). Tal interpretação é desconforme à Constituição, pois nega autoridade e eficácia social plena à sentença declaratória do vínculo empregatício, prolatada por autoridade judicial constitucionalmente competente, tanto para aquela declaração sentencial como para a própria execução judicial das contribuições sociais derivadas. Assim, em viés de interpretação conforme («verfassungskonformen Auslegung»), é de rigor compreender que a norma do art. 55, § 3º, da Lei de Benefícios refere-se à justificação administrativa e à justificação judicial perante os órgãos da Justiça Federal comum; não vincula, porém, os órgãos da Justiça do Trabalho, competentes para conhecer e reconhecer a relação jurídica de fundo (o vínculo empregatício) - independentemente de «início de prova material» - e para prover, ex auctoritate, à execução das contribuições sociais derivadas, por exceção à hipótese do art. 109, I, da CRFB (parte final).

    Por outro lado, a ser assim, é de rigor que o juiz do Trabalho decida a lide de modo uniforme, tanto para o trabalhador/empregador como para a autarquia (INSS), ante a própria natureza das relações jurídicas envolvidas (relação jurídica empregatíca e relação jurídica previdenciária, como fenômenos jurídicos auto-implicados); e, nesse caso, é mister fazer vir à lide o INSS, assegurando- -lhe o contraditório e a ampla defesa, inclusive para os plenos efeitos do art. 472 do CPC. Daí porque é caso de litisconsórcio necessário - de modo que, dispensando-o o reclamante, eventual sentença favorável declaratória de vínculo empregatício não surtiria efeitos em relação ao INSS, nos precisos termos do art. 47/CPC. No mesmo encalço - e pelas mesmas razões -, é inarredável o interesse de agir do empregado-contribuinte em aduzir a autarquia ao polo passivo da demanda, como fez expressamente às fls. 85-86. Essas últimas razões afastam, igualmente, a resistência de mérito deduzida às fls. 209-214, que se confunde com a própria quesila preliminar. Assim, rejeito a contestação em todos os seus termos, para manter o INSS no polo passivo e, em relação a ele, exercer a jurisdição mandamental, no que couber.

    Adentro, assim, ao «petitum» propriamente dito.

    A primeira questão a discutir - e também a principal - diz com a natureza jurídica da relação havida entre a reclamante, na condição de dentista, e a Instron - Instituto de Tratamento Odontológico - ME.

    Não há quaisquer dúvidas de que a reclamante prestou serviços à reclamada, como confessado às fls. 110-126 e insistentemente demonstrado na documentação dos autos (inclusive às fls. 107-108). A ré alega, porém, que a reclamante era odontóloga autônoma, gerindo livremente a sua agenda e dividindo consigo os valores pagos em razão das consultas e tratamentos; adiante, alega que ambas, autora e ré, eram «parceiras». São alegações em boa medida distintas, porque o trabalho autônomo não se confunde necessariamente com o instituto da parceria; nada obstante, e de todo modo, o onus probandi era da reclamada. Nesse sentido:

    "Quando se nega a existência de qualquer prestação de trabalho, a prova incumbe ao autor, por ser fato constitutivo. O contrário obrigaria o réu a trazer contestação do fato negativo, com frequência impossível na prática. Mas, constatada a prestação pessoal de serviços, presume-se tratar-se de relação empregatícia. Incumbe, assim, ao réu a prova de ser o trabalho...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT