A utilização de propostas de emendas à constituição como forma de reação a decisões do supremo tribunal federal

AutorVinicius da Silva Cardoso
Páginas211-287
A UTILIZAÇÃO DE PROPOSTAS DE EMENDAS À
CONSTITUIÇÃO COMO FORMA DE REAÇÃO A DECISÕES DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
vinicius Da silva carDoso
Resumo
O artigo 2º da Constituição Federal de 1988 dirime que os Poderes Legislativo,
Executivo e Judiciário são independentes e harmônicos entre si. A harmonia e a in-
dependência previstas no artigo são constantemente colocadas à prova diante das
tensões inerentes ao desempenho das atividades de cada Poder. Nesse sentido, o
presente trabalho pretende investigar parte da relação entre o Poder Legislativo
federal — representado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal — e o
Poder Judiciário federal — representado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Em
síntese, foca-se nas situações em que as casas do Congresso Nacional reagem a
decisões do Supremo Tribunal Federal e procura-se mapear as reações e encontrar
padrões existentes para, em seguida, elencar hipóteses que ajudem a explicar as
reações. O meio escolhido para mapear essas reações foi a análise de Propostas de
Emenda à Constituição (PECs) aprovadas pelo Senado Federal ou pela Câmara dos
Deputados. Analisou-se o conteúdo de cada uma das PECs aprovadas por cada
uma das casas do Poder Legislativo federal e, em seguida, comparou-se seus dis-
positivos com as decisões do STF, de forma a identicar as PECs reativas à Corte.
Palavras-Chave
Separação de Poderes, Reação Legislativa, Propostas de Emenda à Constitui-
ção, Supremo Tribunal Federal, Congresso Nacional.
Introdução
O artigo 2º da Constituição Federal de 1988 proclama que “[s]ão Poderes da
União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judi-
ciário”. A harmonia e a independência previstas no artigo são constantemente
colocadas à prova diante das tensões inerentes ao desempenho das atividades
de cada Poder. Nesse sentido, o presente trabalho visa a analisar parte da rela-
ção entre o Poder Legislativo federal — representado pela Câmara dos Deputa-
dos e pelo Senado Federal — e o Poder Judiciário federal — representado pelo
Supremo Tribunal Federal.
212 COLEÇÃO JOVEM JURISTA 2018
Em síntese, o presente trabalho se propõe a analisar as situações em que
as casas do Congresso Nacional reagem a decisões do Supremo Tribunal Fe-
deral. Procura-se mapear as reações e encontrar padrões existentes para, em
seguida, elencar hipóteses que ajudem a explicar as reações.
O meio escolhido para mapear essas reações foi a análise de Propostas
de Emenda à Constituição aprovadas pelo Senado Federal ou pela Câmara dos
Deputados. Como será explicado em detalhes nos próximos capítulos, analisou-
-se o conteúdo de cada uma das PECs aprovadas por cada uma das casas do
Poder Legislativo federal. Assim, foi possível comparar os dispositivos dessas
PECs com as decisões do STF, de forma a identicar as PECs reativas à corte.
As PECs consideradas reativas foram classicadas em diversas categorias.
Destacam-se as seguintes classicações: o sentido da reação (por exemplo, como
PECs “de reação negativa” ou “de reação positiva”); a classicação temática pró-
pria; a classicação proposta por ARANTES e COUTO (2006, p. 41-62) no artigo
“Constituição, Governo e Democracia no Brasil”. Além disso, listou-se alguns dados
objetivos em relação a cada PEC, tais como: a decisão do STF com relação à qual
houve reação, a data dessa decisão e a data da última votação da PEC. Como se
verá, o objetivo da classicação é permitir a análise de padrões nas PECs reativas.
Há outros estudos acadêmicos com objetos de pesquisa semelhantes. Em-
bora esses estudos apresentem objetos e metodologias de pesquisa diferentes
dos utilizados na presente pesquisa, apontam questões relevantes à discus-
são — e, por isso, serão citados em alguns momentos deste texto. Dentre tais
estudos, destacam-se: (i) Supremacia judicial versus Diálogos Constitucionais:
a quem cabe a última palavra sobre o sentido da Constituição?, de BRANDÃO
(2017); e (ii) Judicialização ou Representação? Política, direito e democracia no
Brasil, de POGREBINSCHI (2011), cujas principais diferenças para este trabalho
serão brevemente destacadas a seguir.
Em seu livro Supremacia Judicial versus Diálogos Constitucionais: a quem
cabe a última palavra sobre o sentido da Constituição?, BRANDÃO (2017, p.
357-371) dedica parte de um capítulo para tratar da superação de decisões do
STF por meio de Emendas Constitucionais — inclusive, citando alguns casos
concretos. Ao contrário deste trabalho, a parte empírica do estudo em ques-
tão se presta apenas para exemplicar a posição teórica defendida pelo autor.
Dessa forma, apresenta diferenças relevantes com relação a esta pesquisa, tais
como: a não exaustividade, a análise exclusiva de reações negativas e a análise
apenas de Emendas Constitucionais — e não de PECs.
POGREBINSCHI (2011, p. 166-183) também realizou pesquisa com objeto
semelhante. Em seu livro sobre a judicialização da política, entre outras ques-
tões, a autora analisou a reação do Congresso Nacional a decisões do STF
em controle concentrado de constitucionalidade. Com isso, partiu da decisão
A UTILIZAÇÃO DE PROPOSTAS DE EMENDAS À CONSTITUIÇÃO 213
de inconstitucionalidade do STF para medir todas as reações do Congresso
Nacional. Esse método apresenta uma vantagem clara: permite perceber tam-
bém reações realizadas por meio de legislação infraconstitucional. No entan-
to, difere-se do presente estudo, uma vez que não capta: (i) as reações das
casas do Congresso Nacional a decisões realizadas fora do controle concen-
trado de constitucionalidade — que representam número não desprezível das
reações; (ii) as reações das casas do Congresso Nacional a decisões do STF
que, apesar de não declararem a inconstitucionalidade da norma sob análise,
alteram seu signicado1 e (iii) a classicação das reações como “positivas” e
“negativas”, que permitem analisar de forma mais detalhada a tensão existen-
te entre os Poderes.
Este trabalho se divide em quatro capítulos, mais a Introdução e Conclusão.
O Capítulo 1 trata da discussão doutrinária sobre a interação entre os Po-
deres. De forma especíca, busca apresentar as principais posições acadêmi-
cas sobre o diálogo constitucional e a teoria da supremacia judicial. Apesar de
essa ser uma discussão mundial, foca-se na experiência brasileira tendo em
vista o objeto do trabalho.
Em seguida, o Capítulo 2 dispõe sobre os principais mecanismos de intera-
ção existentes entre o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal. Dado
o objeto do trabalho, apenas os mecanismos do Poder Legislativo são apre-
sentados. Com o objetivo de ilustrar tais mecanismos, apresentou-se exemplos
recentes de casos em que foram utilizados.
O Capítulo 3 abriga a pesquisa empírica realizada no âmbito deste tra-
balho. Esse capítulo foi subdivido em quatro partes, que abordam diferentes
aspectos da pesquisa, quais sejam: (i) a metodologia adotada; (ii) as limitações
da pesquisa empírica; (iii) exemplos das classicações utilizadas na pesquisa
empírica; (iv) os resultados da pesquisa empírica; e (v) apresentação de casos
excepcionais encontrados durante a realização da pesquisa empírica.
O Capítulo 4 contém a análise dos resultados da pesquisa. Analisam-se
os resultados de forma objetiva, indicando resultados relevantes para enten-
der a utilização do mecanismo, e de forma subjetiva, elencando hipóteses que
possam justicar esses resultados. Salienta-se que, não se pretende encontrar
as razões por trás dos fenômenos encontrados, mas apenas indicar possíveis
razões, que poderão ser aprofundadas em estudos posteriores.
Por m, apresenta-se a Conclusão do estudo. Nesse capítulo, discorre-se
brevemente sobre a pesquisa. A metodologia adotada e as análises dos resulta-
1 Sobre intervenções do STF no signicado de dispositivos legais por meio da declaração de
constitucionalidade, ver LIMA, João M. C. E. S.; ARGUELHES, Diego Werneck. Políticas públicas,
interpretação judicial e as intenções do legislador: o ProUni e o “cripto-ativismo” do Supremo
Tribunal Federal. Curitiba: Revista de Investigações Constitucionais, v. 4, 2017, p. 163-192.

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