Utilização de conceitos diferentes para objetos iguais
Autor | Jorge Miranda Ribeiro |
Páginas | 151-160 |
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Quanto ao entendimento de não haver impedimento à existência de diver-sas definições de objetos e coisas para fins diferentes, permissa vênia, não há razões para assim admitir a banalização de situações da forma descontrolada como ocorre.
Essa prática tem sido adotada em vários dispositivos legais oriundos dos Poderes Legislativo e Executivo (v.g., o conceito de trabalhador rural para fins de enquadramento sindical - Decreto-Lei n. 1.166, de 15 de abril de 1971, com a nova redação do art. 5º da Lei n. 9.701/1998); aquele da previdência social estabelecido na Lei n. 8.212, de 24 de julho de 1991 (art. 12, inciso I, alínea "a"); o empregado rural do art. 2º da Lei n. 5.889, de 8 de junho de 1973, que regula o trabalho campesino).
Forçoso reconhecer que essa diversidade de conceitos contribui para o empobrecimento do nosso ordenamento jurídico; não contribui em nada para melhorar o sistema legislativo do País; causa mais confusão do que mesmo esclarece; e torna mais complexo o exercício da magistratura e da advocacia, criando verdadeira parafernália à vida dos cidadãos. faz-se necessário combater esse absurdo que serve mais aos interesses do mau legislador e desserve ao Estado e ao povo.
Encontrou-se em obras de Direito Administrativo material doutrinário de quem pesquisou e analisou essa excrescência dos legisladores pátrios, os quais admitiram - como Celso Ribeiro Bastos - nuanças praticadas pelo parlamento, entretanto, dentro de certas condições e em respeito ao interesse público.
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Exige-se aqui detida reflexão a respeito do discrímen que atenta contra os arts. 5º da Constituição da República, onde todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza..., que consagra o princípio da isonomia (ou da igualdade), e o 37, caput, que prestigia a "impessoalidade", como outro princípio, o da Administração. Não basta atenuar o princípio isonômico com repetição do preceito aristotélico.
Tratando da igualdade que deve haver entres cidadãos e o Estado, acentua Carlos Ari Sundfeld,82respeitado administrativista: "Do conjunto das normas constitucionais, bem assim de seu sentido, extrai-se que os particulares são iguais perante o legislador, assim devendo se por ele tratados. São iguais perante a lei, donde a necessidade de, em sua aplicação, o juiz, como a Administração, tratarem-nos de modo parificado".
Em seguida, demonstra que a compreensão do conteúdo, sentido e alcance do princípio não é, entretanto, simples. Ao indagar o que significa ele (o princípio da igualdade) em concreto, responde: "Obviamente, não importa em que o Estado deva tratar a todos de modo idêntico". E repete o conhecido preceito aristotélico de que a isonomia implica em tratar os iguais igualmente e os desiguais, desigualmente, porém na exata medida de sua desigualdade.
Não satisfeito, avança mais sobre o princípio da igualdade: "De outro lado, violenta a igualdade a lei que trate desigualmente pessoas, coisas ou situações, com base em fatores estranhos às essas mesmas pessoas, coisas ou situações. O tratamento diferenciado estabelecido pela lei é agressivo à isonomia quando não houver correlação lógica entre a diversidade do regime estabelecido e o fator que tenha determinado o enquadramento, num outro regime, das pessoas, coisas ou situações reguladas. É que, em assim sendo, a discriminação será gratuita, desarrazoada, sem sustento racional".
Roque Antônio Carraza83oferece exata compreensão das consequências desse tipo de tratamento díspar quando aborda, com assaz competência no conhecimento do direito tributário constitucional, a questão do princípio republicano e a igualdade tributária: "Do exposto, é intuitiva a interferência de que o princípio republicano leva à igualdade da tributação. Os dois princípios interligam-se, completam-se. De fato, o princípio republicano exige que os contribuintes (pessoas físicas ou jurídicas) recebam tratamento isonômico. A lei tributária deve ser igual para todos e a todos deve ser aplicada com igualdade. Melhor expondo, quem está na mesma situação jurídica deve receber o mesmo tratamento
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tributário. Será inconstitucional - por burla ao princípio republicano e ao da isonomia - a lei tributária que selecione pessoas, para submetê-las a regras peculiares, que não alcançam outras, ocupantes de idênticas posições jurídicas (op. cit., p. 59)". Grifou-se.
Singelas palavras lançadas na contracapa da obra de Celso Antônio Bandeira de Mello84resumem o princípio da isonomia: "O princípio da igualdade perante a lei, ou da isonomia, não significa, apenas, o nivelamento dos cidadãos perante a norma legal, mas muito mais: que a própria lei não pode ser editada em desconformidade a ele - princípio que obriga não só o aplicador da lei, mas também o legislador".
Novamente, Bandeira de Mello, em conclusões finais, apresenta as condições que representam ofensa ao preceito constitucional da isonomia.
I - A norma singulariza atual e definitivamente um destinatário determinado, ao invés de abranger uma categoria de pessoas, ou uma pessoa futura e indeterminada.
II - A norma adota como critério discriminador, para fins de diferenciação de regimes, elemento não residente nos fatos, situações ou pessoas por tal modo deseguiparadas. É o que ocorre quando pretende toar o fato "tempo" - que não descansa no objeto - como critério diferencial.
III - A norma atribui tratamentos jurídicos diferentes em atenção a fato de discrímen adotado que, entretanto, não guarda relação de pertinência lógica com a disparidade de regimes outorgados.
IV - A norma supõe relação de pertinência lógica existente em abstrato, mas o discrímen estabelecido conduz a efeitos contrapostos ou de qualquer modo dissonantes dos interesses prestigiados constitucionalmente.
V - A interpretação da norma extrai dela distinções, discrímens, desequiparações que não foram professadamente assumidos por ela de modo claro, ainda que por via implícita. (obra citada, pág. 47/48).
Em que pese a nossa irresignação para...
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