Utilidade Pública e o Regime Jurídico das Áreas de Preservação Permanente do Entorno de Reservatórios de Usinas Hidrelétricas

AutorRômulo Silveira da Rocha Sampaio
Páginas12-27
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Questões Práticas da Aplicação da Nova Lei Florestal aos
Setores Elétrico, Sucroalcooleiro e Financeiro
2 Utilidade Pública e o Regime Jurídico
das Áreas de Preservação Permanente
do Entorno de Reservatórios de
Usinas Hidrelétricas
Este primeiro capítulo é o resultado de uma das primeiras con-
sultas sobre o regime jurídico das APP do entorno de reservatórios
artificiais d’água, comuns a usinas hidrelétricas que operam com
barramento.6 O resultado das análises aqui empreendidas foi sub-
metido para publicação na Revista de Interesse Público. Até o fecha-
mento desta edição, o artigo ainda não havia sido publicado. Sem
prejuízo, a racionalidade empregada na sua formulação constitui im-
portante ponto de partida para o enfrentamento das demais ques-
tões objeto de análise dos capítulos seguintes. Isso porque há, aqui, o
resgate histórico de como a imposição de obrigação de preservação
da vegetação nativa do entorno dos reservatórios artificiais d’água
foi inserida ao longo da vigência do CFlo/65 e como isso impactou
empreendimentos de geração que já se encontravam em operação.
Como abordado na introdução, a LFlo/12 alterou o regime jurí-
dico até então vigente sob a égide do CFlo/65. Dois institutos pilares
do antigo e do novo regime são as APP e as ARL.7 Esses institutos
6 “Existem dois tipos de reservatórios: acumulação e fio d’água. Os primeiros, geralmente
localizados na cabeceira dos rios, em locais de altas quedas-d’água, dado o seu grande
porte permitem o acúmulo de grande quantidade de água e funcionam como estoques
a serem utilizados em períodos de estiagem. Além disso, como estão localizados a
montante das demais hidrelétricas, regulam a vazão da água que irá fluir para elas,
de forma a permitir a operação integrada do conjunto de usinas. As unidades a fio
d’água geram energia com o fluxo de água do rio, ou seja, pela vazão com mínimo ou
nenhum acúmulo do recurso hídrico.” Fontes Renováveis, Parte II, Energia Hidráulica.
Agência Nacional de Energia Elétrica (“ANEEL”), disponível em http://www2.aneel.
gov.br/arquivos/pdf/atlas_par2_cap3.pdf, última visita em 9 de novembro de 2016.
7 Conceito legal de ARL no CFlo/65, art. 1º, inc. III: “área localizada no interior de uma
propriedade ou posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao
uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos
ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora
nativas”. Conceito legal de ARL na LFlo/12, art. 3º, inc. III: “área localizada no interior
de uma propriedade ou posse rural, delimitada nos termos do art. 12, com a função
de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel
rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a
conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e
da flora nativa”. Conceito legal de APP no CFlo/65, art. 1º, inc. II: “área de preservação
permanente: área protegida nos termos dos arts. 2ºe 3º desta Lei, coberta ou não
por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a
paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora,
proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas”. Conceito legal de
APP na LFlo/12 Art. 3º, inc. II: “área protegida, coberta ou não por vegetação nativa,
com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade
geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e
assegurar o bem-estar das populações humanas”.
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2. Utilidade Pública e o Regime Jurídico das Áreas de Preservação Permanente do
Entorno de Reservatórios de Usinas Hidrelétricas
constituem-se limitações administrativas8 a uma vasta gama de áreas
listadas pelos diplomas legais em referência (atualmente, pelos arts.
4º, 5º e 6º (APP) e 12 (ARL), todas da LFlo/12).
Para efeito da análise proposta neste capítulo inicial, o escopo en-
contra-se delimitado pelo exame do regime jurídico das APP do entor-
no de reservatórios artificiais d’água. Desde a sua concepção em 1965
pelo antigo CFlo, o regime jurídico dessas áreas sofreu significativas
mudanças. Por se constituírem em limitações administrativas, sempre
foram objeto de intensos juízos de ponderação entre princípios como
o do ato jurídico perfeito, direito adquirido e irretroatividade da lei,
de um lado, e o meio ambiente ecologicamente equilibrado, de outro.
Para concessionários ou permissionários de energia hidrelétrica, essa
tensão sempre fora uma constante.
A geração de energia a partir do aproveitamento da força das
correntes de água dos rios ocupou papel de destaque na história
do desenvolvimento econômico do país no último século. O enorme
potencial hidroenergético nacional ensejou políticas públicas de fo-
mento à construção de usinas hidrelétricas (“UHE”) com formação
de reservatórios para garantia da segurança energética.9 Isso por-
que, ao contrário de outras fontes renováveis como solar e eólica,
por exemplo, a geração de energia hidrelétrica é constante.
Ao formar reservatórios d’água artificiais, as extensas áreas do
entorno ficaram submetidas ao regime de proteção das APP previsto
tanto no CFlo/65 quanto na LFlo/12. As mudanças de regimes ao
longo dos anos, contudo, fez surgir um fértil campo de debates
doutrinários e jurisprudenciais sobre o possível conflito de interesses
8 Segundo Di Pietro, “Ao contrário das limitações impostas no direito privado (normas
referentes ao direito de vizinhança), que constituem objeto do direito civil e visam
regulamentar os direitos e obrigações recíprocos dos particulares, as limitações
administrativas, impostas no interesse público, constituem objeto do direito público,
mais especificamente do Direito Administrativo, pois embora muitas das normas
legais limitadoras de direitos individuais sejam de caráter constitucional, penal e
eleitoral, é à Administração Pública que cabe o exercício dessa atividade de restrição
do domínio privado, por meio do poder de polícia fundado na supremacia do interesse
público sobre o particular. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo.
São Paulo: Atlas, 27ª ed., 2013, p. 138.
9 Ver BENJAMIN, Antonio Herman; MARQUES, Claudia Lima. TINKER, Catherine. The
Water Giant Awakes: An Overview of Water Law in Brazil. 83 Texas Law Review 2185,
p. 2190: “The legal treatment of waters in Brazil can be organized into three distinct
historical periods. The first — the Navigability Phase — nded with the enactment of
the Water Code of 1934, at which point the second — the Hydroelectricity Phase
— began. The third period — the Environmental Phase — started in the 1980s and
1990s, with the publication of the Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (National
Environmental Policy Act) in 1981, the new Federal Constitution in 1988, and the Lei da
Política Nacional de Recursos Hídricos (National Water Act) of 1997.

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