Uso de evidências no debate constitucional sobre aborto: o conceito de direito à vida nos amici curiae da ADPF 442

AutorAmanda Luize Nunes
CargoAdvogada, Mestranda em Direito pela Universidade de Brasília e Pesquisadora da Anis, Instituto de Bioética
Páginas46-83
USO DE EVIDÊNCIAS NO DEBATE
CONSTITUCIONAL SOBRE ABORTO:
O CONCEITO DE DIREITO À VIDA NOS AMICI
CURIAE DA ADPF 4421
USE OF EVIDENCE IN BRAZILIAN CONSTI TUTIONAL
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Amanda Luize Nunes2
Resumo: Em março de 2017, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL),
com suporte técnico da Anis – Instituto de Bioética, apresentou a Ar-
guição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442 ao
Supremo Tribunal Federal, pedindo a descriminalização do aborto
até as primeiras 12 semanas de gestação. Proposta em um cenário no
qual a corte demonstrou, em outras três decisões – na Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) 3510, na ADPF 54 e no Habeas Corpus
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rega consigo a expectativa de que seja solucionada de forma consis-
tente com evidências. Nesse contexto, o objetivo do presente trabalho
foi analisar as disputas interpretativas em torno do direito à vida nos
amici curiae favoráveis e contrários à ADPF 442, a partir da avaliação
do uso de evidências apresentadas como suporte aos argumentos. A
pesquisa conduziu às seguintes principais conclusões: enquanto os
amici curiae favoráveis apresentam evidências sobre o impacto da cri-
minalização do aborto para a vida das mulheres e sobre a segurança
do procedimento quando realizado de forma legal e segura, os amici
curiae contrários se apropriam de constatações biológicas sobre o de-
senvolvimento da vida intrauterina para defender que a vida deve ser
protegida de forma absoluta desde a concepção.
Palavras-chave: aborto; mobilização legal; supremo tribunal federal;
direito à vida.
1 Este artigo é resultado de pesquisa realizada para Trabalho de Conclusão de Curso exi-
gido como requisito para a obtenção do grau de Bacharel em Direito.
2 Advogada, Mestranda em Direito pela Universidade de Brasília e Pesquisadora da
Anis – Instituto de Bioética.
ARTIGO
Revista dos Estudantes de Direito
da Universidade de Brasília;
18ª edição
46 18º EDIÇÃO
Abstract: In March 2017, the Brazilian political party Socialismo e
-
tal Precept (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental,
ADPF) 442 to the Brazilian constitutional court (Supremo Tribunal
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mester. Considering the court has already demonstrated commitment
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al and reproductive rights – Direct Action of Unconstitutionality (Ação
Direta de Inconstitucionalidade, ADI) 3510, ADPF 54 and Habeas Cor-
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be resolved consistently with evidence. In this context, the objective
of the present study was to analyze the interpretative disputes around
the right to life in amici curiae briefs favorable and against the ruling
of ADPF 442, based on the evaluation of the use of evidence presented
         
conclusions: while the amici curiae in favor of the demand provide ev-
idence about the impact of abortion criminalization on women’s lives
and about the safety of the procedure when performed legally and
safely, the amici curiae
about the development of intrauterine life to argue that life should be
protected from conception.
Keywords: abortion; legal mobilization; Brazilian constitutional court;
right to life.
Submissão: 12/04/2020
Aceite: 27/06/2020
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INTRODUÇÃO
Os debates mais recentes sobre o direito ao aborto, como o deba-
te realizado no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental (ADPF) 442, revelam uma disputa interpretativa em tor-
no da proteção constitucional conferida pelo direito à vida. Grupos
favoráveis à descriminalização do aborto3 – objetivo da referida ação,
apresentada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) com o suporte
técnico da Anis - Instituto de Bioética – argumentam que a efetivação
do direito à vida não pode ignorar a vida das milhares de mulheres que
todos os anos morrem ou sofrem complicações decorrentes de abor-
tos clandestinos e inseguros (DINIZ; MEDEIROS; MADEIRO, 2017).
Enquanto isso, grupos contrários ao aborto como um direito das mu-
lheres levantam a bandeira de “defesa da vida” centrada na vida em
potencial do feto, desprezando os impactos da criminalização para a
vida da pessoa humana mulher (MIGUEL; BIROLI; MARIANO, 2017).
Histórias como a de Ingriane Barbosa Carvalho, mulher negra,
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o lugar das mulheres na proteção conferida pelo direito à vida. Como
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Único de Saúde (SUS) para a realização de laqueadura, recorreu a uma
forma perigosa de aborto clandestino: introduziu um talo de mamo-
na em seu útero, que resultou em uma internação de sete dias, até o
seu falecimento no dia 16 de maio de 2018 por infecção generalizada
(GUIMARÃES, 2018). A morte precoce de Ingriane era completamente
evitável, mas o mesmo Estado que demorou para assegurar o acesso de
Ingriane a métodos contraceptivos modernos, seguros e adequados às
suas necessidades, não permitiu que ela fosse acolhida pelos serviços
de saúde para a realização de um procedimento seguro de proteção à
vida das mulheres.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) (2013), o
aborto é um procedimento seguro, com risco de morte quase insigni-
3 O aborto voluntário é criminalizado pelos Artigos 124 e 126 do Código Penal brasileiro
(1940): Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque: Pena
- detenção, de um a três anos; Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante:
Pena - reclusão, de um a quatro anos.
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