Universal historical trends of the social being in the Lukacs Ontology: notes of an immanent reading/Tendencias historicas universais do ser social na Ontologia de Lukacs: apontamentos de uma leitura imanente.

AutorRolim, Renata Ribeiro
CargoResena de libro

Este artigo e produto de leitura imanente que analisa duas tendencias historicas universais do ser social destacadas por Gyorg Lukacs. Tratam-se do desenvolvimento das forcas produtivas e do afastamento das barreiras naturais, esta ultima tambem articulada com outra peculiaridade do ser social, o tempo de trabalho socialmente necessario. Com isso, temos o objetivo de auxiliar o inicio dos estudos da obra de maturidade desse filosofo marxista, a Ontologia do Ser Social (1), a partir do capitulo A Reproducao (2).

Ao se debrucar sobre tendencias de desenvolvimento do ser social, este estudo reafirma, juntamente com Marx e Lukacs, a existencia de uma legalidade imanente a historia humana que permite que essa historia possa ser conhecida e, sob certas circunstancias, alterada. Essa e outra maneira de afirmar a possibilidade ontologica do comunismo, da humanidade superar a exploracao do homem pelo homem (3). No entanto, como veremos, nao se trata da legalidade tal como a entende o materialismo vulgar e mecanicista. Na Ontologia Lukacs nao poupa esforcos no combate a essa vertente do marxismo.

A aproximacao a esse texto lukacsiano, contudo, nao e tarefa simples. Alem de um contexto historico francamente avesso a consideracoes ontologicas, essa obra e extensa e inacabada. Demais disso, ainda hoje carecemos de estudos mais sistematicos que deem conta de suas inumeras articulacoes internas. Os perigos parecem se intensificar quando se trata dos estudos na area do direito. Na Ontologia, Lukacs dedica uma pequena parte a caracterizacao do complexo juridico, o que poderia ser um convite a pincar esse fragmento do texto em detrimento da compreensao do esforco do autor em fundar todas as atividades humanas no trabalho e, a partir dai, articular a reproducao social como processo historico total.

Por isso, nosso argumento e de que a leitura imanente da Ontologia e um recurso metodologico poderoso para dar conta dessa tarefa, pois nela a prioridade ontologica do texto e a primeira exigencia. Mas de que maneira e possivel controlar a subjetividade no estudo da Ontologia? (4) Comecemos por explicar o que a leitura imanente nao e. Em primeiro lugar, a leitura imanente nao tem por objetivo fazer uma "interpretacao inedita" da Ontologia. Nesse aspecto, sua finalidade e mais modesta e, por isso mesmo, vai na contramao dos criterios mercadologicos que parecem pesar cada vez mais sobre a pesquisa academica (5). Em segundo lugar, a leitura imanente tampouco se contenta em fisgar um "problema de pesquisa" no conjunto da obra. Ao contrario, ela quer extrair do texto sua ideia central, buscar as conexoes entre os argumentos e compreender os motivos pelos quais o autor deu determinada forma ao texto. Nesse sentido, seu objetivo e mais ambicioso, em especial para a area do direito (6). O rigor analitico na exegese tem por finalidade reproduzir na consciencia de quem estuda o movimento imanente ao texto e, assim, tornar acessivel suas articulacoes de ideias, bem como sua argumentacao (7).

A seguir abordaremos o processo de explicitacao do ser social a partir de duas de suas tendencias gerais--o desenvolvimento das forcas produtivas e o tempo de trabalho socialmente necessario, ambas articuladas com o afastamento das barreiras naturais. Concentramos a analise dessas tendencias na leitura imanente dos 12 (doze) primeiros paragrafos do capitulo A Reproducao, da Ontologia. Mas antes disso sera necessario caracterizar a especificidade do ser social com a discussao sobre as tres esferas ontologicas que compoem o ser em sua maxima universalidade. Ao concluir, ressaltaremos a peculiaridade dos problemas e do metodo ontologico que foram expostos ao longo deste artigo.

  1. Materialismo e as tres esferas ontologicas

    Os quatro primeiros paragrafos d'A Reproducao, capitulo 2 da Ontologia, sao uma especie de sintese do capitulo anterior, intitulado O Trabalho, em que Lukacs faz uma ampla abstracao. E importante destacar que com essa sequencia de capitulos o autor nao pretende deduzir a reproducao social de uma categoria teorica. O que ele faz e justamento o oposto de uma deducao. Uma das principais finalidades do capitulo 1 e destacar as premissas que tornaram possivel o ser social, para assim chegar a falar de suas caracteristicas mais gerais, sem as quais ele nao poderia se tornar real. Como o trabalho e a categoria essencial do ser social, aquilo que o diferencia dos seres inorganico e organico, destacar seus elementos mais simples e universais--o que so poderia ser feito de maneira abstrata--e uma opcao metodologica que ressalta os elementos essenciais do proprio ser social. Portanto, tal abstracao torna possivel ao autor destacar o surgimento do trabalho a partir das formas de ser precedentes, de que maneira as categorias do ser social se vinculam a essas formas, como se fundamentam nestas e se diferenciam destas (LUKACS, 1981, p. 11).

    Assim, antes de tratar das tendencias de desenvolvimento do ser social, vamos seguir os passos de Lukacs e expor algumas conclusoes da ampla abstracao feita no capitulo O Trabalho (8).

    1.1 Salto ontologico: a genese de uma nova essencia

    No materialismo de Marx, assim como no de Lukacs, o ser conserva a unidade ultima, a continuidade, no seu processo de desenvolvimento historico. Isso nao significa que a materia seja homogenea. Ao contrario, a heterogeneidade do ser e explicitada de forma clara por uma gradacao de esferas ontologicas--marcada por rupturas--mas que so pode ser refletida adequadamente na consciencia se seus aspectos e criterios forem "tratados, exclusivamente, pela caracterizacao do ser enquanto ser" (LUKACS, 1981, p. 166).

    Lukacs explica que a ontologia materialista nao implica uma hierarquia de valor entre as formas de ser, do mesmo modo que esta livre dos ofuscamentos provocados por categorias logicas e gnosiologicas:

    Isso significa, em primeiro lugar, perguntar-se: qual grau de ser pode possuir ser mesmo quando faltam os outros, e qual, ao inves, pressupoe, ontologicamente, o ser dos outros graus. Se nos colocarmos essas questoes, as respostas sao claras e facilmente verificaveis: a natureza inorganica nao pressupoe, de nenhuma forma, nem o ser biologico nem o ser social. Pode existir em termos completamente autonomos, enquanto o ser biologico pressupoe uma particular constituicao do inorganico e, sem uma perene interacao com ele, nao e capaz de reproduzir seu proprio ser nem mesmo por um momento. Do mesmo modo o ser social pressupoe a natureza organica e inorganica e, sem esses como base, nao pode desenvolver as proprias categorias que, nao obstante, sao diferentes daqueles dois graus do ser. Dai a possibilidade de um ordenamento dos graus do ser sem propositos valorativos, sem confundir com esses propositos o problema da prioridade ontologica, da independencia e dependencia ontologica (LUKACS. 1981, p. 166). (grifos nossos)

    O processo evolutivo (9) do ser inorganico, sua historia (10), tem como caracteristica ontologica decisiva a transformacao, mediante processos fisicos e quimicos, em algo distinto de si mesmo, dos elementos que o conformam. Transformar-se em outro e a qualidade essencial dessa forma de organizacao da materia. O exemplo mais corriqueiro e a agua, que e composta de dois atomos de hidrogenio e um de oxigenio. A composicao quimica da agua, cuja molecula e mais que a simples soma desses atomos, revela uma propriedade muito importante da materia--o fato de que a totalidade e algo mais que a soma ou justaposicao das partes que a compoem pois abrange tambem as relacoes entre as partes e a relacao de cada uma delas com a totalidade. Tal caracteristica sera de grande relevancia para a compreensao da reproducao do ser social como um complexo de complexos, como veremos, em suas linhas gerais, adiante.

    De qualquer forma, para evoluir, se desenvolver, esse grau do ser nao pressupoe, como afirma Lukacs, qualquer outra esfera ontologica. Ate onde alcanca os conhecimentos cientificos atuais, de fato, o ser inorganico possui absoluta independencia ontologica dos demais graus do ser.

    A inauguracao de uma nova esfera ontologica--o ser organico--mantem a interrelacao com o ser inorganico que esta na sua base mas, ao mesmo tempo, da origem a uma nova qualidade ontologica, com categorias, relacoes e leis de desenvolvimento proprias. No ser organico a peculiaridade de seu desenvolvimento, a essencia dessa nova forma de organizacao da materia, e a reproducao de seres vivos com a mesma constituicao biologica. Em outras palavras, e a possibilidade da reproducao do mesmo. No entanto, sem agua, para continuar com o exemplo, nao ha vida. Essa dependencia ontologica do ser organico nao altera a essencia e a legalidade do ser inorganico. Vida pressupoe agua, mas nao e capaz, absolutamente, de modificar as determinacoes desta ultima. Referindo-se a dependencia ontologica de uma esfera de ser com relacao a que esta em sua fundacao, afirma Lukacs:

    As suas relacoes reciprocas produzem, ao inves, transformacoes que conservam os nexos legais do ser fundador da nova esfera, mas inserindo-lhes em novos nexos, fazendo desenvolver suas determinacoes em novos contextos, sem poder--obviamente--alterar a essencia dessa legalidade (LUKACS, 1981, p. 166).

    E importante considerar ainda que "o desenvolvimento da especificidade categorial de uma esfera dependente nunca tem lugar de um golpe, alcancando imediatamente sua completude" (LUKACS, 1981, p. 166). O salto ontologico--expressao que Lukacs utiliza para designar mudancas qualitativas, origem de novas essencias (11) nao deve induzir ao equivoco de um "antes e depois" em sentido meramente cronologico (12), pois isso implicaria apenas no desdobramento de uma essencia dada de antemao, ela mesma fora da historia. Assim, o salto realizado pelo ser organico apresenta um momento de ruptura, de negacao da esfera do ser que esta em sua fundacao, mas igualmente aponta para um momento positivo, de explicitacao progressiva das categorias peculiares a essa nova esfera...

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