A união de nações sul-americanas: institucionalidade e desafios

AutorAlexandre Ganan de Brites Figueiredo
CargoMestre, aluno do curso de doutoramento do Programa Interunidades em Integração da América Latina da Universidade de São Paulo (PROLAM/USP)
Páginas137-152

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1 Introdução

O objetivo deste trabalho é apresentar a União de Nações Sul-Americanas (UNASUL), discutindo sua originalidade e sua capacidade, a partir de uma perspectiva jurídico-institucional, para cumprir seus objetivos. Nessa perspectiva, entenderemos a Unasul como um “esquema de integração regional”, conforme a classificação proposta por Sandra C. Negro1, ou seja, nos concentraremos nos aspectos propriamente jurídicos dessa organização, bem como em suas instituições. Portanto, considerações de cunho econômico, político ou geopolítico, igualmente relevantes para a abordagem do tema, serão utilizadas como uma perspectiva complementar. Como lembra Umberto Celli Junior, “o conceito de integração sempre foi dinâmico e relacionado a um determinado contexto, político, econômico e social” (CELLI JUNIOR , 2006, p. 19). Por conta dessa natureza, aproximar-se desse objeto de estudo é uma tarefa que exige do pesquisador uma abordagem necessariamente interdisciplinar e a partir de vários vértices, ainda que seu foco esteja apenas em um. Dessa forma, priorizamos a abordagem histórica e jurídica sem desconsiderar as demais em sua igual importância para a compreensão do fenômeno.

A partir desse marco (o direito da integração), dessa perspectiva (análise do esquema de integração regional) e dessas fontes jurídicas (os instrumentos normativos desta organização, especialmente seu Tratado Constitutivo), procuraremos discutir a capacidade da Unasul em responder aos seus ambiciosos objetivos. Com a análise de suas instituições e, especialmente, de seu caráter intergovernamental, bem como da derrotada defesa da supranacionalidade, discutiremos como a Unasul lida com os as contradições inerentes ao processo de integração e à história da região.

O Tratado Constitutivo da organização acaba reproduzindo essas contradições e, por isso, realçamos que não se trata de atecnias, mas da própria realidade sub-regional. Um exemplo é o fato de a Unasul ser formada tanto por países claramente orientados para a opção por acordos preferenciais de comércio e, portanto, impedidos de compor uma união aduaneira, mercado comum ou união econômica sub-regional, como por países cuja política externa é marcada pelo confronto com a liberalização. Chile, no primeiro caso, e Venezuela, no segundo, são exemplos. Além disso, a UNASUL precisa conciliar no seu interior o Mercosul, a Comunidade Andina e a Aliança Bolivariana para as Américas (ALBA-TCP).

Se incluirmos ainda as contradições econômicas internas, como a profunda assimetria entre os Estados da Unasul terá um cenário contraditório que, inevitavelmente, leva a institutos jurídicos que tenham que lidar com a contradição. É por si só notável o fato de os 12 estados sul-americanos terem, de forma inédita, acertado os termos de um acordo com pontos comuns para a região como um todo. É razoável pensar que mesmo com tamanhas diferenças há, nos últimos anos, uma vontade política mais forte pró-integração do que contrária. O que nos interessa na análise dos aspectos jurídicos

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da integração é se, nesse processo, e essa vontade política foi de fato institucionalizada a contento. Para balizar a apresentação do debate teórico, nos valemos em especial das contribuições de diversos especialistas publicadas no anuário da Coordinadora Regional de Investigaciones Económicas y Sociales (CRIES).

2 A unasul enquanto novidade teórica

Existe um relativo consenso entre os estudiosos da integração latino-americana quanto a se considerar a Unasul uma novidade teórica. Assim, afirmam vários autores que veem essa organização como uma resposta da América do Sul ao predomínio antes exercido pelos parâmetros do Consenso de Washington e do chamado “novo regionalismo”. O elemento novo trazido seria o fato de os objetivos da Unasul irem além da integração comercial e econômica, abrangendo os âmbitos político, cultural, social e ambiental. Sabemos que esse último fato por si só não é exatamente novo. Como lembra Umberto Celli Junior, embora possam existir blocos regionais a partir de diversos vetores, inclusive afinidades culturais ou mesmo religiosas, são os fins econômicos que predominam (CELLI JUNIOR, 2006, p. 20). Sendo assim, se no âmbito da teoria das organizações regionais de integração não é uma completa novidade o caráter extraeconômico da Unasul, é certamente nova sua opção quando consideramos o predomínio dos temas econômicos e as demais iniciativas de integração da região.

José Antonio Sanahuja discute essa questão. Ele lembra que desde 1990 predominou na América Latina o Regionalismo Aberto. Diversas estratégias foram adotadas pelos estados, mas todas orientadas por essa vertente liberal da integração: México se integrou aos EUA com o NAFTA, o Chile se distanciou dos vizinhos optando por estabelecer tratados bilaterais de livre-comércio, o grupo de países andinos converteu-se em Comunidade Andina, adotando princípios do Regionalismo Aberto. Mas, na primeira década do século XXI, teria surgido um “regionalismo pós-liberal”, do qual a Unasul é uma expressão. Caracterizam a novidade da Unasul e desse regionalismo pós-liberal, na visão de Sanahuja, os retornos da agenda política a um âmbito até então dominado pela agenda comercial, de um projeto de desenvolvimento atrelado à integração e da busca por autonomia tanto perante os mercados como diante dos Estados Unidos (autonomia que Sanahuja chama de “meta explícita do regionalismo pós-liberal”). (SANAHUJA, 2012, p. 32).

Como consequência, vem à cena a preocupação com a falta de infraestrutura voltada para a integração, como ligações físicas entre os estados, a atenção à existência de assimetrias regionais que devem ser reduzidas para garantir a viabilidade do processo de integração e, por fim, a afirmação do compromisso com a participação da sociedade civil. Além disso, também há novidade na ênfase dada a uma “agenda positiva da integração”, como a introdução de temas como a cidadania, os direitos humanos, a redução da pobreza, a cultura e o meio ambiente. Tais temas dão à Unasul um discurso ideológico e fazem com que a integração seja vista como instrumento de desenvolvimento e de justiça social. Sanahuja chega a considerar inadequado avaliar a Unasul dentro do marco da integração econômica, sendo melhor defini-la como uma “organização de cooperação política” (SANAHUJA, 2012, p. 32).

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Pía Riggirozzi (RIGGIROZZI, 2012, p. 144) acentua a novidade da Unasul nos objetivos mais amplos que ela traz quando comparada aos objetivos dos marcos do Regionalismo Aberto. Em suas palavras, a Unasul:

“Es fundamentalmente una construcción regional que capitaliza sobre acuerdos de ‘regionalismo abierto’ de la década de 1990, pero que se construye sobre un objetivo nuevo: fortalecer una estructura institucional en temas más allá del comercio, mientras se busca, al mismo tempo una posición autónoma en relación al frente externo, y espacialmente en relación a actores como EE.UU o la EU.”

Na sua avaliação, Riggirozzi considera que a ascensão desse novo objetivo se deve a uma mudança no cenário político sul-americano, com a chegada ao poder de grupos de esquerda de diferentes matrizes, mas concordes na crítica ao Consenso de Washington e ao “neoliberalismo”. Essa mudança teria se expressado também em novas práticas e construções institucionais regionais. Dentre os novos modelos de integração que surgem nesse contexto haveriam dois projetos, um radical e outro moderado. O primeiro seria a ALBA, defensora de um modelo socialista ou um “welfarismo transnacionalizado”, na expressão de Riggirozzi. O segundo modelo seria a Unasul que propõe novos temas e objetivos para a integração sem abrir mão dos velhos objetivos comerciais (em verdade, a Unasul se apoia sobre aqueles eixos comerciais) (RIGGIROZZI, 2012, p. 133).

Outra analista do tema, César Augusto Bermúdez Torres (2011, p. 120) afirma que a Unasul inova quando busca transcender o caráter econômico da integração. Na sua opinião, isso não implica em desmerecimento do papel da integração econômica, até porque “cuando empieza el siglo XXI el Mercado Común del Sur es el proyecto más representativo de la región suramericana por sus antecedentes y por su legado”. Contudo, ao tentar ampliar os objetivos iniciais de um organismo de integração, a Unasul representaria uma nova estratégia. Esse autor também concorda que foi determinante para essa nova orientação o fato de a América do Sul ser governada, na maioria de seus países, por partidos de esquerda e centro-esquerda. Mesmo a Colômbia, que não é um desses países, depois da eleição de Juan Manuel Santos, alinhou-se à nova orientação, acolhida pelos demais com a nomeação de sua chanceler, Maria Emma Mejía, para a Secretaria Geral da Unasul.

O geopolítico Miguel Ángel Barrios (2011) acredita que a Unasul é parte de um processo de “latinoamericanização”, ou seja, da retomada do projeto integracionista do século XIX. Nisso ela representa um avanço em relação aos organismos de integração sobre os quais ela se erige. Para Barrios, como bom discípulo de Methol Ferré, trata-se de consolidar um grande estado-continental que permita à América do Sul uma inserção soberana no mundo globalizado. A Unasul e, especialmente, seu Conselho de Defesa, inovariam por serem as ferramentas para a consolidação desse projeto secular da região (BARRIOS, 2011).

Félix Peña (2009), especialista em integração latino-americana, vê na Unasul a mais recente tentativa de criar um âmbito institucional para toda a região. Também afirma que a inovação, assim como os demais autores citados acima, advêm de seu objetivo de ir além da mera convergência econômica dos organismos já existentes (a CAN e o Mercosul).

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Elsa Llenderrozas (2012, p. 158) também concorda que a...

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