União Europeia, seus imigrantes e direitos humanos

AutorQuando a União Europeia se formou, o bloco tinha como pretensão não só ser uma união aduaneira, mas também garantir a paz duradoura na Europa, bem como ser um bastião na defesa dos direitos huma nos, vistos como a sua mais importante contribuição para a paz e a história mundial. Isso parecia estar se cumprindo até recentemente, quando explode a...
CargoDulce Maria Tourinho Baptista - Marijane Vieira Lisboa
Páginas277-297
União europeia , seus imigrantes e dir eitos humanos
Caderno s do CEAS, Salvador, n. 239, p. 973-993, 2016.
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UNIÃO EUROPEIA, SEUS IMIGRANTES E DIREITOS HUMANOS
Resumo
Quando a União Europeia se formou, o
bloco tinha como pretensão não só ser
uma união aduaneira, mas também
garantir a paz duradoura na Europa, bem
como ser um bastião na defesa dos direitos
humanos, vistos como a sua mais
importante contribuição para a paz e a
história mundial. Isso parecia estar se
cumprindo até recentemente, quando
explode a catástrofe humanitária dos
refugiados do Oriente Médio e da África.
Para os que estudavam de perto a política
imigratória europeia, contudo, era
perceptível o desrespeito aos direitos
humanos de imigrantes, solicitantes de
refúgio e cidadãos do Leste europeus. A
bandeira do combate à imigração ilegal foi
assumida por partidos de todos os matizes
ideológicos, unidos em torno à causa
populista e xenófoba e isto pavimentou o
caminho pelo qual a atual política de
violação ao direito de refúgio dos
escapados do Oriente Médio e da África
do Norte passa a ser aceita.
Palavras-chave: Migração. Refugiados.
União Europeia. Direitos humanos.
Dulce Maria Tourinho Baptista
Socióloga, docente do Departa mento de
Sociologia da Faculdade de Ciências Sociais da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC-SP. Doutora em Ciências Sociais.
Telefone (11) 99261-7851. E -mail:
dmbaptista@pucsp.br
Marijane Vieira Lisboa
Socióloga, docente do Departa mento de
Sociologia da Faculdade de Ciências Sociais da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC-SP. Doutora em Ciências Sociais.
Telefone (11) 98111-8416. E -mail:
mlisboa@pucsp.br
[...] As guerr as civis que sobrevieram e se alastra ram
não foram apenas mais cruéis e mais sangrentas do
que as anteriores: fora m seguidas pela migração de
compactos grupos humanos que, ao contrár io dos seus
predecessores mais felizes, não er am bem-vindos e não
podiam mais ser a ssimilados em pa rte a lguma. Uma
vez fora do país de origem, per maneciam sem lar :
quando deixavam o seu Estado, torn avam-se
apátr idas; quando perd iam os seus direitos humanos,
perdiam todos os direitos; eram o refugo da terra.
(ARENDT, 1997, p. 300).
Não, não estamos falando dos atuais tsunamis de refugiados que tentam
escapar da guerra civil da Síria ou do Estado falido da Líbia e que chegam à Europa
por travessias marítimas arriscadas, até Lampedusa ou Lesbos, ou a pé desde a Turquia,
em pleno inverno europeu, tentando ultrapassar as cercas erguidas apressadamente pela
Macedônia, a Croácia, a Eslovênia, a Hungria e até a Áustria.
Não é esse o contexto da epígrafe desse texto, mas o de um passado recente.
União europeia , seus imigrantes e dir eitos humanos
Caderno s do CEAS, Salvador, n. 239, p. 973-993, 2016.
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Essa é a maneira como Hannah Arendt (1997) descreve o caos que se sucedeu ao fim
da I Guerra Mundial, quando a inflação, o desemprego de proporções fabulosas e as
guerras civis que se seguiram, provocaram o deslocamento de espantosas massas de
indivíduos.
Importantes acontecimentos históricos provocaram grandes deslocamentos
populacionais como os originados da Revolução Soviética em 1917 e da seguida
Guerra Civil que expulsaram 100 mil russos para a Alemanha, 650 mil ucranianos da
Rússia para a Romênia, Iugoslávia, França, enquanto as recém-criadas Letônia,
Lituânia e Estônia receberam mais 200 mil pessoas vindas da Rússia. (FOLHA DE
SÃO PAULO, 1993, p. 261). A dissolução do Império ustro-húngaro também provocou
outros enormes remanejamentos humanos, pois para a Hungria recém-constituída
foram 200 mil húngaros que viviam até então na Romênia, outros 80 mil húngaros que
viviam na Iugoslávia e mais 120 mil, que se encontravam na recém-formada
Tchecoslováquia. (FOLHA DE SÃO PAULO, 1993, p.261).
Ao fim da I Guerra Mundial, reforçou-se outro fluxo espacial que já acontecia
entre a Turquia e a Grécia desde a independência desta última, deslocando-se em
ambas direções populações turcas e gregas que haviam vivido por tantos séculos
misturadas sob a égide do Império Otomano. Com o fim desse império e a constituição
de uma Turquia amputada de seu imenso território, esse fluxo se agrava. Foram 350
mil turcos que abandonaram a Grécia em direção à Turquia enquanto um milhão de
gregos que viviam na Turquia partiram para a Grécia. E ainda 350 mil armênios
sobreviventes do genocídio armênio fogem para a Europa. (FOLHA DE SÃO PAULO,
1993, p.261.
Uma década mais tarde, o nazismo na Alemanha, o fascismo na Itália e a
Guerra Civil Espanhola foram responsáveis por levar à França, antiga terra de asilo, 40
mil italianos, 220 mil alemães e 160 mil espanhóis.
Assim, das ruínas dos impérios multinacionais que desabaram ao fim da I
Guerra Mundial surgiram dois tipos de vítimas, cujo sofrimento foi muito distinto das
demais populações europeias atingidas pela I Guerra Mundial: os apátridas e as
minorias.
Para lidar com as minorias que permaneceram em territórios dos novos
Estado-Nação criados pelos Tratados de Paz ao fim da I Guerra Mundial, foi necessário

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