A união europeia. Aspectos gerais

AutorCarlos Roberto Husek
Ocupação do AutorDesembargador do TRT da 2ª Região Professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Membro da Academia Paulista de Direito, Membro da Comunidade de Juristas da Língua Portuguesa
Páginas249-265

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1. Esboço histórico

A civilização europeia, berço do mundo moderno, é o resultado, como já se disse, das instituições jurídicas e sociais romanas, do espólio helênico e do ideário judaico-cristão.

João Ameal cita, na História da Europa - XXIV, frase de Didier Lazrd, in L’Occident - quel Occident, que aqui se reproduz: "Hoje, as três correntes estão mais visíveis do que nunca: o nosso individualismo radical é ateniense; as nossas leis e as nossas instituições impregnadas de espírito aristocrático são romanas; a nossa paixão da justiça social é cristã."

Apesar de suas diferenças, os diversos povos europeus, ou por tendência natural ou por veleidade dos conquistadores da época, sempre tentaram a unificação.

Primeiro foi Roma, depois o Cristianismo, por intermédio do Papa, tentando impor uma unidade espiritual e política. Carlos Magno surge nesse cenário e também as Cruzadas, como objetivo comum aos povos estabelecidos na região.

Napoleão e Hitler tentaram conquistá-la pela força; mas, nos tempos modernos ela se une pela necessidade e pelo bom senso.

A transformação que ocorreu na Europa é consequência de fatores históricos e da escolha natural pelo diálogo entre os povos, com base no desenvolvimento, além de conjunturas políticas e um certo receio de ver sua unidade territorial quebrada pelo domínio de países estranhos, como o expansionismo russo do pós-guerra.

A análise política e histórica é necessária como pré-conhecimento das instituições que o Direito cria, principalmente o Direito Internacional. Interessa-nos o fenômeno jurídico que é a Comunidade Europeia, consagrando o devaneio Hugoniano: "No século XX haverá uma nação extraordinária ... esta Nação terá por capital Paris, mas não se chamará França - chamar-se-á Europa".

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Premonitório o discurso de Churchill na Universidade de Zurique, em 19.9.1946: "Eu pretendo falar-vos hoje da Europa ... Se a Europa se unisse um dia para partilhar a sua herança comum, não haveria limites à felicidade, à prosperidade e à glória de que poderia gozar a sua população de 300 ou 400 milhões de almas".

O Tratado de Roma de 1957 veio consagrar essas palavras. É, em nosso entender, talvez um dos fatos jurídicos mais importantes deste século e vem demonstrar que o Direito Internacional, como sistema, é possível desde que a cooperação supere o conceito de soberania.

A necessidade de defesa ditou as regras iniciais, com o Tratado de Bruxelas, de 1948, que instituiu uma organização composta da Grã-Bretanha, França, Bélgica, Holanda e Luxemburgo, e que mais tarde tornar-se-ia a União da Europa Ocidental - UEO -, comportando o compromisso de assistência automática em caso de agressão armada na Europa.

Depois de receber ajuda americana, foi realizado o Tratado do Atlântico Norte - OTAN -, em 4.4.1949. Paralelamente, e a partir daí, foram surgindo, no campo econômico e político, vários acordos, como o da Organização Europeia de Cooperação Econômica - OECE, em 15.4.1948, a substituição desta pela OCDE - Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico, em 14.12.1968. Em 5.5.1949, foi criado o Conselho da Europa, com sede em Estrasburgo, tendo por Estados componentes: França, Grã--Bretanha, Bélgica, Holanda, Luxemburgo, Irlanda, Itália, Dinamarca, Suécia e Noruega.

Seu objetivo era a "união mais estreita entre os membros, a fim de salvaguardar e promover os ideais e princípios que são seu patrimônio comum e de favorecer o respectivo progresso econômico e social" (art. 1º da Convenção de Londres).

Em 18.4.1951, veio a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço - CECA -, pelo Tratado de Paris, entrando em vigor em 1952. Elegeu-se o setor siderúrgico para o início do processo de integração política.

Essa Comunidade foi o passo mais significativo para a Comunidade Europeia, porque os Estados iam abdicando de parte de sua soberania para a instituição comunitária e criando bases comuns de desenvolvimento para diversos setores econômicos, além de contribuir para o aumento do emprego e do nível de vida, com um mercado comum.

Essa instituição fundiu-se com a Comunidade Econômica Europeia, apresentando por escopo um exército europeu subordinado à OTAN. Nasceu a CED - Comunidade Europeia Ocidental, em 1954, que, após a queda do Muro de Berlim e a desintegração do bloco soviético, voltou a ser repensada.

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Temos, finalmente, a EURATOM (CEEA), Comunidade Europeia de Energia Atômica, 1957, que, juntamente com a CEE, tem por finalidade o desenvolvimento da indústria nuclear.

Três organizações, portanto, compõem a Comunidade Europeia na sua gestação histórica - CECA, CEE e CEEA -, cada uma com objetivos e instituições delineadas, que se fundiram em 1965 pelo Tratado de Bruxelas, que instituiu um Conselho Único e uma Comissão Única das Comunidades.

Importante, ainda, o Ato Único Europeu, que entrou em vigor em 1.7.1987, procedendo à revisão dos três tratados comunitários, e tratou das questões do mercado interno e política comum, estabelecendo progressivamente o referido mercado, com o término programado para 31.12.1992.

Acrescente-se o Tratado de Maastricht de 7.2.1992 (Tratado da União Europeia), que consolidou os Espaços Comunitários e a Política Externa de Segurança Comum (PESC) entre outros pontos; o Tratado de Amsterdã de 18.6.1997, que modifica o Tratado da União; o Tratado de Nice, de 26.2.2001, que contém versões consolidadas do Tratado da União e dos Tratados Constitutivos.

Em 12.2001, encomendou-se um Projeto de Constituição para a Europa que foi aprovado em Roma em 29.10.2004, dando início a um longo processo de ratificação pelos membros da União.

Há ainda o Tratado de Lisboa de 1.12.2009 que confere à U.E. instituições modernas, altera os Tratados da União Europeia e da Comunidade Europeia, dá maior participação dos parlamentos nacionais, maior relevância aos cidadãos, maior eficiência no processo de tomada de decisões, cria a função de presidente do Conselho, dá mais poderes aos cidadãos, reforça as liberdades política, econômica e social e toma providências para maior transparência e representatividade da U.E.

O Reino Unido, por votação de seus cidadãos em 23.6.2015, resolveu sair da União Europeia (Brexit - formado pela união de Britain/Grã-Bretanha e exit/saída) o que produzirá incontáveis consequências comerciais e políticas, entendendo-se a saída demorará ao longo de um período de dois anos (art. 50 do Tratado de Lisboa). Na verdade, o Reino Unido continuará na União Européia com acesso ao mercado único, mantendo as obrigações e privilégios anteriores ao plebiscito. Assim, tudo o que dissemos em relação ao Direito da Integração e à União Europeia, em particular continua válido. A teoria da matéria conferida neste Capítulo é esta, e o desmembramento de um co-partícipe dessa União provoca e provocará certamente muitas mudanças no relacionamento, mas enquanto existir o bloco, e tudo faz crer que continuará, as regras são as atualmente postas.

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Com isso, o Reino Unido deixará de fazer parte dos tratados que a União Europeia celebra e terá outros efeitos nos seus relacionamentos internacionais, que não passam por um rompimento com os demais países, e sim com novos interesses, ora priorizados pelos seus cidadãos.

É fato que o Reino Unido perderá acesso ao mercado único. Sem impostos nem tarifas comerciais o quadro dos relacionamentos ficará mais difícil, uma vez que esta é a base da economia europeia. Tal referendo (Brexit) poderá desestimular o bloco e/ou influenciar outros países.

2. Realizações

O mercado interno vem ali conceituado como um espaço sem fronteiras, com livre circulação de mercadorias, pessoas, serviços e capitais.

A Comunidade Europeia é produto de longa evolução, legitimidade que nem sempre as criações normativas internas possuem. Começou com Alemanha, França, Itália, Países Baixos, Bélgica e Luxemburgo, obtendo em 1972 a adesão do Reino Unido, Dinamarca e Irlanda - Tratado de Adesão de Egmont. Em 1979, aderiu a Grécia, e em 1985, Portugal e Espanha. Em janeiro de 1995, aderiram a Áustria, Finlândia e Suécia, num total de quinze países.

Em 1º.5.2004, entraram os seguintes países: Chipre, Eslováquia, Eslovênia, Estônia, Hungria, Letônia, Lituânia, Malta, Polônia e República Checa.

Em 2007 entraram para a União Europeia a Bulgária e a Romênia. São candidatos a entrar para o bloco a Macedônia, a Croácia e a Turquia.

É uma realidade que passou a desempenhar o papel de grande potência econômica com a previsão de 499,7 milhões de habitantes para janeiro de 2009 com a unificação alemã, liderando o comércio internacional.

Algumas realizações já ocorreram, a saber: a) livre circulação dos trabalhadores, conseguida em 1968; b) direitos dos trabalhadores e família de entrar e permanecer em outro Estado membro; c) mobilidade profissional; d) acesso à reconversão profissional, subsídio de instalação em novo emprego, mantendo o nível de remuneração quando o emprego for reduzido ou suspenso - desde 1960; e) igualdade na remuneração, acesso ao emprego e formação entre homens e mulheres, em 1975; f) segurança e ambiente de trabalho, em 1978; g) ampliação do papel do CES - Conselho Econômico e Social, como instituição comunitária, no seu caráter consultivo.

Observe-se que a preocupação é grande com o tema social, sendo que, desde 1985, o CES, juntamente com outros órgãos, vem desenvolvendo grandes esforços para...

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