A União Estável nas Leis Nº 8.971/94, 9.278/96 e no Código Civil Brasileiro de 2002
Autor | Tarlei Lemos Pereira |
Páginas | 129-188 |
“...e você amada amante
faz da vida um instante
ser demais para nós dois
esse amor sem preconceito
sem saber o que é direito
faz as suas próprias leis...”
(Composição: Roberto Carlos/ Erasmo Carlos – 1971)
C A P Í T U L O V
E NO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO DE 2002
Sumário: 5.1 Concubinato e União Estável. Escorço histórico; 5.2 A união estável
quisitos para conguração da união estável; 5.3.1 Convivência; 5.3.2 Ausência de
formalismo; 5.3.3 Diversidade de sexos; 5.3.4 Unicidade de vínculo; 5.3.5 Estabi-
lidade do relacionamento; 5.3.6 Continuidade; 5.3.7 Publicidade; 5.3.8 Objetivo de
constituição de família; 5.3.9 Inexistência de impedimentos matrimoniais; 5.4 Dis-
tinção entre convivente (companheiro), concubino, amante e namorado; 5.5 Meação
polêmica sobre a subsistência das “leis da união estável”
Com a edição da Lei nº 8.971/94, regulou-se o “direito dos companheiros a
1 O Ministro da Justiça do governo Sarney, J. Saulo Ramos, fez a seguinte crítica à Lei nº 8.971/94,
a qual intitulou de ‘Lei Piranha’: “(...) uma lei como esta, horizontal e barregã, consagrando os cafetões, os
amancebados e os barregueiros, voltada contra as instituições do direito de família, compromete irr emediavelmente o
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C a p í t u l o V
De maneira atécnica, estabeleceram-se alguns elementos da união estável, tais
como (a) a convivência entre homem e mulher, não impedidos de casarem-se ou
separados judicialmente; (b) por mais de cinco anos; (c) ou tendo lho; e (d) en-
quanto não constituírem nova união.
Daí Álvaro Villaça Azevedo ter denido a união estável, à época, como, “a
convivência, por mais de cinco anos ou até a existência de lho comum, entre homem e mulher,
não impedidos de casarem-se ou separados judicialmente, mantendo uma única família”2.
Essa lei concedia a esses casais direitos recíprocos a alimentos, a quem deles
necessitasse, além de direitos sucessórios, conforme será visto no item 5.6.
concubinária propriamente, a convivência duradoura4, pública e contínua, de um
homem e de uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família.
Entretanto, não dispôs a referida lei sobre prazo certo para a existência da união
estável, deixando a critério do magistrado, na análise do caso concreto, a verica-
ção dessa espécie de união de fato.
No tocante à aquisição patrimonial, a lei estabeleceu, no artigo 5º, que não
havendo estipulação em contrato escrito, os bens móveis e imóveis adquiridos,
onerosamente, por um ou por ambos os concubinos, no período em que durar a
união estável, são considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, per-
tencendo a ambos, em condomínio e em partes iguais5.
Legislativo, que somente se salvará na rápida revogação. E agora, nesta semana, acaba de sair nova lei (ainda não
tem número), que admite a amigação através de contrato em cartório e regula novos direitos dos ‘conviventes’, de forma
diversa da outra. Temos, pois, estatutos jurídicos para a cafetinagem, para os conviventes e, por último, desbotado e
inexpressivo, o Código Civil regulando o casamento à moda antiga.” (Aut. cit. A ‘Lei Piranha’ ou o m do
casamento à moda antiga. In: jornal Folha de S. Paulo. publicado em 21.03.1995. pp. 1-3)
2 Aut. cit. Estatuto da Família de Fato. 2ª edição. São Paulo: Atlas, 2002. p. 327.
3 “(...) a Lei nº 9.278/96 não revogou expressamente a Lei nº 8.971/94, entendendo-se que esta continuou
em vigor.” (CARVALHO NETO, Inacio Bernardino de. A evolução do direito sucessório do
cônjuge e do companheiro no direito brasileiro: da necessidade de alteração do Código Civil.
Tese de doutorado defendida na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Orient.:
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. 2005. p. 123)
4 Já se decidiu: “Convivente, pessoa de idade avançada, com diculdades de expressão. Circunstância que não
representa óbice para o reconhecimento da união. Fato jurídico que independe da manifestação de vontade de agente
capaz para sua implementação. Necessidade apenas do preenchimento de pressupostos consolidados pela doutrina
e jurisprudência, derivados da convivência duradoura do casal.” (TJRS – RT, 795:353)
5 O referido dispositivo legal provocou a seguinte manifestação do professor Luiz Edson Fachin:
“Como o estatuto jurídico da convivência se funda num pacto, a este caberá regular o fruto do trabalho e da colaboração
comum. De qualquer modo, o sentido básico da meação está no art. 5º da nova Lei nº 9.278/96, embora se reporte
à aquisição a título oneroso, enquanto o art. 3º da lei anterior se referia apenas à colaboração na atividade. Mesmo
assim, inexiste aí incongruência. Aqui, percebe-se, os dispositivos se completam, havendo compatibilidade. É certo
que diante do novo texto, por força da lei e se nada pactuarem, tornam-se condôminos. Limita-se o universo desse
condomínio à aquisição onerosa, o que signica excluir doações ou herança recebida por qualquer dos conviventes.”
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A união estável nAs leis nºs 8.971/94, 9.278/96 e no Código Civil BrAsileiro...
Outrossim, no que pertine à assistência material, o artigo 7º da Lei nº 9.278/96
previu, além do direito à prestação alimentar, a ser paga pelo convivente culpado
ao inocente, quando ele necessitar desse pensionamento, o direito real de habi-
tação do imóvel destinado à família6, enquanto o convivente supérstite viver ou
não constituir nova união ou casamento (o direito real de habitação consiste na
utilização gratuita de imóvel alheio; o titular desse direito deverá residir, com sua
família, nesse imóvel, não podendo alugá-lo ou emprestá-lo).
O Código Civil de 2002, a seu turno, dedicou apenas cinco artigos à união
estável (1.723 a 1.727), tendo sido ela denida como a entidade familiar entre
homem e mulher, congurada na convivência pública, contínua e duradoura e
estabelecida com o objetivo de constituição de família7.
Restou expresso no Código Reale, ainda, que as relações não eventuais entre
o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato (artigo 1.727)8.
Logo, é bom frisar, ao lado da união estável, continua a existir hodiernamente o
concubinato, na sua forma pura ou impura, conforme veremos com maior vagar
na sequência.
5.1
CONCUBINATO E UNIÃO ESTÁVEL. ESCORÇO HISTÓRICO
Ao partirmos do conceito etimológico da palavra concubinato, temos que ela
descende do vocábulo latino concubinatus, us, que, então, já signicava mancebia,
amasiamento, abarregamento, do verbo concumbo, is, ubui, ubitum, ere ou concubo, as,
bui, itum, are (derivado do grego), cujo sentido é o de dormir com outra pessoa,
copular, deitar-se com, repousar, descansar, ter relação carnal, estar na cama. Tam-
bém, apresenta-se esse vocábulo com dois sentidos: o amplo ou lato, a signicar
toda e qualquer união sexual livre; e o estrito, a mostrar-se como união duradoura,
(Aut. cit. Elementos críticos do direito de família: curso de direito civil. Rio de Janeiro: Re-
novar, 1999. p. 86)
6 Confor me ressalta Claudia Grieco Tabosa Pessoa, “o direito de habitação nasce independentemente do
direito de participação do convivente na sucessão e só tem cabimento quando ao convivente não cabe a totalidade
da herança, porquanto inadmissível a sua constituição quanto a bens que lhe pertençam por força da herança.
(...) tanto para os cônjuges quanto para os conviventes o direito real de habitação fundamenta-se na proteção do
sobrevivo, evitando-se o deslocamento da família enquanto não vier a contrair nova união.” (Aut. cit. Efeitos
patrimoniais do concubinato. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 240)
7 Marco Aurélio S. Viana dene a união estável como sendo “a convivência entre homem e mulher, ali-
cerçada na vontade dos conviventes, de caráter notório e estável, visando a constituição de família”. (Aut. cit. Da
União Estável. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 29)
8 Código Civil, artigo 1.727 – “As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, cons-
tituem concubinato.”
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