A União Estável nas Leis Nº 8.971/94, 9.278/96 e no Código Civil Brasileiro de 2002

AutorTarlei Lemos Pereira
Páginas129-188
“...e você amada amante
faz da vida um instante
ser demais para nós dois
esse amor sem preconceito
sem saber o que é direito
faz as suas próprias leis...”
(Composição: Roberto Carlos/ Erasmo Carlos – 1971)
C A P Í T U L O V
A UNIÃO ESTÁVEL NAS LEIS Nº 8.971/94, 9.278/96
Sumário: 5.1 Concubinato e União Estável. Escorço histórico; 5.2 A união estável
como entidade familiar (artigos 1.723 a 1.727 do Código Civil Brasileiro); 5.3 Re-
quisitos para conguração da união estável; 5.3.1 Convivência; 5.3.2 Ausência de
formalismo; 5.3.3 Diversidade de sexos; 5.3.4 Unicidade de vínculo; 5.3.5 Estabi-
lidade do relacionamento; 5.3.6 Continuidade; 5.3.7 Publicidade; 5.3.8 Objetivo de
constituição de família; 5.3.9 Inexistência de impedimentos matrimoniais; 5.4 Dis-
tinção entre convivente (companheiro), concubino, amante e namorado; 5.5 Meação
e regime de bens na união estável (artigo 1.725 do Código Civil Brasileiro); 5.6 As
Leis nº 8.971/94, 9.278/96 e a então previsão de sucessão do convivente falecido. A
polêmica sobre a subsistência das “leis da união estável”
Com a edição da Lei nº 8.971/94, regulou-se o “direito dos companheiros a
alimentos e à sucessão1, disciplinando-se, pela primeira vez, o § 3º do artigo 226 da
1 O Ministro da Justiça do governo Sarney, J. Saulo Ramos, fez a seguinte crítica à Lei nº 8.971/94,
a qual intitulou de ‘Lei Piranha’: “(...) uma lei como esta, horizontal e barregã, consagrando os cafetões, os
amancebados e os barregueiros, voltada contra as instituições do direito de família, compromete irr emediavelmente o
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C a p í t u l o V
De maneira atécnica, estabeleceram-se alguns elementos da união estável, tais
como (a) a convivência entre homem e mulher, não impedidos de casarem-se ou
separados judicialmente; (b) por mais de cinco anos; (c) ou tendo lho; e (d) en-
quanto não constituírem nova união.
Daí Álvaro Villaça Azevedo ter denido a união estável, à época, como, “a
convivência, por mais de cinco anos ou até a existência de lho comum, entre homem e mulher,
não impedidos de casarem-se ou separados judicialmente, mantendo uma única família”2.
Essa lei concedia a esses casais direitos recíprocos a alimentos, a quem deles
necessitasse, além de direitos sucessórios, conforme será visto no item 5.6.
Já a Lei nº 9.278/963 reconheceu, em seu artigo 1º, como união estável ou
concubinária propriamente, a convivência duradoura4, pública e contínua, de um
homem e de uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família.
Entretanto, não dispôs a referida lei sobre prazo certo para a existência da união
estável, deixando a critério do magistrado, na análise do caso concreto, a verica-
ção dessa espécie de união de fato.
No tocante à aquisição patrimonial, a lei estabeleceu, no artigo 5º, que não
havendo estipulação em contrato escrito, os bens móveis e imóveis adquiridos,
onerosamente, por um ou por ambos os concubinos, no período em que durar a
união estável, são considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, per-
tencendo a ambos, em condomínio e em partes iguais5.
Legislativo, que somente se salvará na rápida revogação. E agora, nesta semana, acaba de sair nova lei (ainda não
tem número), que admite a amigação através de contrato em cartório e regula novos direitos dos ‘conviventes’, de forma
diversa da outra. Temos, pois, estatutos jurídicos para a cafetinagem, para os conviventes e, por último, desbotado e
inexpressivo, o Código Civil regulando o casamento à moda antiga.” (Aut. cit. A ‘Lei Piranha’ ou o m do
casamento à moda antiga. In: jornal Folha de S. Paulo. publicado em 21.03.1995. pp. 1-3)
2 Aut. cit. Estatuto da Família de Fato. 2ª edição. São Paulo: Atlas, 2002. p. 327.
3 “(...) a Lei nº 9.278/96 não revogou expressamente a Lei nº 8.971/94, entendendo-se que esta continuou
em vigor.” (CARVALHO NETO, Inacio Bernardino de. A evolução do direito sucessório do
cônjuge e do companheiro no direito brasileiro: da necessidade de alteração do Código Civil.
Tese de doutorado defendida na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Orient.:
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. 2005. p. 123)
4 Já se decidiu: “Convivente, pessoa de idade avançada, com diculdades de expressão. Circunstância que não
representa óbice para o reconhecimento da união. Fato jurídico que independe da manifestação de vontade de agente
capaz para sua implementação. Necessidade apenas do preenchimento de pressupostos consolidados pela doutrina
e jurisprudência, derivados da convivência duradoura do casal.” (TJRS – RT, 795:353)
5 O referido dispositivo legal provocou a seguinte manifestação do professor Luiz Edson Fachin:
“Como o estatuto jurídico da convivência se funda num pacto, a este caberá regular o fruto do trabalho e da colaboração
comum. De qualquer modo, o sentido básico da meação está no art. 5º da nova Lei nº 9.278/96, embora se reporte
à aquisição a título oneroso, enquanto o art. 3º da lei anterior se referia apenas à colaboração na atividade. Mesmo
assim, inexiste aí incongruência. Aqui, percebe-se, os dispositivos se completam, havendo compatibilidade. É certo
que diante do novo texto, por força da lei e se nada pactuarem, tornam-se condôminos. Limita-se o universo desse
condomínio à aquisição onerosa, o que signica excluir doações ou herança recebida por qualquer dos conviventes.”
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A união estável nAs leis nºs 8.971/94, 9.278/96 e no Código Civil BrAsileiro...
Outrossim, no que pertine à assistência material, o artigo 7º da Lei nº 9.278/96
previu, além do direito à prestação alimentar, a ser paga pelo convivente culpado
ao inocente, quando ele necessitar desse pensionamento, o direito real de habi-
tação do imóvel destinado à família6, enquanto o convivente supérstite viver ou
não constituir nova união ou casamento (o direito real de habitação consiste na
utilização gratuita de imóvel alheio; o titular desse direito deverá residir, com sua
família, nesse imóvel, não podendo alugá-lo ou emprestá-lo).
O Código Civil de 2002, a seu turno, dedicou apenas cinco artigos à união
estável (1.723 a 1.727), tendo sido ela denida como a entidade familiar entre
homem e mulher, congurada na convivência pública, contínua e duradoura e
estabelecida com o objetivo de constituição de família7.
Restou expresso no Código Reale, ainda, que as relações não eventuais entre
o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato (artigo 1.727)8.
Logo, é bom frisar, ao lado da união estável, continua a existir hodiernamente o
concubinato, na sua forma pura ou impura, conforme veremos com maior vagar
na sequência.
5.1
CONCUBINATO E UNIÃO ESTÁVEL. ESCORÇO HISTÓRICO
Ao partirmos do conceito etimológico da palavra concubinato, temos que ela
descende do vocábulo latino concubinatus, us, que, então, já signicava mancebia,
amasiamento, abarregamento, do verbo concumbo, is, ubui, ubitum, ere ou concubo, as,
bui, itum, are (derivado do grego), cujo sentido é o de dormir com outra pessoa,
copular, deitar-se com, repousar, descansar, ter relação carnal, estar na cama. Tam-
bém, apresenta-se esse vocábulo com dois sentidos: o amplo ou lato, a signicar
toda e qualquer união sexual livre; e o estrito, a mostrar-se como união duradoura,
(Aut. cit. Elementos críticos do direito de família: curso de direito civil. Rio de Janeiro: Re-
novar, 1999. p. 86)
6 Confor me ressalta Claudia Grieco Tabosa Pessoa, “o direito de habitação nasce independentemente do
direito de participação do convivente na sucessão e só tem cabimento quando ao convivente não cabe a totalidade
da herança, porquanto inadmissível a sua constituição quanto a bens que lhe pertençam por força da herança.
(...) tanto para os cônjuges quanto para os conviventes o direito real de habitação fundamenta-se na proteção do
sobrevivo, evitando-se o deslocamento da família enquanto não vier a contrair nova união.” (Aut. cit. Efeitos
patrimoniais do concubinato. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 240)
7 Marco Aurélio S. Viana dene a união estável como sendo “a convivência entre homem e mulher, ali-
cerçada na vontade dos conviventes, de caráter notório e estável, visando a constituição de família”. (Aut. cit. Da
União Estável. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 29)
8 Código Civil, artigo 1.727 – “As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, cons-
tituem concubinato.”

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