Uma visão geral: a construção das sociedades empresárias e a influência da responsabilidade dos sócios

AutorFernando Schwarz Gaggini
Ocupação do AutorAdvogado e professor universitário. Pós-graduado/especialista em Direito Mobiliário (Mercado de Capitais) e Mestre em Direito Comercial pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
Páginas47-56

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O estudo histórico realizado no capítulo anterior é o ponto de partida para identificarmos, dentro dos citados estágios evolutivos, a importância do fator "responsabilidade dos sócios". Assim, se por vezes a inserção de comentários históricos, em trabalhos acadêmicos, tem uma função secundária (figurando mais como um fator de curiosidade), no âmbito do presente trabalho o estudo histó-rico é elemento central para embasar parte dos argumentos que serão expostos, em especial porque um dos aspectos que se busca colocar em evidência é o de que o atual cenário societário (e por consequência as respectivas regras que lhe envolvem) não é criação isolada de alguns poucos legisladores imaginativos, mas, sim, resultado de todo um processo histórico, que vagarosamente concebeu estruturas construídas a partir de exigências concretas da realidade

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comercial, aspecto esse que a revisão histórica permite colocar em destaque. Como observou Rachel Sztajn, "as formas ou tipos das sociedades comerciais foram resultado de uma evolução histórica impulsionada por razões econômicas e jurídicas (...) todos são resposta a determinadas condições conjunturais socioeconômicas"1.

Assim, se hoje a questão da eficiência ou conveniência dos limites à responsabilidade patrimonial dos sócios é, por vezes, colocada em discussão, é importante recolocar sob enfoque toda a construção histórica que justificou o desenvolvimento de tais mecanismos.

Quanto à validade do estudo histórico do Direito Comercial como forma de compreender e analisar a situação atual, já dissera Carvalho de Mendonça:

"[para] se explicarem os institutos existentes, depois de transformados ou modificados pela evolução econômica, moral e social, torna-se indispensável apreciar sua história. [Ainda em suas palavras:] para afastar erros, tornar inteligíveis e justificar os institutos de direito comercial, mostrando a influência das variadas correntes que o têm orientado e, ainda, alterado a sua estrutura, não há demonstração que valha a exposição de fatos históricos, a apresentação do quadro da vida passada, compreendendo todos os elementos sociais, que atravessaram contínuas transformações."2Cabe, nessa ótica, destacarmos ao longo do processo de construção das estruturas societárias, a influência exercida pelo fator "responsabilidade dos sócios" na modelagem dos tipos societários.

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Nesse sentido, observando a história das sociedades comer-ciais, notamos que o tipo mais básico que configura a ideia de associação é da sociedade em nome coletivo que, quando concebida na Idade Média, poderia ser tomada como uma reunião de comerciantes destinada a facilitar a organização e exploração das atividades mercantis, por intermédio da qual todos os sócios seriam responsáveis e em decorrência garantidores das obrigações sociais, com a totalidade de seus patrimônios individuais.

Contudo, não obstante ser a sociedade em nome coletivo a forma mais básica e evidente de associação entre os comerciantes, não tardou a que o referido modelo passasse a ser relegado a segundo plano, em favor de outras formas associativas que se mostrassem mais adequadas aos interesses, em uma análise de risco e retorno, dos comerciantes. De fato, como observado no capítulo I, concomitantemente ao surgimento da sociedade em nome coletivo se observou o desenvolvimento também de uma estrutura alternativa, que viria a caracterizar, posteriormente, a sociedade em comandita, que visava, justamente, suprir (ou corrigir) alguns dos problemas práticos presentes na sociedade coletiva e atender a anseios e demandas sociais. Em especial, notou-se que a sociedade embrionária da comandita permitia a participação de sócios "investidores", sem exigir-lhes envolvimento direto na administração do negócio social, mas atribuindo-lhes os benefícios do anonimato (face ao desconhecimento por terceiros quanto à condição de sócio investidor) e a limitação do risco ao montante investido, em contrapartida ao sócio comerciante que, por explorar diretamente o negócio e expor-se publicamente, assumia responsabilidade integral pelas obrigações sociais.

Note-se que, nesse estágio histórico, não estamos tratando de construções legislativas, mas ainda analisando o campo dos costumes do comércio (visto que os tipos mencionados são de surgimento originário e espontâneo da prática mercantil). Portanto, tais características não foram "artificialmente" introduzidas nas

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sociedades da época, por força de lei, mas floresceram naturalmente frente às necessidades e reivindicações dos mercadores e investidores, como resposta às condições conjunturais e sociais então vigentes.

De fato, a criação da figura do sócio investidor nessa sociedade em comandita embrionária acabou se prestando a atender aos interesses, de um lado, de investidores que precisavam do anonimato (em razão da posição social ou religiosa que detinham), bem como, de outro lado, de investidores que, por não participarem da exploração ou administração da atividade, buscavam estabelecer um limite de risco para o investimento, elementos que a sociedade...

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