Uma visão crítica da cooperação sul-sul: práticas, atores e narrativas

AutorEnara Echart Muñoz
CargoDoutora em Direito Internacional Público e Relações Internacionais pela Universidad Complutense de Madri (UCM. Atualmente é Professora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), onde coordena o GRISUL (Grupo de Relações Internacionais e Sul Global). Também é Pesquisadora do LABMUNDO (IESP-UERJ), do Latitude Sul e do Instituto...
Páginas138-163
https://cadernosdoceas.ucsal.br/
Cadernos do CEAS, Salvador/Recife, n. 241, p. 392-417, mai./ago., 2017 | ISSN 2447-861X
UMA VISÃO CRÍTICA DA COOPERAÇÃO SUL-SUL: PRÁTICAS,
ATORES E NARRATIVAS
1
A critical vision of South-South Cooperation: practices, actors and narratives
Enara Echart Muñoz
Doutora em Direito Internacional Público e Relações
Internacionais pela Universidad Complutense de
Madri (UCM. Atualmente é Professora da
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
(UNIRIO), onde coordena o GRISUL (Grupo de
Relações Internacionais e Sul Global). Também é
Pesquisadora do LABMUNDO (IESP-UERJ), do
Latitude Sul e do Instituto Universitario de
Desarrollo y Cooperación da Universidad
Complutense de Madri. É co-diretora da Série
Desarrollo y Cooperación da Editora Los Libros de
La Catarata. Participa e coordena vários projetos de
pesquisa, de extensão e é membro de redes
nacionais e internacionais relacionadas ao estudo
das Relações Internacionais e da Cooperação
Internacional para o Desenvolvimento (como o GT
CLACSO sobre Cooperação Sul-Sul e Políticas de
Desenvolvimento na América Latina). Seus
principais âmbitos de atuação são Relações
Internacionais; Cooperação para o
Desenvolvimento; Direitos Humanos; Movimentos
Sociais e Sociedade Civil, Migrações e
Desenvolvimento, África, América Latina. Jovem
Cientista do Nosso Estado (FAPERJ) e bolsista de
Produtividade em Pesquisa da UNIRIO desde 2016.
País de origem: Espanha.
E-mail: enara.munoz@unirio.br
Informações do artigo
Recebido em 18/03/2017
Aceito em 07/05/2017
Resumo
O ressurgimento das práticas de cooperação Sul-Sul
(CSS) na última década gerou um intenso otimismo
sobre as novas formas de cooperação para o
desenvolvimento, mas também um debate sobre em
que medida estas práticas realmente redimensionam
o panorama internacional, alteram as relações Norte-
Sul e oferecem novas solidariedades e oportunidades
de desenvolvimento. O espaço internacion al parece
estar aberto a vozes mais p lurais, mas boa parte dos
países e povos do Sul ainda permanecem excluídos
dos principais debates e instituições. Neste artigo,
utilizando o caso da CSS brasileira como exemplo,
analisamos as causas e impactos que essa
incorporação/exclusão de atores, a partir de uma
visão crítica das disputas e dos sentidos da
cooperação no tocante às práticas, aos atores e às
narrativas, para recuperar alguns debates em torno
ao desenvolvimento que nos parecem centrais. Para
isso, parece-nos insuficiente entender essa
cooperação internacional unicamente a partir da
análise da política externa, já que não é poss ível
separar essa política e a ação dos Estados da ordem
global na qual estão inseridos: o sistema
internacional de cooperação para o desenvolvimento
atua não somente como um conjunto de atores,
instituições e normas, mas também como sistema de
legitimação da hegemonia na atual ordem global.
Diante disso, uma possível renovação do Espírito de
Bandung, que deu origem à CSS, exige articular os
atores de um Sul Global cujas práticas
emancipatórias entrelaçam narrativas solidárias
alternativas.
Palavras-Chave: Cooperação Sul-Sul.
Desenvolvimento. Brasil. Movimentos sociais.
O ressurgimento das práticas de cooperação Sul-Sul (CSS) na última década gerou um
intenso otimismo a respeito das novas formas adotadas na cooperação para o
desenvolvimento, ao mesmo tempo em que inaugurou o debate sobre em que medida essas
práticas realmente redimensionam o panorama internacional, alteram as relações Norte-Sul
e oferecem novas solidariedades e oportunidades de desenvolvimento. Indubitavelmente,
abrir o espaço internacional a vozes mais plura is, que possam participar da definição de
agendas globais, supõe um grande avanço em um sistema internacional altamente desigual.
1
Uma versão deste artigo foi publicada em espanhol em livro editado pela CLACSO.
Cadernos do CEAS, Salvador/Recife, n. 241, p. 392-417, mai./ago., 2017 | ISSN 2447-861X
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Uma visão crítica da Cooperação Sul-Sul: práticas, atores e narrativas | Enara Echart Muñoz
Mas também pode gerar novas rupturas, na medida em que boa parte dos países e povos do
Sul permanecem excluídos dos debates e instituições que constituem esse sistema.
Neste artigo, utilizando o caso da CSS brasileira como exemplo, analisamos as causas
e impactos que essa incorporação/exclusão de atores te m nas práticas e narrativas da
cooperação e no próprio sistema internacional de cooperação para o desenvolvimento. Para
isso, parece-nos insuficiente entender, como é habitual, a cooperação internacional para o
desenvolvimento e, em especial, a CSS unicamente a partir da análise da política externa,
já que não é possível separar essa política e a ação dos Estados da ordem global na qual estão
inseridos. O sistema internacional de cooperação para o desenvolvimento atua não somente
como um conjunto de atores, instituições e normas, mas também como sistema de
legitimação da hegemonia na atual ordem global (COX, 1996).
A partir desses pressupostos iniciais, pretendemos oferecer uma visão crítica das
disputas e dos sentidos da CSS no tocante às práticas, aos atores e às narrativas, para
recuperar alguns debates que nos parecem centrais. Em primeiro lugar, o campo do
desenvolvimento como território em disputa e de disputas acerca de seu alcance e
significados. Trata-se de romper com o pressuposto hegemônico de uma única visão do
desenvolvimento, baseada no modelo capitalista extrativista, desviando do debate suas
consequências sociais e ambientais para os povos do Sul e as práticas de resistência e
solidariedade que estes estão desenvolvendo para contestá-lo.
Isto implica ampliar o campo dos atores para além do Estado, de modo a incluir todo
o complexo de relações políticas, econômicas e sociais que se dão tanto no interior dos
Estados como transnacionalmente. Apesar de se apresentar como essencialmente estatal, as
associações público-privadas estão ganhando peso na cooperação internacional, ao mesmo
tempo em que se excluem os atores sociais que disputam as consequências do modelo
dominante. Essa exclusão, justificada com diversos argument os que vão d esde o
econômico ao patriótico , termina invisibilizando as possibilidades transformadoras das
formas sociais de contestação contra-hegemônica.
Por isso, diante d a hegemonia de um discurso desenvolvimentista baseado no
crescimento econômico como única saída para a cobertura das necessidades básicas da
população, consideramos importante debater as possibilidades e os desafios que a atual CSS
tem no impulso de processos de desenvolvimento inclusivos. Isso supõe levar em conta as
demandas, necessidades e direitos de grande parte da população mundial que ainda se

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