Uma revolução conservadora dos intelectuais (Brasil/2002-2016)

AutorLidiane Soares Rodrigues
CargoDoutora em História Social pela Universidade de São Paulo (USP)
Páginas277-312
DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2017v17n39p277/
277277– 312
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Uma revolução conservadora dos
intelectuais (Brasil/2002–2016)
Lidiane Soares Rodrigues1
Quanto mais grosseiras são as produções do espírito
estudadas pela Sociologia, tanto mais finos precisam tornar-se os
procedimentos que visam dar conta dos efeitos de tais fenômenos.
(Theodor Adorno)
Apesar da ditadura de direita, há relativa
hegemonia cultural de esquerda no país.
(Roberto Schwarz)
Resumo
Desde 2002, um mercado de reações às gestões presidenciais petistas estabeleceu-se, tanto
por meio dos suportes das mídias convencionais mescladas às ultra contemporâneas quanto
da produção social de intelectuais duplamente híbridos: trata-se de jornalistas-professores e de
professores-jornalistas. Este artigo pretende caracterizar a dinâmica das trocas estabelecida entre
os agentes desse mercado. O foco incidirá sobre Olavo de Carvalho; Demétrio Magnoli; Mar-
co Antonio Villa; Reinaldo Azevedo; Luiz Felipe Pondé; Rodrigo Constantino; Leandro Karnal.
A análise se desenvolverá em três movimentos: apresentará as classificações, os enquadramentos
e algumas demandas que eles têm recebido por parte de adversários, contratantes e clientelas. Em
seguida, realizará a sociogênese do espaço e dos agentes, resultantes da estruturação do sistema
nacional ensino e de pesquisa, assim como da indústria cultural, ocorridos desde os anos 1970,
a fim de caracterizar o princípio gerador de suas tomadas de posição políticas e culturais. Por fim,
discutirá o enquadramento sociológico adotado.
Palavras-chave: Campo intelectual. Mercado de trocas simbólicas. Mídias. Indústria Cultural.“-
Nova Direita”.
1 Doutora em História Social pela Universidade de São Paulo (USP), professora adjunto do Departamento de
Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos (DCSo/UFSCar). Este trabalho apresenta resultados
iniciais de projeto financiado pelo CNPq Universal/Fevereiro, 2016 (Processo 401043/2016-9). Agradeço à
agência por esse benefício, a Dimitri Pinheiro, pelas finas sugestões, e a meus alunos de graduação em ciências
sociais, que se aventuraram nessa pesquisa em 2016.
Uma revolução conservadora dos intelectuais (Brasil/2002–2016) | Lidiane Soares Rodrigues
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Introdução
A conquista da Presidência da República pelo Partido dos Trabalhado-
res (PT) e suas três vitórias eleitorais sucessivas em âmbito federal (2006,
2010, 2014) provocaram uma reviravolta na topograa política. Enquanto
uma esquerda histórica, mediante exercício do poder executivo, transfor-
mou-se em “situação”, as direitas, ao lado das demais frações da esquer-
da, assumiram a “oposição”. Na esfera política, os partidos aliados e con-
correntes do PT, e, na esfera cultural, os intelectuais e artistas, históricos
apoiadores do PT ou críticos dele, foram instados a redenir suas maneiras
de intervenção face às posições políticas disponíveis. Este artigo trata de
um setor particular da reconguração do trabalho de dominação política
e produção simbólica daí oriunda – a saber: um mercado de reações às
gestões petistas, estabelecido tanto por meio dos suportes das mídias con-
vencionais mescladas às ultracontemporâneas quanto da produção social
de guras duplamente híbridas2. Os intelectuais que ofertam essas reações
são jornalistas-professores e professores-jornalistas (Quadro 1)3. Uns são
jornalistas de prossão, outros têm praticado o colunismo/comentarismo
político, mas se originam do sistema superior de ensino, do segmento das
humanidades.
2 Este artigo adota uma abordagem sociológica de temas que têm sido tratados por duas outras áreas: comuni-
cação e ciência política. Por adotar essa perspectiva, contudo, prefere empregar o termo mais neutro – “recur-
sos digitais” e web – a fim de evitar a carga das tomadas de posição conceituais implicadas em “cyberespaço”,
“blogosfera” e tantos outros, que dizem respeito àquelas áreas. Do mesmo modo, realizará a sociogênese tanto
dos agentes quanto das classificações – tomando relativa distância dos estudos politológicos que partem delas
sem colocá-las em suspensão.
3 Esta afirmação se baseia no Quadro 2, que sumariza os percursos prévios e as posições atuais.
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 17 - Nº 39 - Mai./Ago. de 2018
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Quadro 1 – Duplos híbridos:
jornalistas-professores e professores-jornalistas
Nomes e Tipos Formação acadêmica Atuação Rivais enunciados
(não exaustivo)
Olavo de Carvalho
(Campinas/SP, 1947)
Jornalista-Professor
Filosofia (bacharelado
não concluído no
Conpefil da PUC-RJ)
Concepção do curso de
Astrologia da PUC-SP
Jornalismo Leandro Konder;
Marilena Chauí;
Emir Sader
Demétrio Magnoli
(?/1958)
Jornalista-Professor
Jornalista (USP)
Geografia
(Doutorado/USP)
Jornalista
Autor de livros paradidáticos
de Geografia e História.
Marilena Chauí;
Renato Janine Ribeiro;
Emir Sader;
Hebe Matos
Marco Antonio Villa
(São José do Rio
Preto/SP, 1955)
Professor-Jornalista
Bacharel, Licenciado em
História (USP)
Mestre em Ciências
Sociais
Doutor em História
Curso de Economia não
concluído na PUC-SP
Professor do ensino médio;
Professor do curso de
História da UFOP (1985-
1994) e de Ciências Sociais
da UFSCar (1995-2013).
Autor de livros didáticos/
paradidáticos.
Marilena Chauí;
Marco Aurélio Garcia;
Renato Janine Ribeiro;
Fernando Haddad
Reinaldo Azevedo
(Dois Córregos/SP,
1961)
Jornalista-Professor
Jornalismo (Universidade
Metodista).
Foi aluno dos cursos de
Letras (USP).
Jornalista “Bonde do Foucault”;
Marilena Chauí
Luiz Felipe Pondé
(Recife/PE, 1959)
Professor-Jornalista
Filosofia “Pura” (USP)
Medicina (UFBA)
Professor do Departamento
de Teologia da PUC-SP
e do Departamento de
Humanidades da FAAP-SP.
“Marxistas”
“Marxismo
foucaultiano”
Rodrigo Constantino
(Rio de Janeiro/RJ,
1976)
Não se aplica
Economia (Formado
pela PUC-RJ; MBA em
Finanças/IBMEC)
Setor financeiro e em think
tanks.
Vladimir Safatle;
Miriam Leitão
Leandro Karnal
(Rio Grande do Sul/
São Leopoldo, 1963)
Professor-Jornalista
História (Universidade do
Cale do Rio dos Sinos-
UNISINOS/RS)
Graduação 1985_
Doutorado em História
(USP, 1994)
Professor de ensino médio
em escolas públicas e
particulares;
Professor (1998
– atualmente) do
Departamento de História
da Unicamp.
Trabalhou no Instituto
Cultural Banco de Santos.
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