Por uma retórica construtiva no Direito: esclarecimento e completude

AutorLourenço Torres
Ocupação do AutorAdvogado; mestrando em Teoria Geral, Sociologia e Filosofia do Direito na UFPE orientado pelo Dr. Torquato Castro Júnior
Páginas1149-1180
Special Workshop: VII Jornada Brasileira de Filosoa do Direito • 1149
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Esclarecimento e completude
Lourenço Torres1
Resumo: Este estudo faz um retrospecto do desenvolvimento da Retórica na
esfera jurídica. Questiona o conceito jurídico atual de retórica como tópica,
argumentação e persuasão. Sugere a retórica como um processo de construção
dalinguagemapartirdahistóriagregaeseuslósofosclássicosemparticular
ParmênideseHeráclitonoestabelecimentodastradiçõeslosócasontológica
e retórica. Conclui que a Retórica também é um método e uma análise que en-
volve fatores e níveis complexos na busca da tolerância.
Palavras-chaveFilosoadoDireitoHistóriadaFilosoaRetóricajurídica

Omeio ambiente signica um espaço vital perfeitamente limi-
tadosobre oqual seestabeleceum servivode formaespecícaO ser
humanonãopossuiessaespecializaçãoorgânicacomopossuemoutros
animais, então, para sobreviver, o homem tem de compensar esta fal-
ta de especialização com uma ação propriamente sua, que lhe permita
construir um mundo cultural, um “lugar” onde surjam as mais elevadas
realizações espirituais e culturais. Por isso, o homem cria um ambiente
na esfera da linguagem com todas as suas incertezas e nessa imprevisi-
bilidadelinguísticatodaespéciedeentendimentoanáliseouclassica-
ção torna esse ambiente uma adaptação vital. Embora tal adaptação não
melhore ou piore valorativamente o ser, quanto melhor seu domínio so-
breesseambientemaisbemsucedidooserhumanosesentiráousear-
mará2Daíaimportânciadoentendimentoretóricodentrodocomplexo
1
José Lourenço Torres Neto é advogado; mestrando em Teoria Geral, Sociologia e Filo-
soa do Direito na UFPE orientado pelo Dr. Torquato Castro Júnior; bacharel em Direi-
to e Pós-Graduado em Direito Processual Constitucional, Civil, Penal e Trabalhista pela
UNINASSAU campus Recife/PE; membro pesquisador do Grupo de Pesquisas sobre
Retórica na História das Idéias Jurídicas no Brasil da PPGD da UFPE coordenado pelo
Prof. Dr. João Maurício Adeodato.
2
A esse respeito ver GEHLEN, Arnold. Der Mensch. Seine Natur Und Seine Stellung
1150 • XXVI World Congress of Philosophy of Law and Social Philosophy
ambiente da linguagem humana para a compreensão do ser humano.
Além de se desconectar do ambiente, é por meio da linguagem
que se apreende o conhecimento. Certamente essa linguagem não con-
siste apenas de palavras, mas envolve signos e informações que de uma
formaoudeoutraconstroemalgumtipodeconhecimentoDoistermos
tentam descrever esse conhecimento: gnosiologiaqueo dicionáriode-
ne como um estudo ou uma “teoria do conhecimento” e, epistemologia,
denidocomoumconjuntodeconhecimentosquetemporobjetooco-
nhecimentocientícovisandoaexplicarosseuscondicionamentossis-
tematizando suas relações, esclarecendo seus vínculos e avaliando seus
resultados e aplicações”3Nalínguainglesanãohádistinçãoteóricaen-
tre gnosiologia e epistemologia como se encontra na língua portuguesa.
Epistemologia é uma espécie que pretende mais, pois é um metanível; é
umconhecimentoquesepretendemetódicoverdadeirosistemático
comumobjetodenidoNagnosiologiasetemoconhecimentovul-
garoconhecimentoemocionaloconhecimentofragmentárioODireito
faz parte desse tipo de conhecimento gnosiológico. Essa gnosiologia
vem da tradição ontológica ocidental iniciada por Parmênides, embora
muitosa atribuam a Descartes quenaverdadeé uma extensão eex-
pressão atualizada daquela. Para se entender melhor essa diferença, é
precisoadentrarnasorigensdoconhecimentoe doDireitoapartirdos
gregos antigos que perceberam e inseriram a Retórica para dentro de
uma teorização ou conceituação dessas matérias.
Logo, o objetivo deste texto é apresentar de forma resumida o
desenvolvimento da Retórica para compreender os paradigmas concei-
tuais sobre Retórica empregados na atualidade e como ela é entendida
principalmenteporoperadoresdoDireitoQuestionaoconceitojurídi-
co atual a respeito do uso da retórica como tópica, argumentação e per-
suasão. Além disso, analisa o preconceito popularizado onde pessoas
consideram a Retórica como uma mera arte de “falar bem” ou de “per-
suadirnãopoucasvezesrelacionadaàs faláciasmentiraseengodos
Paraissotoma comomarcos teóricoaretóricatripartidadeOmar
in Der Welt. Frankfurt: VK, 1993.
3
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da língua portu-
guesa. 3. ed. Curitiba: 2004. p. 774 e 988.
Special Workshop: VII Jornada Brasileira de Filosoa do Direito • 1151
Ballweg4 e as dimensões da retórica desenvolvidas por Adeodato5, aqui
denominadasdeníveisesuaslinhagensadvindasdalosoaretóri-
caclássicaPerpassapelahistóriagregaealgunslósofosclássicos em
particularParmênides Heráclito eAristóteles no estabelecimento das
tradiçõeslosócasontológicaeretóricaDefende atese deque atra-
diçãoretóricaéconstrutivanosentidodequepossibilitaatolerânciaeo
diálogomesmoem áreasdeconitocomoocorrenaseara doDireito
econclui que com essa nalidadea Retórica se apresenta comoum
métodoconstrutivopara a análise da linguagem do Direito com suas
complexidades.
Essetipodeanáliserepitasevaideencontroaumpreconceito
4
Ottmar Ballweg (nascido em 11 de março de 1828 na cidade de Hockenheim na Ale-
manha) é um jurista e lósofo alemão que substituiu eodor Viehweg na Universidade
Johannes Gutemberg de Mainz nas áreas de Filosoa jurídica e Sociologia jurídica di-
recionando seus estudos para a “pequena” escola de Retórica Jurídica juntamente com
Peter Schneider (1920 – 2002). Sob a inuência de Viehweg desenvolveu uma teoria
retórica como parte do movimento de losoa jurídica alemão, teoria esta com raízes
também na semiótica de Charles William Morris. Desde 1993 Ballweg está aposentado.
Seus principais livros são: Analytische Rhetorik: rhetorik, recht und philosophie (2009);
Rhetorische Rechtstheorie (1982); Rechtswissencha und jurisprudenz (1970); Zu einer
Lehre von der Natur der Sache (1963).
5
São três as dimensões ou metaníveis de retórica: material, estratégica e analítica.
Ballweg faz uma diferenciação entre: as retóricas materiais, com as quais são preenchi-
das as funções básicas da vida comum e que criam “as realidades em que vivemos”; as
retóricas práticas, que ensinam o emprego transcendente dos meios retóricos imanentes
à linguagem; e, a retórica analítica. Cf. BALLWEG, Ottmar. Retórica Analítica e Direito.
Trad. João Maurício Adeodato. Revista Brasileira de Filosoa, v. XXXIX, fasc. 163,
julho-agosto-setembro. São Paulo, 1991, p. 177-179. João Maurício Adeodato descreve
essa diferenciação referindo a retórica material, existencial, como sendo as próprias re-
lações humanas, entendidas todas enquanto comunicação, e que constituem o primeiro
plano da realidade; a retórica prática ou estratégica, como um primeiro grau de metar-
retórica sobre a retórica material, que parte dela e a ela retorna para reconstituí-la, e, a
retórica analítica, reexiva, que procura ampliar a semiótica e dá igual atenção aos seus
elementos dentro dos sistemas linguísticos, uma metódica. Cf. ADEODATO. Retóri-
ca como metódica para estudo do direito. A retórica constitucional (sobre tolerância,
direitos humanos e outros fundamentos éticos do direito positivo). São Paulo: Saraiva,
2009, p. 32 – 39. Adeodato aplica essa retórica tripartida à sua tese sobre conhecimento
e ética na losoa retórica onde a retórica material é constitutiva da realidade, a retó-
rica estratégica age como ação sobre a retórica material e a retórica analítica faz uma
descrição especíca do mundo, no caso, o jurídico e sua dogmática. Cf. ADEODATO.
Uma teoria retórica da norma jurídica e do direito subjetivo. São Paulo: Noeses, 2011,
passim.

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