Uma releitura do princípio do acesso à justiça e a ideia da desjudicialização

AutorDaniela Olímpio de Oliveira
CargoAdvogada com especialização em Direito Processual Civil e em Direito Público. Mestranda pela Universidade Estácio de Sá
Páginas67-98
Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP. Volume XI. Periódico da Pós-
Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ. Patrono: José Carlos Barbosa
Moreira www.redp.com.br ISSN 1982-7636
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UMA RELEITURA DO PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA E A IDEIA DA
DESJUDICIALIZAÇÃO
A REREADING THE PRINCIPLE OF ACCESS TO JUSTICE AND IDEA OF
DEJUDICIALIZATION
Daniela Olímpio de Oliveira
Advogada com especialização em Direito Processual
Civil e em Direito Público. Mestranda pela
Universidade Estácio de Sá (Área de Concentração:
Direito Público e Evolução Social / Linha de Pesquisa:
Acesso à Justiça). Professora de Direito da Faculdade
Estácio de Sá e Faculdades Doctum, Juiz de Fora /MG.
Resumo: Acesso à Justiça é um princípio que está ligado ao Estado, e não exclusivamente
ao Judiciário, ainda que este seja o órgão orientado finalisticamente a sua promoção. A
relação entre a Constituição e o processo vem a ser revisitada pela lógica do pluralismo
jurídico e da quebra do dogma do protagonismo judicial. Utiliza-se a ideia de acesso à
Justiça como ferramenta de realização constitucional e de promoção do justo em diversos
níveis da sociedade. Seja do ponto de vista da justiça-moral ou do ponto de vista da justiça-
pacificação, busca-se identificar o núcleo do que seja acesso à Justiça hoje.
Palavras-Chave: Acesso á Justiça Desjudicialização– Policentrismo processual
Técnica – Meios alternativos.
Abstract: Access to justice is a principle which is connected to the state, and not
exclusively to the judiciary, although this is the body oriented finalisticamente your
promotion. The relationship between the Constitution and the process has to be revisited by
the logic of legal pluralism and breaks the dogma of judicial prominenceUses the idea of
access to justice as a tool for achieving constitutional and promoting fair at various levels
of society. Be the point of view of justice-moral or point of view of justice-peace, seeks to
identify the core of which is access to justice today.
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Key-words: Access to justice – Dejudicialization - Polycentrism process - Technique -
Alternative means
1. Introdução
O presente artigo se propõe a examinar as modernas concepções sobre o tema do
acesso à justiça para encartar os movimentos de desjudicialização no seu contexto. Afinal,
se um determinado instituto deixa de ser apreciado pelo Poder Judiciário como um
imperativo da jurisdição, significa isso uma consagração do acesso à justiça ou, ao
contrário, sua ofensa? Observa-se que, tradicionalmente, a expressão “acesso à justiça”
permanece ligada a ideia de acesso ao Poder Judiciário, na resolução das controvérsias.
Hoje, não os meios alternativos de solução de controvérsias – mediação,
conciliação, arbitragem – como ainda a desjudicialização de alguns procedimentos, como o
de inventário, divórcio, execução fiscal, representam fato marcante do contemporâneo
processo civil (aqui designado como aquele que não é penal), revelado pela
desburocratização e minimização do Judiciário em relação à pacificação social. De se
destacar, ainda, a processualidade na Administração Pública, como fator de desafogamento
judicial, por um devido processo administrativo, com o fortalecimento do contraditório e
da ampla defesa do administrado.
Neste cenário, e por outro lado, a cultura do ativismo judicial contraditoriamente
também revela um agigantamento do Judiciário no que tange à definição de valores.
Hodiernamente, assiste-se ao centralismo do Poder Judiciário na efetivação dos princípios
fundamentais, com a exclusividade típica do monopólio jurisdicional de se dizer a última
palavra. Centralismo este que esgota em discussões herméticas a moral jurídica, ensejando
duras críticas sobre a ausência de legitimidade democrática das decisões, reforçando, por
outro lado, a busca de uma legitimidade racional, na motivação das decisões e na melhor
técnica jurídica.
A valorização da forma é também uma tendência contemporânea, a se pensar no
processo como instrumento que visa atender a finalidades sociais. Os escopos do processo
passam a ser resgatados de maneira que a técnica seja reapreciada e adequada à sua função.
O desenvolvimento de técnicas extrajudiciais de solução de controvérsias, que se
intensifica diuturnamente, não traz consigo o condão de eliminar a procura pelo órgão
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judicial. Ao contrário, a explosão de litigiosidade aumenta com o passar dos tempos e do
amadurecimento da cidadania na sociedade. O conhecimento dos direitos, as reformas
processuais, os casos polêmicos sendo acompanhados pela mídia, as políticas de
informatização e de transparência, são todos pontos de discussão que se intensificam na
pauta de debate sobre o acesso à justiça.
Ao lado da preocupação com o Poder Judiciário, sua estrutura, seus procedimentos
e a forma, opera-se outra revolução indicativa do princípio do acesso à justiça que é a
consagração de outros centros de processamento das lides, especialmente pela composição
de conflitos. Não só isso, mas também pela autonomia do cidadão frente aos órgãos
públicos não-estatais com procedimentos judiciais que se administralizaram.
Para não perder de vista a efetividade dos princípios constitucionais processuais
que promovem o devido processo legal e o acesso à justiça, busca-se o entendimento, seja
do ponto de vista da justiça-moral, ou do ponto de vista da justiça-pacificação, sobre o
núcleo central do que seja acesso à Justiça hoje.
Cuida-se de uma discussão que envolve não a abertura do Poder Judiciário às
demandas sociais, numericamente falando, mas também, o modus operandi deste
Judiciário, em se tratando de sua organização, ou da técnica processual. De outra ponta, em
novas concepções, examina-se o acesso à justiça pela ótica de meios coexistenciais de
soluções de controvérsias, seja já pelas consagradas técnicas de mediação e arbitragem,
seja pelos procedimentos desjudicializados, com a oportunização de outros focos de
tratamento das lides e de construção dos valores concretos. Ao que parece, tudo é um
cenário só. O que se propõe é a real identificação nuclear da concepção de acesso à justiça.
2. Ondas do acesso à justiça e hoje
Um trabalho clássico e referencial sobre o acesso à justiça foi o realizado por
Mauro Cappelletti e Brant Garth (1988), no conhecido e revolucionário projeto de pesquisa
intitulado “Projeto Florença de Acesso à Justiça”, no qual foram discriminadas
experiências envolvendo inúmeros países, e que serviu de base para os movimentos
reformistas processuais.
Esses autores, também, já de antemão estabeleceram que a expressão “acesso à
justiça” é de difícil definição, podendo ser usada, num primeiro sentido, para designar o

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