Uma Reflexão sobre o Hibridismo Cultural e o Processo Identitário de Ciganas Calins Nômades no Rio de Janeiro

AutorMaria Inácia D'Ávila Neto - Cláudia Valéria Fonseca da Costa Santamarina
CargoDoutora em Psicologia Social pela Université Paris Diderot, PARIS 7, França - Doutoranda em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social na Universidade Federal do Rio de Janeiro
Páginas228-247
http://dx.doi.org/10.5007/1807-1384.2015v12n1p228
Esta obra foi licenciada com uma Licença Creative Commons - Atribuição 3.0 Não
Adaptada.
UMA REFLEXÃO SOBRE O HIBRIDISMO CULTURAL E O PROCESSO
IDENTITÁRIO DE CIGANAS CALINS NÔMADES NO RIO DE JANEIRO
Maria Inácia D'Ávila Neto
1
Cláudia Valéria Fonseca da Costa Santamarina
2
Resumo:
Este artigo propõe uma reflexão teórica sobre o hibridismo como elemento intrínseco
ao processo de construção de identidades de mulheres autodenominadas ciganas
calins feminino do povo Calon - que vivem em acampamentos no interior do Rio de
Janeiro, a partir da contribuição teórica dos Estudos Culturais e Pós-Coloniais.
Embora o discurso hegemônico ocidental promova uma espécie de etnização
totalizante de minorias, transformando práticas sociais dinâmicas em um conjunto de
hábitos culturais supostamente cristalizados e imutáveis, o processo de construção
de identidades entre mulheres ciganas tem se mostrado como um potente exemplo
de que a etnicidade não é fixa e nem se extingue com o contato entre culturas. Pelo
contrário, é formada em meio a um processo de hibridação com as culturas
circundantes, ganha relevo exatamente por suas fronteiras e trocas culturais,
exibindo-se como um exercício permanente de negociação de espaços de existência
entre diferentes.
Palavras-Chave: Mulheres. Ciganas. Identidade. Etnicidade. Hibridismo.
1 INTRODUÇÃO
Em vários países da Europa o recrudescimento de atitudes voltadas ao que
vem sendo nomeado como “limpeza étnica” tem sido especialmente dirigida aos
povos ciganos. Uma lista extensa de casos de anticiganismo em países como
França, Alemanha, Romênia, República Tcheca poderia ser criada. Para citar um
deles, emblemático, em 2014, na Hungria, conforme noticiado pelo Jornal El País,
de Montevideo Uruguay, mais de vinte por cento da população votou em Gábor
Vona, líder do partido Jobbik, que faz pregação de ódio contra judeus e ciganos e
1
Doutora em Psicologia Social pela Université Paris Diderot, PARIS 7, França. Professora titular da
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Coordenadora do Laboratório de Imagens do EIco, grupo do
diretório CNPq, financiado pelo mesmo órgão e Secretaria Especial de Mulheres, Rio de Janeiro, RJ,
Brasil. Email: inadavila@gmail.com
2
Doutoranda em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social na Universidade Federal do Rio
de Janeiro. Participa do Laboratório de Imagens do EIcos na Universidade Federal do Rio de Janeiro,
grupo do diretório CNPq, financiado pelo mesmo órgão e Secretaria Especial de Mulheres, Rio de
Janeiro, RJ, Brasil. Email: claufcost@gmail.com
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R. Inter. Interdisc. INTERthesis, Florianópolis, v.12, n.1, p.228-247, Jan-Jun. 2015
propõe terminar com o que chamam criminalidade cigana, instalando campos
fechados e vigiados para aprisioná-los e a restauração da pena capital.
Como reação, assiste-se a uma mobilização crescente para o reconhecimento
social da “nação” Roma, que aspira reunir sob seu título todos os grupos étnicos
identificados e agrupados na categoria cigano (GUIMARAIS, 2012), entre eles os
nomeados como Sinti e Manouche, da Europa Central, os Kalderash, Lovari, Ursari,
Rudari, Aurari, Matchuaia e Xoraxané, que vivem em sua maioria na Europa
Oriental, e os Calon, oriundos da Espanha e de Portugal (FRASER, 1995;
MARTINEZ, 1986).
Reivindicando das Nações Unidas o status de nação não territorial para a
categoria “Roma”, que substituiria a categoria “cigano”, a International Roma Union,
criada em 1971 e sediada em Praga, ao declarar representar todas as políticas
“Roma” no mundo e atuar no melhor interesse da nação “Roma”, promovendo
tradições culturais, costumes e a língua dos “Roma” e cooperando, ao mesmo
tempo, com autoridades para solucionar os problemas sociais, econômicos e
culturais vividos pelos ciganos em cada país em que vivem, parece assumir uma
estratégia complexa e, talvez, à luz dos estudos culturais e pós-coloniais, ambígua,
de negociar respeito às diferenças culturais.
O esforço de oposição às recorrentes ondas de exclusão, contudo, ao agregar
diferentes etnias num conceito de mesma nação, que nem sempre é conhecida ou
reconhecida pelos próprios povos ciganos, parece reforçar o apagamento, produzido
pelo Ocidente, de diferenças e de peculiaridades locais.
No Brasil, embora não se tenha notícias de ondas discriminatórias
contemporâneas tal como as vividas por comunidades ciganas europeias, a crença
de que o “outro” diferente é uma ameaça – e, portanto, deve ser mantido afastado -
além do convencimento de que a identidade étnica - entendida, conforme Cardoso
de Oliveira (2006), como conjunto de práticas que agrupam e agregam determinados
grupos, apesar das mudanças internas e externas que ocorrem no contexto e nas
relações sociais -, é estável, invariável e sustentada por tradições inabaláveis, ainda
persevera em narrativas sobre ciganos e favorece a legitimação de discursos,
valores e interesses hegemônicos preconceituosos em relação às ditas minorias
(CHINA, J. B. de OLIVEIRA, 1936; CARNEIRO, M.L.T., 1988; COSTA, E. L. da,
2005; PEREIRA, C. da C., 2009; TEIXEIRA, R. C. 1999; FERRARI, F., 2010). Neste

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