Para uma Previdência Efetivamente Social, além de Bismarck. O Diálogo entre Estados

AutorRaimundo Simão de Melo/Cláudio Jannotti da Rocha
Páginas528-539

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1. Introdução

A previdência social no Brasil e no mundo teve suas construções baseadas em modelos de Estado e suas filosofias ao longo de décadas. Passadas as conquistas liberais do século XVIII, com o fim de extirpar domínios absolutistas, a socie-dade burguesa passou para o centro do poder, só que os seus mecanismos de produção começaram a acelerar fortemente na busca do lucro.

A Revolução Industrial do século XIX expôs o trabalhador a uma condição degradante, pois, na produção, o homem era apenas mais uma ferramenta.

Era necessária uma mudança de acomodação e concessões. Assim surgiu Otto Von Bismarck concedendo seguros sociais mínimos aos trabalhadores alemães. Nasce o Estado Social e, depois, no seio norte-americano, o WelfareState.

Mas as Guerras Mundiais deixaram suas marcas de domínio, e os direitos humanos até então conquistados, foram vilipendiados. Inevitável era sua reconstrução, passado o holocausto. Nasce o Estado Democrático de Direito, numa tentativa de aliar filosofias liberais e sociais, em certa medida.

Mas a sociedade de alguns países, como o Brasil, tem assistido a uma mudança constante no poder central, variando entre posições de governo ora agora neoliberais, ora sociais. Sempre com tons extremistas e sem espaço para harmonizações como quis a Constituição Federal.

Quando o poder central é neoliberal, no Brasil, o Estado se encolhe e, para fazer frente aos desmandos, desvios de recursos, más gestões e incompetências administrativas e corrupções, retira direitos sociais dos trabalhadores, quer em reformas trabalhistas, quer em previdenciárias.

Quando o poder central é social, o Estado se agiganta, não a ponto de prover e bem administrar concessões de prestações sociais, mas à beira de libertinagem, passando a ser concessor e paternalista ao extremo, que alguma boa parte dos beneficiários se esquece de que o labor é o primado da ordem social. São os chamados freeriders2.

Mas para que haja efetiva proteção social previdenciária, os modelos atuais no país já não respondem às exigências de futuro: crescimento demográfico, baixa natalidade, tributação previdenciária equivocada em face disso etc.

E essas mudanças nascem de experiências já vencedoras em alguns países, em que o altruísmo, a solidariedade universal e a dignidade da pessoa humana falaram mais alto.

Nos capítulos a seguir, buscou-se sintetizar algumas informações para a chegada de um resultado conclusivo e satisfatório. Não obstante, em futuro não muito distante, vai-se buscar o desenvolvimento de uma obra completa sobre todos esses pontos.

2. Progressão histórica da Previdência Social: entre o liberalismo e o social

O modo de produção de determinada época, acompanhando o contexto histórico e social, expressa as políticas públicas de seguridade social. E elas existem para a manutenção e equilíbrio de um sistema que não pode mais ser assegurado pelo mercado.

A seguridade social, alicerçada em três pilares (previdência social, assistência social e saúde), existe para conferir justiça social ampla aos integrantes de uma sociedade. A previdência social nasce da ideia de seguro social e este dos movimentos primordiais da assistência social, analisando-se a história no mundo e no Brasil.

A previdência social tem como primado o trabalho, cuja relação surge da industrialização e do processo de assalariamento dela decorrente3. É o modelo bismarckiano de repartição

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simples4 (o hoje pelo hoje) que domina, até então, o sistema brasileiro das previdências públicas dos trabalhadores privados e públicos (RGPS e RPPS)5.

Em decorrência da mundialização do capital, da alteração paulatina e gradual do modo de vida das pessoas (saúde e educação), e, com isso, aumento da expectativa de vida e sobrevida e diminuição das taxas de natalidade/fecundidade, percebe-se o envelhecimento populacional brasileiro, com declínio acentuado do número de jovens ativos no mercado de trabalho. Envelhece-se mais, nasce-se pouco e o sistema enfraquece. Então, uma inevitável afetação nas contas previdenciárias.

Há solução.

Muito além do significado irreal da caridade, da concessão social para simples bem-estar, a previdência social já nasce como símbolo do escárnio político, que via nos meios de produção e lucro o seu esteio. Para a continuidade dessa assanha, precisavam os governantes do fim do século XIX e início do século XX oferecer certa contrapartida financeira e motivacional mínimas para que o operário continuasse a produzir.

Nada mais como o antes pontuado em que doutrinadores afirmavam que a previdência social é fruto de uma “preocupação do homem com o bem-estar do seu semelhante”6ou o bem comum da sociedade7, ou mesmo, poupança e caridade8.

No Brasil, com as primeiras políticas públicas previdenciárias, as categorias de trabalhadores agraciadas com os primeiros seguros sociais em face dos riscos laborais foram os funcionários dos Correios, professores, ferroviários e servidores públicos. Esta última, com a aposentadoria por invalidez trazida pela Constituição da República de 1891.

Com a Lei Eloy Chaves de 1923, as categorias mais organizadas e imprescindíveis, diante do contexto histórico brasileiro foram os ferroviários, marítimos, industriários etc. O Deputado Federal paulista Eloy de Miranda Chaves tinha apreço pelos ferroviários pois era seu reduto eleitoral.

Segundo José Ricardo Caetano Costa9:

A correlação de classes, naquele momento histó-rico, que propiciou o nascimento desta primeira forma de proteção securitária: de um lado os trabalhadores, inicialmente do setor férreo, fortemente organizados buscando os seus direitos e, de outro, a necessidade do crescimento do Estado brasileiro a partir de um incipiente processo de industrialização, em que o transporte (ferroviário e marítimo) passa a ser o principal meio para incrementar esta industrialização.

E preservar certos interesses dessas categorias significava diminuir resistências às classes dominantes. Por que não foram as Caixas de Aposentadoria e Pensão (CAP)10 criadas para abranger também os trabalhadores rurais? Obviamente porque esse grupo não oferecia qualquer ofensiva aos anseios dos barões da época, que eram os senhores do café e do leite. Era uma classe fraca e sem nenhuma organização. Fácil de manobrar e silenciar. Os urbanos prestigiados com suas CAPs não. Esses ofereciam força e resistência e, por isso, tiveram seu pão social.

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Como força de trabalho pouco revolta e sem expressividade associativa para fazer frente ao baronato, os rurais somente foram beneficiados com alguma proteção social previdenciária mais efetiva com a criação do PRORURAL pela Lei Complementar n. 11 de 1971.

Percebe-se que nos idos do século XX, o mundo e o Brasil começaram a demonstrar cenários de preocupação, mesmo que pífia, com o social, mais por uma vontade política de contentar o proletariado urbano e depois o rural, massificados pela alta produção, em que o trabalho era apenas um veículo para o ganho da alta classe social.

O Estado Social, desde os seguros bismarckianos, sobrelevou os interesses dos trabalhadores oprimidos no chão de fábrica. Com o passar do tempo e com as lutas sociais, o homem trabalhador das cidades, e depois do campo, passam a assistir o Estado Social tomando verdadeira forma de prevenção e providência, como interventor em face das desigualdades geradas pelo liberalismo político e econômico.

Tanto é que, para melhor equacionar leis previdenciárias de diversos Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAP), que unificaram boa parte das tidas CAPs, por categoria profissional e não mais por empresa, houve a consolidação de todos esses diplomas normativos na LOPS (Lei Orgânica de Previdência Social), Lei n. 3.807 de 1960, ou seja, um verdadeiro ideário de que a preocupação com o social e seus tratamentos mais isonômicos era realmente a tônica daquela época.

Em 1962 surge o décimo-terceiro salário, e, em 1963, o salário-família, sendo este segundo mais um benefício previdenciário. Em 1967, como expressão da unificação do controle e dos pagamentos de concessões de benefícios num só órgão, surge o INPS (Instituto Nacional de Previdência Social), fruto da consolidação de todos os IAPs. Em 1974, o salário-maternidade se torna uma prestação previdenciária.

Em vários países do mundo, a segurança social é forma de garantir direitos fundamentais às pessoas. Para muitos desses países, a proteção social, mesmo diante de grande desenvolvimento econômico, carrega grande importância, apesar das dificuldades de equalização.

Nos Estados Unidos, existe o social security, na Alemanha, o sozialversicherung, na França, a securitésociale. Na Espanha e México, a seguridad social, mas na Argentina, vale a ideia de previsión social. Na Itália, conhece-se a previdenzasociale e a sicurezzasociale.

Todos têm uma específica missão: proteção social. O termo provém do latim securitas. Segundo Wladimir Novaes Martinez11, a mais antiga referência ao vocábulo vem das palavras de Simon Bolivar, em 1819 quando disse:

O sistema de governo mais perfeito é aquele que produz maior soma de felicidade possível, maior soma de seguridade social e maior soma de estabilidade política.12

E para esse objetivo de governo deve haver maior desapego e maior compromisso com o social. A felicidade não pode somente ser partilhada entre abastados liberais, deve povoar, em certa medida, toda a sociedade de igual modo, mesmo que com tamanhos diversos. Consegue-se estabilidade política e econô-mica com concessões sociais, mormente de seguridade social.

Trata-se de resíduo nuclear da previdência social, e em maior escala da seguridade social, a distribuição de renda, pois é determinante da...

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