Uma longa viagem começa por um passo
| Autor | Alexandre Fernandes Correia |
| Cargo | Acadêmico de direito |
| Páginas | 246-246 |
246 REVISTA BONIJURIS I ANO 32 I EDIÇÃO 663 I ABR/MAIO 2020
ALÉM DO DIREITO
Alexandre F. Correia ACADÊMICO DE DIREITO
UMA LONGA VIAGEM COMEÇA POR UM PASSO
mos a anotar. Anotávamos da
melhor maneira possível para
ficar bonito no caderno novo.
Tratava-se de um trote, algo
que um aluno com mais expe-
riência, de pronto, sacaria.
Mas nós tínhamos um des-
conto, era só o primeiro dia
de aula e muitos passos ain-
da se seguiriam. PH, esse foi
o nome, ou sigla, usado para
o trote. De fato, esse era um
professor, caricato, diga-se
de passagem, e, também, tal-
vez o professor de quem mais
gostei e gosto até hoje. Logo,
ele realmente, não por trote,
chegou. Um cara grande, en-
graçado, mas sério. Um sério
engraçado. Aulas fabulosas,
que, de cara, me encantaram.
A esse ponto eu já não estava
mais a conversar com o Tia-
go. É que aquela aula era – e
ainda deve ser – boa demais.
Ao final, intervalo. Intervalo,
cantina. E não lembro o que
comi, talvez um salgado. De-
pois andamos pelo prédio em
um pequeno grupo – de cujos
rostos hoje eu pouco me lem-
bro – como se fôssemos os
bandeirantes em terras ain-
da desconhecidas. Voltamos.
Sentei-me no mesmo lugar,
mas com uma ânsia diferente.
Agora, para a próxima aula.
Veio um professor de descen-
dência asiática, Tomizawa,
que também de sério acabava
transmutando-se para o cômi-
co. Ele fez aqueles questiona-
mentos clássicos, como o que
queremos com o curso e o que
nos fez optar por ele. Lembro-
-me de que fez algumas suges-
tões de carreiras, e em cada
uma mãos eram levantadas.
Quando chegou à sugestão
da carreira da docência, até
fizeram um grunhido, levan-
do o professor a perguntar de
forma jocosa quem havia fei-
to tal “barulho primitivo”. A
verdade é que eu já tinha em
mente o objetivo primeiro de
ser professor, mas acabei não
levantando a mão. Não sei por
quê? Não sei. O docente fez
uma advertência: – Vocês, por
enquanto, não são nada. Dedi-
cou a aula inteira a isso. Acho
que foi uma forma de mostrar
que ainda éramos aprendizes
desses novos passos. E assim
se seguiu. Ao final, pediu um
minuto de silêncio. Queria re-
citar uma carta. A carta fora
escrita por prisioneiros de
um campo de concentração
durante a segunda guerra.
Todos ouvimos com atenção.
Era realmente emocionante.
A carta versava sobre a res-
ponsabilidade dos professo-
res de não apenas ensinar a
matéria de maneira magis-
tral, mas também moral e éti-
ca. Afinal, dizia a carta: “Eram
bons os profissionais daquela
época em suas téc nicas, mas
eram torturadores”. A sala,
em silêncio, ouvia. Eu atônito.
A sala atônita. E, ao terminar,
uma salva de palmas fechava
aquele dia. E eu poderia, ago-
ra, prosseguir na caminhada,
dando novos passos nessa
viagem. n
Efoi assim. Dei o pri-
meiro passo rumo à
entrada do edicio. É
claro, há várias etapas
anteriores, como fazer
a prova do vestibular e, tam-
bém, a matrícula. Mas aquele
passo, um passo sico, teve
seu brilho próprio. Eu havia
acabado de sair do ensino
médio, seria o mesmo senti-
mento? As mesmas emoções?
Agora, um jovem universitá-
rio. Com isso, também vêm
interrogações em número es-
calonar. Assustador mesmo.
E lá fui eu, rumo a um futuro
desconhecido. Lembro-me de
ser o primeiro a chegar, e aos
poucos a sala era preenchida.
De fato, me senti em casa. Um
colega que se sentou à frente
não se demorou e apresentou-
-se a mim. Tiago, aquele que
me ensinaria a jogar truco –
algo indispensável dentro de
uma universidade. E lá foi ele,
passando de mesa em mesa,
mostrando seu rosto e já dis-
posto a fazer um grupo no
whatsapp. No início, ninguém
se conhece. Todos podem – e
fingem – ser amigo de todos. É
uma questão de educação, ou
simpatia, não importa muito.
Isso, por óbvio, mudaria. No
quadro, havia uma lista de li-
vros, e logo um rapaz apresen-
tou-se como professor e disse
que deveríamos lê-los todos.
Como bons calouros, começa-
Rev-Bonijuris__663.indb 246 17/03/2020 17:38:31
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