Uma interpretação constitucional do art. 384 da clt

AutorCláudio Jannotti da Rocha
Páginas334-347

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1. Introdução

Inicialmente, destaca-se que o presente artigo tem como escopo realizar uma interpretação constitucional do art. 384 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e, com isso, refletir acerca da sua recepção pela Carta Magna de 1988, bem como acerca da sua aplicação extensiva aos homens.

Tendo em vista que o objetivo deste artigo é promover uma hermenêutica constitucional do art. 384 da CLT com respaldo em questões temporais, torna-se necessário um estudo cronológico e contextualizado primeiro da CLT e, em seguida, da Constituição da República de 1988 (CR/88).

Pode-se dizer que o estuário trabalhista brasileiro possui como alicerce a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), fruto do Decreto-Lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943, que, em 2013, completou 70 anos. Esse diploma normativo, inquestionavelmente, inovou e enriqueceu a ordem jurídica trabalhista brasileira em diversos aspectos e angulações, permitindo inclusive uma ascensão socioeconômica da sociedade em todo território nacional. A CLT destinou aos trabalhadores, no caso, os empregados, um complexo de normas trabalhistas apto a gerar inclusão social, distribuição de riqueza, melhoria da condição socioeconômica e reconhecimento da dignidade do homem pelo seu trabalho.

Conforme leciona Márcio Túlio Viana:

A CLT reuniu as leis que já existiam, e não fez apenas isso: melhorou, articulou, organizou, completou. Deixou de fora domésticos, trabalhadores rurais, funcionários públicos. Mas de todo modo, em sua época, era talvez o que havia de melhor no mundo. E algumas de suas invenções são até hoje elogiadas por juristas de outros países.1

E, ainda:

Sabemos que as pessoas se relacionam de muitos modos diferentes. Há relações de amizade, de amor. Algumas das relações humanas - tidas como mais importantes - são reconhecidas pelo Direito. Tornam-se relações jurídicas. O Direito do Trabalho (ou a nossa CLT) gira em torno de uma relação jurídica. A relação de emprego.2

Por meio da CLT, operou-se o surgimento do ramo justrabalhista no Brasil, tendo em vista que antes deste marco o que existiam eram apenas leis esparsas. Analogicamente, a CLT foi a semente que fez nascer a árvore: o Direito do Trabalho brasileiro.

Depois da elaboração e da aprovação da CLT, algumas Constituições surgiram (1946, 1967 e 1969), várias leis foram elaboradas (como a do rurícola, do doméstico, do FGTS e da discriminação) e, assim, o ordenamento jurídico trabalhista foi se aprimorando, tornando-se um ramo independente e especializado no direito brasileiro, "podendo ser definido como: complexo de regras, princípios, e institutos jurídicos que regulam a relação empregatícia de trabalho e outras relações normativamente especificadas"3, sendo dividido em Direito Individual do Trabalho e Direito Coletivo do Trabalho.

Com o passar do tempo, esse ramo jurídico foi se consolidando e, principalmente, ganhando novos contornos e importância social, passando a abranger o maior número de pessoas possível, a ponto de exercer papel fundamental na Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988. Assim, o Poder Legislativo, reconhecendo a importância desse direito, ofertou um tratamento especial à classe trabalhadora na Constituição da República de 1988 e, com isso, os direitos trabalhistas passaram a ocupar, ineditamente, o posto de direitos e garantias fundamentais (Capítulo II, Título II, da CR/88).

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2. Da elaboração da clt

O surgimento do Direito do Trabalho no Brasil tem como fonte material acontecimentos sociais como revoltas, greves e, até mesmo, a forma mais cruel e violadora em todos os sentidos humanos: a escravidão.

Quanto ao tema, demonstra Júlio Bernardo do Carmo:

Outra questão significativa para o incremento de nossa legislação trabalhista foi, com a abolição da escravatura, o processo imigratório idealizado pelo governo brasileiro para suprir a mão-de-obra escrava, a princípio nos meios rurais e depois também nos meios citadinos, onde começou a ser implantado o polo incipiente de nossas primeiras indústrias.4

O Brasil, no início do Século XX, encontrava-se em uma situação turbulenta, estando presente um misto das seguintes conjecturas: abolição da escravatura (pela Lei Áurea); entrada de imigrantes (principalmente depois da 1ª Guerra Mundial); industrialização incipiente e crescente; alto índice de desemprego e salários baixos; a maior parte da sociedade localizada no campo e muitas manifestações sociais contra a situação vivenciada.

Destaca-se ainda que, "em 1919, ocorreram aproximadamente 64 greves na Grande São Paulo, e 14 somente no interior de São Paulo, e os trabalhadores não tiveram muito êxito"5. Nessa época, o litígio trabalhista era resolvido dire-tamente entre empregado e empregador. O Estado não inter-vinha, já que sua postura era absenteísta.

Carlos Alberto Reis de Paula ensina que:

A vinda de imigrantes europeus, principalmente nas regiões sul e sudeste em nada alterou esse quadro e 1º momento, até o final do século XIX, prevaleceu o sistema jurídico liberal, com a mínima intervenção do Estado, e com extrema desigualdade e hierarquização das relações de trabalho, a industrialização (ainda que incipiente) e as atividades empresariais urbanas, criavam um cenário fértil para germinar o Direito do Trabalho.6

Esse momento histórico é denominado por Mauricio Godinho Delgado como "fase de manifestações incipientes ou esparsas, que vai de 1888 a 1930"7, tendo em vista o surgimento de leis esparsas regulamentadoras de questões sociais pontuais, como: o Decreto Legislativo n. 1.637, de 1907, que facultava a criação de sindicatos profissionais e sociedades cooperativas; a Lei n. 3.724, de 15 de janeiro de 1919, que instituiu o seguro de acidente de trabalho; da Lei n. 4.682, de 1923 (Elói Chaves), que instituía as Caixas de Aposentadorias e Pensões para os ferroviários; da Lei n. 4.982, de 1925 que estabelecia férias de 15 dias anuais aos empregados de estabelecimentos comerciais, bancários e industriais e o Decreto n. 17.934, de 1927 (Código de Menores), que estabelecia a idade mínima de 12 anos para o trabalho e coibia o trabalho noturno e em minas aos menores.

Em 1930, aconteceu a Revolução que colocou Getúlio Vargas no poder, encerrando a República Velha e dando origem ao governo provisório. Em 26 de novembro do mencionado ano, foi criado o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, órgão que tinha entre suas finalidades a intervenção nos conflitos entre patrões e empregados. O primeiro presidente desse Ministério foi Lindolfo Collor, acompanhado de uma equipe formada tanto por base sindical (Joaquim Pimenta e Evaristo de Moraes Filho), como empresarial (Jorge Street).

Durante o interregno de 1930 a 1945, o Brasil viveu a "fase de institucionalização (ou oficialização) do Direito do Trabalho"8.

Em 1942, Getúlio Vargas, pelo Decreto n. 791, designou uma comissão de dez membros, vinculada ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (na época, tinha como Minis-tro Alexandre Marcondes Filho), dividida em dois grupos: um responsável pela elaboração das leis trabalhistas e outro pelas normas previdenciárias.

A comissão trabalhista era composta por Luiz Augusto Rego Monteiro, Oscar Saraiva (que posteriormente passou a fazer parte da comissão da Previdência Social), José de Segadas Vianna, Dorval Lacerda e Arnaldo Lopes Süssekind. Depois de nove meses de formação, em 09 de novembro de 1942, a comissão apresentou um anteprojeto, concluído em 31 de março de 1943.

No que corresponde às premissas da Consolidação das Leis do Trabalho, ensina Arnaldo Süssekind:

Inspiramo-nos nas teses do I Congresso de Direito Social, a que já me referi, nos pareceres de Oliveira Viana e Oscar Saraiva, aprovados pelo ministro do Trabalho, criando uma jurisprudência administrativa naquelas avocatórias, na encíclica Rerum Novarum e nas convenções da Organização Internacional do Trabalho. Essas foram nas nossas três grandes fontes materiais que, todavia, não influenciaram nem a legislação sindical, nem a que deu origem à Justiça do Trabalho. Por que? Porque o anteprojeto da CLT, elaborado em 1942, bem como o seu texto final, de 1943, teriam de observar a Constituição em vigor, a Carta de 1937, em cuja vigência foi outorgada a legislação sindical, destinada a fomentar ou motivar a configuração das corporações, que iriam eleger o Conselho de Economia Nacional (previsto na

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Constituição de 1937). Todos decretos-leis expedidos entre 1940 e 1942 foram transplantados para a Consolidação sem qualquer modificação, uma vez que a CLT deveria ser um complemento da lei maior. Outro capítulo em que, praticamente, não houve alteração alguma foi o da Justiça do Trabalho, instalada em 1941, e o seu processo, sobre o que não cabia modificação. No mais, o que a comissão fez teve por inspiração essas três fontes materiais às quais me referi.9

O instrumento que foi apresentado por Süssekind a Getúlio Vargas representava os reflexos e os anseios sociais, inclusive contando com a participação direta do próprio povo, que emitiu cerca de duas mil sugestões tanto por parte dos empregados, como dos empregadores e das entidades de classe.

Quanto à elaboração da CLT, Márcio Túlio Viana ensina:

Embora Vargas tenha usado a CLT como estratégia de poder, ela se inseria num projeto mais amplo, voltado para a industrialização do País. Além disso, foi obra de renomados juristas e incorporou o que havia de mais moderno, na época, no Direito do Trabalho Comparado.10

Em de 1º de maio de 1943, em uma...

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