Por uma escola inclusiva ou da necessária subversão do discurso (psico) pedagógico hegemónico

AutorLeandro de Lajonquière
Páginas39-64
DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7984.2020.e73724
3939 – 64
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Por uma escola inclusiva ou da
necessária subversão do discurso
(psico)pedagógico hegemónico
Leandro de Lajonquière1
Resumo
Com vistas a indagar o funcionamento e o estado da implantação da “escola inclusiva”, o texto
apresenta e desenvolve a noção da ilusão (psico)pedagógica. Esta é considerada peça-chave do
ideário pedagógico naturalizante. Assim, arma-se que o naturalismo pedagógico de antanho
que estabelecia uma diferença essencial entre “normais” e “anormais” – suciente para que estes
cassem impedidos de ir às escolas comuns –, hoje em dia, dá paradoxalmente lugar à ideia de
“necessidades educativas especiais”, proposta pela Declaração de Salamanca (1994). Essa noção
dá margem, por sua vez, à prática de “laudar” crianças. Tal gesto, particularmente generalizado
no Brasil, acaba empobrecendo a experiência escolar das crianças, condenando-as à condição de
“excluídas do interior”. Propõe-se, então, no contexto dos estudos psicanalíticos em educação,
a subversão epistemológica do ideário naturalizante, responsável pelos entraves impostos ao
acontecimento de uma educação que se preze.
Palavras-chave: Educação inclusiva. Psicanálise e educação. Pensamento naturalista. Essencia-
lismo pedagógico. Psicopedagogia.
À Maud Mannoni
In memoriam
1 O discurso (psico)pedagógico hegemônico
No contexto do novo ideário escolar dito da educação inclusiva no Bra-
sil, a julgar pelas informações que nos chegam pelos orientandos a respeito
1 Psicanalista, docente nas universidades de Paris 8 Vincennes Saint-Denis (França) e de São Paulo (Brasil).
E-mail: lde-lajonquiere@univ-paris8.fr
Por uma escola inclusiva ou da necessária subversão do discurso (psico)pedagógico hegemónico | Leandro de Lajonquière
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das escolas e colégios, sobretudo da rede pública de ensino da cidade de São
Paulo, parece não serem poucos os alunos que, apresentando notas baixas
nas avaliações, passam a ser requalicados como “alunos de inclusão”. Des-
sa forma, estes alunos que no passado século XX teriam sido encaminhados
com vistas a serem “avaliados” e/ou “tratados” e/ou “simplesmente rotula-
dos médico/psicologicamente” como “doentes” ou “carentes” de alguma
“capacidade maturativa”, conforme mostraram os já clássicos estudos de
Maria Helena Sousa Patto (1984, 1993), hoje em dia permanecem no in-
terior das escolas e passam a engrossar o grupo dos “incluídos”. Tal grupo é
formado por todos aqueles que, sendo “portadores de alguma deciência
ou apresentando alguma “necessidade educativa especial”, eram até algum
tempo atrás excluídos do ofício das escolas e encaminhados quando pos-
sível para “escolas especiais”.Sobre o particular, poder-se-ia armar que se
trata de um avanço tanto societário quanto no terreno das ideias pedagó-
gicas, pois a criança que hoje apresenta “problemas na escola” não é mais
expulsa, tampouco rotulada como “deciente” como antes. Agora pensa-se
que cada criança “é como é” e, portanto, todas são “incluídas” em nome da
“diferença” que cada uma porta. No entanto, é sabido que, para além das
exceções sempre devidas ao prossionalismo e à implicação ética de não
poucos, o grupo dos “incluídos”, constituído pelos “excluídos de outrora
e por aqueles reclassicados “incluídos”, nos dias de hoje não participa de
fato da experiência escolar como os outros, isto é, a maioria. Esta arma-
ção não deve ser entendida no sentido de que cada um dos mortais tira
proveito de uma experiência de vida de forma sempre singular – isto é ou
deveria ser óbvio –, mas infelizmente no sentido de que estes “incluídos”
não passam hoje, de fato, de “excluídos do interior”, conforme a expressão
utilizada por Bourdieu e Champagne (1993) para se referirem à situação
dos jovens oriundos de famílias pobres no “colégio único” francês, ins-
taurado no nal da década de 19702.Os “incluídos-excluídos do interior”
cam na borda da experiência escolar reservada à grande maioria consi-
derada “normal” – palavra atualmente proferida em voz baixa na maioria
das vezes. Por sinal, quando os prossionais da educação a proferem em
2 Antes da instauração do colégio único, o ensino secundário na França era dividido em especialidades curricu-
lares. Os jovens de classes populares eram maioria no ensino à vocação prossionalizante.

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