Uma analise do principio da preservação da empresa viável no contexto da nova lei de recuperação de empresas

AutorEduardo Zilberberg
Páginas185-191

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1. A evolução do Direito Falimentar e a origem do princípio da preservação da empresa

Com a entrada em vigor da nova Lei de Falências ou Lei de Recuperação de Empresas (Lei n. 11.101/2005), surgem, na teoria e na prática, controvérsias em torno da interpretação e aplicação de determinados dispositivos legais da nova lei, sejam elas relativas à assembleia de credores, ao plano de recuperação, à classificação dos créditos na falência e outros temas.

Nesse contexto, o que se percebe é que, não raro, a solução pode ser encontrada na correta aplicação do princípio da preservação da empresa viável, que tende a ser cada vez mais utilizado pelos operadores do direito em estratégias de defesa e no embasamento de decisões judiciais.

Observe-se que esse princípio não teve sua origem em uma lei específica. É fruto de uma lenta evolução e foi sendo desenvolvido na medida em que o interesse da coletividade voltava-se para a preservação das empresas.

Com efeito, se considerarmos a evolução histórica do Direito Falimentar, verifica-se que, num primeiro momento, o interesse coletivo estava restrito à procura de meios eficazes para o pagamento dos credores, mediante a arrecadação e a alienação da totalidade do património do falido.

Somente após a Primeira Guerra Mundial é que foi possível verificar, em alguns países, o início de uma maior preocupação com a preservação das empresas, notada-mente nos Estados Unidos, onde a aguda crise de 1929 levou ao surgimento de uma nova política, o New Deal, acompanhado pela promulgação do Chandler Act de 1938, que modificou o National Bank-ruptcy Act norte-americano para prever a reabilitação do devedor como alternativa para a liquidação.1

Outro marco da evolução do princípio da preservação da empresa foi a publicação, em 1965, na França, do relatório da

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Inspetoria-Geral de Finanças, que teve por objeto a análise da eficácia da regulamentação da falência. Tendo revelado o descompasso entre a norma e a realidade, bem como o fracasso do sistema do ponto de vista económico, as conclusões do referido estudo serviram de base para a reforma da legislação concursal francesa com a promulgação, em 1967, da Lei 67-563 e da Ordenação n. 820.2

Assim, na medida em que crescia o papel da empresa no meio social, o Direito Falimentar foi evoluindo de regras com o único propósito de liquidação e pagamento dos credores para a busca de mecanismos voltados para a preservação da ativi-dade empresarial.

2. O principio da preservação da empresa no ordenamento jurídico brasileiro e seu papel na elaboração, interpretação e aplicação das normas de Direito Falimentar

Com efeito, na realidade em que vivemos, a empresa, criada para satisfazer as necessidades da coletividade através da produção e circulação de bens e serviços, passou a desempenhar funções sócio-eco-nômicas de enorme importância.

Entretanto, no Brasil, a mudança para uma cultura jurídica de preservação das empresas ocorreu de maneira lenta e gradual. O Decreto-lei n. 7.661, de 1945, que vigorou por mais de meio século, e que continuará sendo aplicado aos processos de falência e concordata ajuizados antes da nova lei, continha, essencialmente, regras que revelavam um sistema legalista, no qual predominava a preocupação com a satisfação dos credores, em detrimento da preservação da empresa.

Verificou-se, portanto, que o Decreto-lei n. 7.661 estava em completa desconformidade com os problemas da modernidade, evidenciando-se a necessidade de criação de mecanismos que viabilizassem a recuperação das empresas em dificuldades financeiras.

Como uma tentativa de resposta aos anseios sociais, a promulgação da Constituição Federal de 1988 foi o pontapé inicial para a reforma da legislação concursal brasileira. Com seus valores e princípios, a Constituição revelou-se um marco fundamental para a consolidação do princípio da preservação da empresa, na medida em que fixou as bases e diretrizes que passariam a nortear a elaboração, interpretação e aplicação da legislação infraconstitucional.

Ao dispor sobre a ordem económica e financeira, a Carta Magna estabelece, em seu art. 170, os princípios gerais da ativi-dade económica, dentre os quais o da propriedade privada, da função social da propriedade e a busca do pleno emprego.

Nesse contexto, a preocupação com a preservação da empresa, na medida em que esta permanece no exercício de suas funções sociais, constitui uma das principais formas de dar eficácia aos demais princípios enunciados, bem como de concretizar a finalidade constitucional da ordem económica, qual seja, assegurar a todos uma existência digna.

Acrescente-se ainda que a promulgação da Constituição teve forte repercussão na interpretação da legislação já em vigor, abrindo caminho para uma nova tendência da jurisprudência, que passou a observar o princípio da preservação da empresa na aplicação das leis ao caso concreto.

Nessa linha, ao interpretar a antiga regra do art. 335, V, do Código Comercial de 1850, segundo a qual as sociedades reputavam-se dissolvidas por vontade de um dos sócios, no caso de terem sido celebradas por tempo indeterminado, a jurisprudência, pautada pelo princípio da preservação da empresa, pacificou-se no sentido de que, se um dos sócios pretende dar continuidade às atividades da sociedade, a...

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