Um percurso com a montagem na noite de 'Onde estivestes de noite', de Clarice Lispector

AutorDjulia Justen
Páginas56-75
|boletim de pesquisa nelic, florianópolis, v. 17, n. 27, p. 56-75, 2017|
doi:10.5007/1984-784X.2017v17n27p56 56
UM PERCURSO COM A MONTAGEM NA NOITE DE
“ONDE ESTIVESTES DE NOITE”, DE CLARICE LISPECTOR
Djulia Justen
UFSC / CAPES
RESUMO: Para ler um percurso com a montagem na noite do conto “Onde estivestes de noite”, de
Clarice Lispector, persigo alguns punctuns que se abrem no texto clariceano associados às leituras de
Walter Benjamin sobre a imagem, a montagem e a técnica, e de Giorgio Agamben sobre o contempo-
râneo. É a partir desta exigência de leitura, tão própria da noite singular deste conto, que os punctuns
endereçam que é possível escutar o chamado do escuro da noite de “Onde estivestes de noite” assim
como faz o contemporâneo ao ouvir o chamado do escuro do nosso tempo para uma escrita da história
com a montagem.
PALAVRAS-CHAVE: Montagem. Técnica. História.
A COURSE WITH THE MONTAGE IN THE NIGHT OF “ONDE
ESTIVESTES DE NOITE”, BY CLARICE LISPECTOR
ABSTRACT: To read a course with the montage of Clarice Lispector’s short story “Onde estivestes de
noite”, I pursue some punctuns that open in the Claricean text associated with Walter Benjamin’s
readings of image, montage and technique, and of Giorgio Agamben on the contemporary. It is from
this reading requirement that the punctuns so characteristic of the singular night of this tale, states
it is possible to listen to the call of the dark of the night of “Onde estivestes de noite” just as the
contemporary does when listening the call of the dark of our Time for a history writing with montage.
KEYWORDS: Montage. Technique. History.
Djulia Justen é doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Literatura na Universidade Federal de
Santa Catarina.
|boletim de pesquisa nelic, florianópolis, v. 17, n. 27, p. 56-75, 2017|
doi:10.5007/1984-784X.2017v17n27p56 57
UM PERCURSO COM A MONTAGEM NA NOITE DE
“ONDE ESTIVESTES DE NOITE”, DE CLARICE LISPECTOR
Djulia Justen
“A noite era uma possibilidade excepcional”1 inicia o conto “Onde estivestes
de noite”, de Clarice Lispector. Essa citação possibilita pensar a noite singular
da narrativa em que cada elemento se relaciona aos outros de modo conste-
lacional: de uma subida da montanha do Ele-ela enquanto um percurso com a
montagem, de uma noite em que se olham as estrelas, as luzes dos vagalumes
e se armam constelações de imagens e de tempos, de uma noite sensível em
que as batidas do Ele-ela pulsam e movimentam o corpo no desejo de uma nova
escrita da história, da experiência da embriaguez que essa noite sensível nos
proporciona e que este é o modo como nos relacionamos com a técnica de um
modo singular, criativo e autônomo.
O escuro da noite desse conto é “assim como uma pessoa vai aos poucos
se habituando ao escuro e aos poucos enxergando.”2 Portanto, para ver e sentir
essa noite é preciso “uma atividade e uma habilidade particular”3 próprias de
quem é contemporâneo, aquele que “mantém fixo o olhar no seu tempo, para
nele perceber não as luzes, mas o escuro.”4
Para chegar nesse escuro que aos poucos vamos enxergando como expres-
sa o texto de Clarice, e ver essa obscuridade do tempo que afirma Agamben,
é necessário “neutralizar as luzes que provêm da época para descobrir as suas
trevas, o seu escuro especial.”5 Essas luzes que nos impedem de ver o escuro
da noite e olhar o céu são as luzes do fascismo e da sociedade do espetáculo6
1 LISPECTOR, Clarice. Onde estivestes de noite. In: Onde estivestes de noite. Rio de Janeiro:
Rocco, 1998, p. 43.
2 Ibidem, p. 43.
3 AGAMBEN, Giorgio. O que é o contemporâneo? e outros ensaios. Trad. Vinícius Nicastro
Honesko. Chapecó: Argos, 2009, p. 63.
4 Ibidem, p. 62.
5 Ibidem, p. 63.
6 A primeira referência sobre essas luzes que ofuscam nosso tempo encontramos em A sobre-
vivência dos vagalumes, de Georges Didi-Huberman. Neste livro, ao situar a questão sobre o
desaparecimento dos vagalumes a partir do texto “O vazio do poder da Itália”, de Pier Paolo
Pasolini, o historiador nos coloca que as luzes de desejo (p. 22), de resistência (p. 67) e de
esperança (p. 59) dos vagalumes foram ofuscados pelo fascismo que emana uma “luz artificial
dos projetores, sob o olho pan-óptico das câmeras de vigilância, sob agitação mortífera das
telas de televisão” (p. 58) que controla os corpos e os gestos do povo. (p. 29) Também as lu-
zes de uma sociedade do espetáculo com a “ofuscante claridade dos ‘ferozes’ projetores: pro-
jetores dos mirantes, dos shows políticos, dos estádios de futebol, dos palcos de televisão” (p.
30) nos impedem de ver as luzes intermitentes dos vagalumes. DIDI-HUBERMAN, Georges. A
sobrevivência dos vagalumes. Trad. Arbex e Vera Casa Nova. Belo Horizonte: UFMG, 2011.

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