Um carcere de memorias.

AutorReis, Diego

Um carcere de memorias

PIRES, Thula; FREITAS, Felipe (Org.). Vozes do Carcere: Ecos da Resistencia Politica. Rio de Janeiro: Kitabu, 2018. 480 p.

"Prisao e uma maneira muito cara de tornar os homens piores. " (SP5-1011) (1) "Nao sei fazer com palavras dificeis, fiz como sei falar." (SP5-906) Orecem-publicado Vozes do Carcere, organizado por Thula Pires e Felipe Freitas, aparece em um momento no qual o encarceramento no Brasil registra dados alarmantes, com mais de 700 mil pessoas privadas de liberdade no pais. E, de modo especial, o aprisionamento de mulheres, que cresce em escalada vertiginosa (2), e revela a pratica do encarceramento como estrategia seletiva de controle social e de sujeicao criminal da populacao negra e das classes pobres.

O livro, fruto do projeto institucional Cartas do Carcere, representa um dos produtos da pesquisa desenvolvida pela Pontificia Universidade Catolica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), contemplada pelo edital lancado pela Ouvidoria Nacional dos Sistemas Penais (ONSP), no ambito de um projeto firmado entre o Programa das Nacoes Unidas Para o Desenvolvimento (PNUD) e o Departamento Penitenciario Nacional/Ministerio da Justica. Realizada entre agosto de 2017 e janeiro de 2018, a pesquisa analisou as cartas escritas por pessoas privadas de liberdade no Brasil enderecadas a Ouvidoria e demais orgaos publicos.

A equipe do projeto, por meio da leitura, catalogacao e classificacao de 8.818 cartas de pessoas encarceradas, destacou as narrativas sobre as experiencias nas instituicoes penais, de modo a identificar as repercussoes raciais e de genero nos seus percursos individuais e coletivos. O livro evidencia as reivindicacoes das pessoas privadas de liberdade e compartilha material substancial a ampliacao da disputa por medidas alternativas de responsabilizacao penal.

O projeto teve a coordenadoria geral da Profa. Dra. Thula Rafaela de Oliveira Pires, com pesquisa e sistematizacao de informacoes coordenadas por Felipe da Silva Freitas, e expoe a crueza da realidade do carcere no Brasil como lugar de violacao sistematica dos direitos humanos, que escancara "as cumplicidades do ordenamento constitucional brasileiro vigente com as hierarquias de humanidade herdadas do projeto moderno colonial de base escravista" (FLAUZINA; PIRES, 2018, p. 20).

A partir das narrativas da violencia de Estado, enderecada prioritariamente aos corpos nao brancos, as cartas revelam um sistema que desmitifica a ideia difundida socialmente sobre a existencia de falhas nas instituicoes penais. As/os protagonistas dos escritos descrevem praticas que se relacionam a estruturacao do carcere: suas bases programaticamente seletivas; os destinatarios da criminalizacao, apagamento e exterminio promovidos pelo ideal punitivista; e as consequencias deleterias que impactam nos corpos encarcerados e reverberam sobre todos os atores imbricados as dinamicas dos centros de detencao.

E nessa direcao que apontam os onze ensaios que compoem o livro. De forma interseccional, as autoras e os autores apresentam as multiplas ferramentas utilizadas pelo sistema penal para subjugar os corpos negros, perifericos e femininos: desde a supressao degradante de direitos fundamentais--como saude, alimentacao, salubridade e liberdade de expressao--aos atos manifestamente violentos, atraves das torturas e sancoes fisicas e psicologicas impostas. Os relatos pautados nas...

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