Ultratividade da Norma Coletiva e a Reforma Trabalhista da Lei n. 13.467/2017

AutorEliázer Antonio Medeiros e Lais Teresinha da Rosa Kuiaski
Páginas147-156

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1. Introdução

No mundo pós reforma industrial, a partir do século XVIII, o trabalho é tema central da vida social, seja pelo viés da economia, seja pela identidade do Ser vinculada ao trabalho. Dele, emanam aspectos como responsabilidade, status, reconhecimento, dignidade, independência e realização pessoal, sob a ótica do indivíduo e dos grupos sociais. Sob a perspectiva econômica, representa produção, transformação, renda, lucro, verdadeira força motriz do sistema capitalista.

Ampliando do individual para o coletivo, o trabalho constitui interesse primordial de trabalhadores e empregadores, sendo esta relação motriz do desenvolvimento econômico do país, no qual protagonizam os atores sociais coletivos. A atuação coletiva, que deveria se guiar na busca lógica do “ganha-ganha”, na prática, sujeita-se ao compromisso do “perde-perde”, pelo qual ambos os lados cedem um pouco para que igualmente possam ganhar um pouco.

Neste contexto, releva-se a importância da análise do tema proposto: a ultratividade das normas coletivas, cujos delineamentos se modificaram desde a redação original do art. 614 da CLT, com alterações significativas pela interpretação conferida pelo TST ao art. 114, § 2º, da Constituição Federal de 1988, acrescido pela Emenda Constitucional n. 45/2004 e, agora, sujeitam-se às inflexões da denominada Reforma trabalhista (Lei n. 13.467/2017).

2. A aderência das normas coletivas no contrato de trabalho

Há três posições interpretativas quanto à aderência de normas coletivas ao contrato de trabalho: (i) aderência irrestrita; (ii) aderência limitada ao prazo de vigência das normas coletivas; e, (iii) aderência limitada por revogação.

A aderência irrestrita (i) baseia-se no art. 468 da CLT e, muitos anos atrás, muito antes da Constituição de 1988, era admitida pela jurisprudência do TST, ‘quando não se reconhecia à negociação coletiva o poder de criar efetivas normas jurídicas”3.

A segunda corrente, a de aderência contratual limitada pelo prazo do instrumento coletivo, foi a prevalecente por décadas no C. TST (até 2012), admitindo a aderência contratual da norma coletiva pelo período máximo de vigência da norma coletiva.

E a última linha interpretativa, a mais recente e atualmente adotada pelo C. TST, a de aderência limitada por revogação. Segundo esta, a aderência contratual das normas coletivas se prorroga para além do prazo de vigência da norma coletiva, tendo efeitos ultrativos, isto é, até que ocorra a revogação expressa ou tácita em outra negociação também coletiva.

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À exceção da corrente de aderência irrestrita, as demais correntes têm aspectos válidos a serem considerados neste estudo, como se passa a analisar.

2.1. A aderência contratual limitada a vigência da norma coletiva

A teor do art. 614, § 3º, da CLT, com redação dada pelo Decreto-lei n. 229, de 28.02.1967, o prazo de vigência de um instrumento coletivo será de, no máximo, dois anos4.

A mens legis que se dessume da redação em comento, não comporta dúvidas quanto ao alcance temporal dos instrumentos coletivos, de maneira que, a priori, não seria o caso de considerar que as suas cláusulas aderissem ao contrato de trabalho.

A complexidade do tema, entretanto, é evidenciada quando, na prática, algumas categorias econômicas ou mesmo as profissionais, não promoviam negociações coletivas conforme permissivo do art. 6115 do atual texto consolidado.

O art. 611 da CLT não impõe a negociação coletiva, donde a conclusão lógica de que categorias profissionais sem convenções ou acordos coletivos, tenham o vínculo de emprego, e direitos dele decorrentes, disciplinado pela Lei geral.

E tanto para trabalhadores com sindicatos forte-mente atuantes (assim compreendidos os que buscam negociar em prol de condições favoráveis à categoria econômica ou profissional) como para os demais, a égide do princípio da pacta sunt servanda representa, na essência, o princípio da liberdade negocial, presente na dicção do art. 468, da CLT6.

Sob o pálio do art. 614 da CLT, o c. TST editou a Súmula n. 277, com a seguinte redação, conforme Resolução n. 10/1988, publicada no DJ em 03.03.1988:

Súmula n. 277 – Sentença normativa. Vigência. Repercussão nos contratos de trabalho. As condições de trabalho alcançadas por força de sentença normativa vigoram no prazo assinado, não integrando, de forma definitiva, os contratos.

O entendimento da Colenda Corte Trabalhista era, portanto, alinhada com a primeira corrente doutrinária mencionada no início deste artigo (aderência contratual limitada pelo prazo do instrumento coletivo).

Com a promulgação da Constituição Federal, em outubro de 1988, houve por bem o legislador constituinte ampliar para nível constitucional, alguns dos direitos previstos até então na CLT, atribuindo enorme força à negociação coletiva, conforme inciso XXVI do art. 77, reflexo, certamente, da flexibilização das relações sociais, que segundo Cássia Cristina Moretto da Silva, “apresenta-se como uma das características da pós-modernidade”.

Na mesma linha de raciocínio, a lição de Mauricio Godinho Delgado:

O Direito Trabalho é, pois, produto cultural do século XIX e das transformações econômico-sociais e políticas ali vivenciadas. Transformações todas que colocam a relação de trabalho subordinado como núcleo motor do processo produtivo característico daquela sociedade. 8

Necessário destacar o viés histórico do próprio direito do trabalho, como forma de permitir a ampla compreensão da atuação sindical regulada pelo Estado, o que é possível pelo escólio de Rodrigo Carelli que destaca:

O Direito do Trabalho nasce em um momento ímpar da história da civilização, fruto direto da alta exploração dos trabalhadores, e como meio de sus-

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tentação do status quo, diante das ameaças mais diretas à propriedade privada.9

O Autor mencionado deixa bem claro que concessões feitas aos trabalhadores representavam a forma encontrada pelo Estado para manter as relações de produção capitalista.

Vigente a Constituição Federal de 1988, com destaque ao teor do inciso XXVI, do art. 7º, a relação Lei versus Negociação Coletiva, passou a ter um viés concorrencial, gerando inúmeros conflitos que, trazidos ao Judiciário Trabalhista, eram dirimidos pelo eixo Constitucional e legislação infraconstitucional, mas, acima de tudo, pelo viés dos princípios protetivos ao trabalhador.

Com a edição da Lei n. 8.542/199210, a política salarial brasileira foi transferida para a negociação coletiva, nos termos do art. 1º da mesma, atendendo ao anseio da categoria econômica, mas com grande oposição de doutrinadores que entendiam que somente aumentos reais de salário poderiam ser objeto de negociação, mas não os reajustes meramente corretivos do poder de compra de salários, pois da classe trabalhadora seria exigida contrapartida apenas para preservar salários contra os efeitos da inflação.

A Lei vigeu de 23.12.1992 a 28.07.1995, quando revogada pela Medida Provisória n. 1.709, convertida na Lei n. 10.192, de 14.02.2001.

Na sequência, por meio da Resolução n. 161, de
16.11.2009, o c. TST reedita a Súmula n. 277 que passa a ter a seguinte redação:

SENTENÇA NORMATIVA. CONVENÇÃO OU ACORDO COLETIVOS. VIGÊNCIA. REPERCUSSÃO NOS CONTRATOS DE TRABALHO.

I – As condições de trabalho alcançadas por força de sentença normativa, convenção ou acordos coletivos vigoram no prazo assinado, não integrando, de forma definitiva, os contratos individuais de trabalho.

II – Ressalva-se da regra enunciada no item I o período compreendido entre 23.12.1992 e 28.07.1995, em que vigorou a Lei n. 8.542, revogada pela Medida Provisória
n. 1.709, convertida na Lei n. 10.192, de 14.02.2001.

Pela nova redação, a Corte Trabalhista reforça o entendimento sufragado no art. 614 da CLT, no sentido de adstrição temporal de cláusulas convencionais. Um dos precedentes foi a decisão exarada pela Ministra Maria Cristina nos autos do ERR 799017/2001 que traz os seguintes fundamentos:

A ultratividade da norma coletiva, prevista no § 1º do art. 1º da Lei n. 8.542/1992, depende de expressa manifestação nesse sentido, porquanto o silêncio interpreta-se como interesse em limitar a validade da cláusula à vigência da norma coletiva.
É que a ultratividade da norma coletiva não pode ser presumida, inferida; ao contrário, consoante assinalado, depende de expressa manifestação nesse sentido. Diferentemente do regulamento da Empregadora, o qual, por excelência, representa manifestação unilateral de vontade, a norma coletiva tem, via de regra, natureza negocial, bilateral. É, pois, produto de múltiplas e mútuas concessões. Entender por incorporada permanentemente a cláusula de convenção coletiva, quando essa expressamente assim não dispôs, consubstancia negativa de vigência ao art. 7º, XXVI, da Carta Magna.

A aderência contratual limitada à vigência da norma coletiva foi a tese prevalecente no C. TST, mesmo depois da Emenda Constitucional n. 45/2004 e prevaleceu até setembro de 2012, quando então revista a inter-pretação da corte uniformizadora sobre referido tema.

2.2. A ultratividade da norma coletiva

A redação do § 2º do art. 114 da Constituição Federal sofreu alterações desde a promulgação da Carta. No texto originário, o tema era assim colocado (destaque inexistente no original):

Art. 114. [...]
[...]
§ 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação ou à arbitragem, é facultado aos respectivos sindicatos ajuizar dissídio coletivo, podendo a Justiça do Trabalho estabelecer normas e condições, RESPEITADAS AS DISPOSIÇÕES...

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