Súmulas vinculantes: Estudo de casos e parâmetros para criação, revisão e cancelamento

AutorSiddharta Legale Ferreira
Páginas118-133

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I Aspectos gerais

Esse trabalho1 estuda os precedentes das três primeiras súmulas vinculantes editadas pelo Supremo Tribunal Federal. Observada sua aplicação prática, procura-se sugerir para parâmetros para criação, revisão e o cancelamento das súmulas vinculantes.

II Súmula vinculante nº 1 e os precedentes

Súmula vinculante 1: “Ofende a garantia constitucional do ato jurídico perfeito a decisão que, sem ponderar as circunstâncias do caso concreto, desconsidera a validez e a eficácia de acordo constante de termo de adesão instituído pela lei complementar 110/2001.”

Os casos que serviram de base para a edição da súmula vinculante n° 1 tratam do pedido de correção de contas vinculadas do FGTS, julgados em conformidade com o Enunciado n° 21 das Turmas Recursais da Seção Judiciária do Rio de Janeiro2, local de origem das ações. A recorrente de todas elas foi a Caixa Econômica Federal.3

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O recurso tem por motivo a condenação anterior da requerente ao pagamento dos valores correspondentes às diferenças da aplicação dos índices das contas do FGTS, além dos acréscimos na data do referido pagamento.

Alega, ainda, que a recorrida firmou acordo com o banco através do Termo de Adesão descrito na Lei Complementar 110/2001 e, influenciado pelos meios de comunicação, os trabalhadores (recorridos nos casos) acreditavam que lhes seria benéfico, marcando, dessa forma, um vício de consentimento.

Por outro lado, a conta do FGTS é de depósito bancário, com o diferencial de se tratar de depósito judicial. O trabalhador que possui conta na CEF deve ser considerado como consumidor da prestação de serviços do banco. Caso o Termo de Adesão traga prejuízos ao correntista, como restrições, renúncia e supressão de juros, as cláusulas serão nulas por causa do Código de Defesa do Consumidor.

Tal recurso baseia-se no art. 102, III, a da Carta da República4, por meio do qual a CEF – recorrente-sustenta a ocorrência de violação do princípio do ato jurídico perfeito, pois se desconsiderou o acordo judicial que o recorrido aderiu.

Em realidade, casos como este se repetiram nos RE 418.918-6, RE (AgRED) 427.801-4 e RE (AgR) 431.363, dos períodos de março a dezembro de 2005, todos oriundos do Rio de Janeiro. A maioria dos Ministros deu procedência ao recurso em oportunidade própria. Veja-se o porquê.

Por parte da relatora do RE 481.918/RJ, Ministra Ellen Gracie, a invocação do Enunciado n° 21 que preconiza a desconsideração do acordo da Lei Complementar n° 110/20015 é possível ensejar Recurso Extraordinário.

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Em segundo lugar, o trabalhador acreditou que seria beneficiado com o ajuste da LC 110/2001 e que, as cláusulas constantes no Termo de Adesão são amplamente desfavoráveis ao correntista.

Em contrapartida, não há como ocorrer vício de consentimento em abstrato, como havia alegado. Ademais, conforme o Direito Civil, os vícios levam à anulação, não à nulidade e a desconstituição do acordo não pode ser aludido ao Código de Defesa do Consumidor. Dessa forma, tendo em vista conseqüências do afastamento dos acordos já existentes, ela conheceu o recurso extraordinário dando integral provimento aos argumentos da Caixa Econômica Federal.

Posteriormente, o Ministro Sepúlveda Pertence proferiu o seu voto. Em primeiro lugar, analisou os fundamentos do recurso, ou seja, a preliminar de nulidade da decisão que negou seguimento ao agravo contra decisão singular. Reconheceu o recurso em virtude da Súmula n° 281 da Corte Suprema6, destacando que não cabe RE em afronta ao ato jurídico perfeito para a análise in concreto da validade deste ato. Portanto, não se fez necessário examinar essa questão.

Sendo assim, votou no sentido de não se pressupor que o acordo haja contrariado a lei, mas afirma que, o termo firmado nos termos da lei, não é válido nem eficaz. Por fim, deu provimento ao recurso.

Ao longo dos votos, percebeu-se que tanto os Ministros Eros Grau, Joaquim Barbosa e Cezar Peluso acompanharam tal linha. Posteriormente, o primeiro deles, através do voto-vista, distingue o contrato de adesão do CDC, ou a inserção da cláusula no formulário, sem que o consumidor possa discutir ou modificar, com o “termo de adesão”. Para este, é a LC 110/01 que estipula as condições de adesão e seu conteúdo, diferentemente do outro, pode ser discutido ou modificado substancialmente, inexistindo a ocorrência de excessos por parte dos empresários.

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O Ministro Carlos Britto, por sua vez, mostrou-se fiel à Súmula n° 281, tal como o Min. Sepúlveda, acredita que não há motivo para Recurso Extraordinário.

Já o Ministro Marco Aurélio destaca que as normas são imperativas, não dispositivas. Na espécie, destaca as leis 9.099/95 e 10.259/2001 que não disciplinam a atuação isolada do relator nas turmas recursais. Ao contrário, no incidente de uniformização, incumbirá à turma, não ao relator, implementar os processos nesse entendimento.

No caso em pauta, houve interposição de recurso, que foi julgado e confirmado pelo relator da sentença em juízo. A Caixa Econômica Federal interpôs agravo, posteriormente convertido em embargos declaratórios. Na decisão do agravo, o relator proferiu a decisão. Assim, há de ser conhecido e provido o RE para que seja corretamente julgado pela Turma Recursal.

Quanto aos vícios de consentimento, destaca que não são presumidos e, além do mais, o trabalhador não teria idéia do que viria a receber, não cabendo, ainda, fazer alusão ao Código de Defesa do Consumidor.

Acompanhando o voto da relatora, o Min. Gilmar Mendes argumentou que, as pessoas sabiam o quantum devido, pois tinham acesso às suas contas na Caixa Econômica, como mesmo define: “não houve assinatura às cegas”7. Assim, defere o pedido da Caixa Econômica Federal.

Por fim, o Ministro Carlos Velloso manifestou-se no sentido de que, para se reconhecer a existência do ato jurídico perfeito e acabado, não há necessidade do exame do RE, sob o ponto de vista infraconstitucional e fático. Isso porque a questão foi posta sob o ponto de vista geral no plano da abstração. Assim, seguiu o voto da relatora.

Em suma, depois de cada posicionamento pode-se inferir a lógica para que o STF se chegasse ao verbete: “ofende a garantia constitucional do ato jurídico perfeito a decisão que, sem ponderar as circunstâncias do caso concreto, desconsidera a valid ez e a eficácia de acordo constante de termo de adesão instituído pela lei complementar 110/2001”.

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III Súmula vinculante nº 2 e os precedentes

Súmula vinculante 2: “É inconstitucional a lei ou ato normativo estadual ou distrital que disponha sobre sistemas de consórcios e sorteios, inclusive bingos e loterias.”

Os casos subjacentes à súmula vinculante nº 2 referem-se às Ações diretas de inconstitucionalidade, em sua maioria, deflagradas pelo Procurador-Geral da República, contra leis distritais e estaduais do Distrito Federal, Paraíba, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Norte que dispunham sobre serviços de loterias e jogos de bingo. Para a formulação do verbete de súmula vinculante foram utilizados como base as ADIs 2.847-2; 3.277-1; 2.966-7; 3.183-0 e 2.690-9.8 As ações foram propostas com base em dois fundamentos:

(i) a inconstitucionalidade das leis estaduais e distritais frente ao art. 22, inciso XX da Carta Magna dada competência exclusiva da União para legislar sobre consórcios e sorteios, entendendo-se que as loterias e bingos estariam inseridos aí, apesar do voto vencido do Min. Marco Aurélio;

(ii) Ademais, haveria a violação do inciso I do mesmo dispositivo legal em conformidade com o D.L. 204/67 sobre exploração de loteria federal derrogada como norma penal e serviço público exclusivo da União.

Diante dos pedidos, não custa destacar os votos e argumentos utilizados por cada Ministro do STF.

A primeira ação (ADI 2.847-2/DF) proposta nesse sentido teve como relator o Ministro Carlos Veloso. Em seu voto, declara a inconstitucionalidade como argumento primeiro, pois é de competência privativa da União legislar sobre matéria penal. Em segundo lugar, ratificou a posição no sentido do termo “loteria” está abrangido pelo sorteio, tipo de jogo cujo resultado depende do acaso.

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Posteriormente, posicionou-se o Ministro Carlos Ayres Britto. Deferiu o pedido do PGR, mostrando que as loterias encontram-se tipificadas como “jogos de azar” em que resultados dependem da sorte nos arts. 50 e 51 do Decreto-Lei federal n° 204/67. Para ele, se o Distrito Federal excepcionou a regra disposta no artigo, houve usurpação da competência legislativa da União, o que é um vício formal insanável. Dessa forma, somente depois que a União fez uso efetivo da competência legislativa é que se tem uma regra específica de Direito Penal, visto tratar-se de conteúdo pro-indiviso. Melhor dizendo: ainda não existe lei complementar da União que delegue ao Distrito Federal a competência para nomear sobre questões específicas sobre sorteio, nem competência residual para o mesmo.

Num momento posterior, o mesmo Ministro confirma o seu voto entendendo que as leis não usurpam competência penal. Além do mais, discutiu em seu voto a interpretação gramatical do instituto dos consórcios privados e dos sorteios. Segundo as palavras do magistrado: “a palavra ‘;consórcio’ já contém um tipo menor de sorteio. (...) são institutos que se traduzem no emprego de poupança popular para aquisição de um bem cuja posse e uso dependem de sorteio,”9 embora para o texto constitucional representam o mesmo. Em suma, no voto e na confirmação do voto dado pelo Ministro Carlos Ayres Britto, entendeu-se que a lei sofre de inconstitucionalidade por ser decisão legislativo-distrital originária.

Dos onze ministros, somente o Marco Aurélio foi voto vencido sustentando a constitucionalidade das leis...

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