Tutela provisória no CPC/15 e sua aplicação no direito processual do trabalho

AutorRafael Dias Medeiros
Páginas98-109

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1. Considerações introdutórias

A jurisdição, uma das funções inerentes ao Estado Democrático de Direito, é exercida pelo Poder Judiciário, por meio do processo judicial, que serve de instrumento para tutelar o direito material envolvido no conflito.

O processo judicial consiste na prática de inúmeros atos, com o objetivo de solucionar a crise estabelecida no plano de direito material. Em se tratando de sentenças condenatórias, por exemplo, o juiz reconhece o direito para depois efetivá-lo, uma vez que, em regra1, continuará desempenhando atividades posteriores à condenação para satisfação daquele direito.

Em que pese o próprio ordenamento jurídico permitir, em situações excepcionais, o exercício da justiça pelas próprias mãos2, vale lembrar que o Estado exerce o monopólio da ordem jurídica, assumindo o dever de dar tutela adequada à concretização dos direitos, sob pena de descumprimento das garantias fundamentais estabelecidas na Constituição.

Dessa maneira, ao se assegurar aos litigantes as garantias do contraditório e a ampla defesa,3 é natural que a entrega do bem da vida não se realize de maneira instantânea. É certo que, para se conceder prestação jurisdicional justa, é necessário que o magistrado dispenda tempo no amadurecimento da interpretação dos fatos, das provas e do direito, o que faz com que haja uma demora natural no processo.

Foi nesse contexto de compreensão da nova ordem constitucional, visando garantir celeridade da prestação jurisdicional como compromisso político do Estado com seus cidadãos, que foi inserido, por meio da aprovação da EC n. 45/2004, o princípio da duração razoável do processo.

Nesse sentido, embora as garantias constitucionais processuais promovam o natural prolongamento do processo no tempo, cabe ao Estado, por meio da atuação harmoniosa dos três poderes, fornecer meios indispensáveis para que os processos sejam julgados sem protelações indesejáveis.

Vale dizer que o tempo de duração do processo é um tema fundamental para o acesso das partes à ordem jurídica justa, valor amplamente difundindo no novo modelo processual brasileiro.

Urge registrar que foi nesse cenário de ineficiência do sistema processual que, inserido na terceira onda de acesso à justiça4, surgiu o novo Código de Processo Civil (Lei n. 13.105/2015), depois de longa tramitação5, construído em um processo legislativo democrático, fruto de intenso debate.

Destaca-se que o CPC de 2015 provocou inúmeras alterações no processo civil brasileiro, rompendo com a estrutura criada pelo Código de 1973, produzido sob o regime de exceção, facilitando às partes o acesso à justiça, simplificando a técnica processual do sistema.

Percebe-se, claramente, o valor axiológico da simplicidade, no tratamento que o CPC de 2015 deu aos provimentos antecipatórios, promovendo a extinção do processo cautelar que se tornou espécie do gênero tutela provisória.

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É possível observar que a busca pela efetivação dos
direitos foi um dos pilares do novo sistema processual,
in verbis:

Um sistema processual civil que não proporcione à sociedade o reconhecimento e a realização dos direitos, ameaçados ou violados, que têm cada um dos jurisdicionados, não se harmoniza com as garantias de um Estado Democrático de Direito. (Exposição de Motivos do Código de Processo Civil de 2015).

A análise da compatibilidade das normas do Código de Processo Civil de 2015 com o Processo do Trabalho demandará profundas reflexões da comunidade jurídica. O presente trabalho não busca o esgotamento do tema, nem tampouco apresentar soluções para as controvérsias, mas apenas levantar alguns questionamentos acerca das tutelas provisórias e sua aplicação no processo do trabalho.

2. Antecedentes históricos

Antes de adentrar ao tema objeto deste artigo, necessário se faz tecer breves apontamentos históricos do instituto, invocando alguns antecedentes que se sucederam na elaboração do CPC de 2015.

Ab initio, convém destacar que o CPC de 2015 foi aprovado, sob regime democrático, mais de dez anos depois da promulgação do Código Civil, diploma norma-tivo que, além de ter aproximado o Direito da moral, da ética, trouxe novos conceitos estruturais de normas (as cláusulas abertas e os conceitos jurídicos indeterminados), modelo seguido pelo sistema processual vigente, também elaborado sob a matriz filosófica do pós-positivismo, o que permite que suas regras não se tornem ineficazes pelo envelhecimento.

O antigo modelo processual (CPC/1973) foi elaborado com premissas fincadas no processo manual e burocrático, de trâmite complexo e pouco efetivo, totalmente voltado para tutela dos interesses individuais. Além disso, a legislação da época levava em consideração a estruturação do poder judiciário que era completamente diferente de hoje.

Nessa linha, o legislador brasileiro, a partir da década de 1990, promoveu reformas no Código Processual Civil de 1973, com vistas à efetividade da prestação jurisdicional.

Nesse período, vale registrar, especialmente, a reforma promovida pela Lei n. 8.952/1994, que instituiu a possibilidade de antecipação de tutela (art. 273 do Código antigo), com base em juízo de plausibilidade jurídica da tese alegada pelo autor e diante de iminente dano irreparável ou de difícil reparação.

A introdução da tutela antecipada no sistema normativo garantiu ao jurisdicionado o direito a provimentos imediatos e precários, porém capazes de satisfazer o autor com a entrega do bem da vida.

Foi nesse contexto de massificação da sociedade, depois de mais de quatro décadas de vigência que o sistema processual antigo, não conseguindo acompanhar os avanços tecnológicos, nem tampouco as mudanças significativas da sociedade, demonstrou não ser capaz de tutelar com êxito uma ordem jurídica totalmente distinta daquele que ele havia sido projetado.

Desse modo, considerando que os critérios e técnicas criados pelo Estado não serviam mais para a satisfação do direito violado ou ameaçado é que o Código de Processo Civil, instituído pela Lei n. 13.105/2015, pretendeu implementar valores constitucionais e efetivar direitos.

É importante frisar que o CPC de 1973 era considerado uma “colcha de retalhos”, devido a inúmeras reformas promovidas, daí a necessidade de um novo sistema, simples, coeso e coerente com as necessidades do mundo contemporâneo.

É o que se vê na exposição de motivos do CPC/2015, in verbis:

Não há fórmulas mágicas. O Código vigente, de 1973, operou satisfatoriamente durante duas décadas. A partir dos anos 1990, entretanto, sucessivas reformas, a grande maioria delas lideradas pelos Ministros Athos Gusmão Carneiro e Sálvio de Figueiredo Teixeira, introduziram no Código revogado significativas alterações, com objetivo de adaptar as normas processuais a mudanças da sociedade e ao funcionamento das instituições. A expressiva maioria dessas alterações, como, por exemplo, em 1994, a inclusão no sistema do instituto da antecipação de tutela; em 1995, a alteração do regime do agravo; e, mais recentemente, as leis que alteraram a execução, foram bem recebidas pela comunidade jurídica e geraram resultados positivos, no plano da operatividade do sistema. O enfraquecimento da coesão entre as normas processuais foi uma consequência natural do método consistente em se incluírem, aos poucos, alterações no CPC, comprometendo a sua forma sistemática. A complexidade resultante desse processo confunde-se, até certo ponto, com essa desorganização, comprometendo a celeridade e gerando questões evitáveis (=pontos que geram polêmica e atraem atenção dos magistrados) que subtraem indevidamente a atenção do operador do direito. Nessa dimensão, a preocupação em se preservar a forma sistemática das normas processuais, longe de ser acadêmica, atende, sobretudo, a uma necessidade de caráter pragmático: obter-se um grau mais intenso de funcionalidade. Sem prejuízo da manutenção e do aperfeiçoamento dos institutos introduzidos no sistema pelas reformas ocorridas nos anos de 1992 até hoje, criou-se um Código novo, que não significa, todavia, uma ruptura com o passado, mas um passo à frente. (Exposição de motivos do Código de Processo Civil de 2015).

Feitas essas breves considerações, que permitem a compreensão dos avanços significativos alcançados pela nova legislação, passa-se ao estudo da força normativa dos princípios, que ganharam destaque no Código de 2015.

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3. Força normativa dos princípios

O estudo dos princípios ganhou extrema importância, principalmente após a 2ª Guerra Mundial, em que, diante das barbaridades cometidas pelos regimes totalitários, o positivismo jurídico foi alvo de inúmeras críticas, razão pela qual a dignidade da pessoa humana ganhou destaque mundial, sendo inclusive alocada no preâmbulo da Carta das Nações Unidas e na Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Percebe-se nitidamente que o novo diploma legal, inspirado pela diretriz filosófica pós-positivista, sob a égide da nova ordem constitucional (neoconstitucionalismo), permite a irradiação dos princípios e regras constitucionais para os demais ramos jurídicos, especial-mente o CPC/2015, que criou capítulo próprio versando sobre o tema.

Nessa senda é o posicionamento do Ministro Barroso:

O reconhecimento de normatividade aos princípios e sua distinção qualitativa em relação às regras é um dos símbolos do pós-positivismo
(v. supra). Princípios não são, como as regras, comandos imediatamente descritivos de condutas específicas, mas sim normas que consagram determinados valores ou indicam fins públicos a serem...

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