Tutela provisória. Medidas coercitivas. Contempt of Court?

AutorJorge de Oliveira Vargas - Giuliano di Carlo Tambosi
CargoDesembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná - Assessor jurídico no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná
Páginas63-74

Page 63

Este artigo discorre sobre as consequências da desobediência das decisões judiciais, de maneira especial daquelas que decorrem das medidas de urgência.

Não basta que um direito seja declarado; o que importa é que ele se realize. A atividade satisfativa é a razão de ser do processo.

Substituindo o instituto da tutela antecipada, que era disciplinado no art. 273 do Código de Processo Civil de 1973, e o processo cautelar, o novo diploma processual trouxe, a partir de seu art. 294, um livro dedicado à tutela provisória, a qual divide-se em tutela de urgência e tutela de evidência.

Quando se fala em tutela de urgência, verifica-se que esta exige a presença do periculum in mora, subdividindo-se em tutela de urgência de natureza antecipada, que visa a satisfação imediata de uma pretensão, e tutela de urgência de natureza cautelar, que visa garantir o resultado útil do processo.

Já a tutela de evidência, por sua vez, não exige a presença do periculum in mora, sendo cabível em duas hipóteses, a saber: abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte.

Merece destaque o contido no art. 297 do novo CPC, que diz: "O juiz poderá determinar as medidas que considerar adequadas para a efetivação da tutela provisória."

É a teoria dos poderes ínsitos do juiz, ou seja, quando se lhe atribui uma função, atribui-se também os instrumentos necessários para fazê-la cumprir.

Page 64

O poder de o juiz reprimir a desobediência injustificada de sua ordem, quer por medidas civis ou penais, é um poder que está por sua natureza inseparavelmente ligado ao exercício da jurisdição. Não haverá real poder jurisdicional se o juiz não puder fazer cumprir suas ordens.

No sistema do Common Law há o instituto do Contempt of Court (desacato à Corte), que torna impensável o descumprimento de uma ordem judicial.

Kazuo Watanabe lecionando sobre a tutela antecipada e específica, bem como obrigações de fazer e não fazer, alerta sobre a diferença que existe entre o sistema da Civil Law, a que pertencemos, e o sistema da Common Law, no que diz respeito à jurisdição:

No sistema continental, da Civil Law, a desobediência ou o descumprimento da ordem do juiz são vistos mais como uma ofensa ao direito da parte contrária, ao passo que no sistema anglo-saxão, a desobediência à ordem do juiz é considerada embaraço ao exercício da jurisdição. Portanto, eles consideram isso como atentado à dignidade da Justiça e têm, por isto, um instrumento denominado Contempt of Court, que pode trazer, inclusive, consequências penais, de constrição da liberdade pessoal.3Mas ao mesmo tempo em que faz este alerta, Watanabe expressa sua percepção de que "o nosso sistema começa a se aproximar bastante da Common Law", e que há "um grande esforço no sentido da concepção de provimentos mais efetivos, eficazes e adequados, porque processo é um instrumento, e como tal deve ter efetividade para a tutela adequada, efetiva e tempestiva de direitos"4.

Eventual desacato importa a imediata prisão do desobediente, a qual irá durar até que o mesmo se disponha a cumprir a ordem, ou imposição de multa diária.

Não há previsão constitucional em nosso sistema a respeito, pois a vedação da constituição, prevista no art. 5º, LXVII, no sentido de que não haverá prisão por dívida (com exceção do inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia), diz respeito a sentença

Page 65

com carga de eficácia condenatória (pagar quantia) e não a sentença com carga de eficácia mandamental (obrigação de fazer ou deixar de fazer).

Nesse sentido importa citar a lição de Rogéria Fagundes Dotti:

"A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, LXVII, prevê que: não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia". tal dispositivo constitucional levou vários processualistas a se posicionarem contra a adoção de meios de coerção pessoal para o cumprimento das ordens judiciais, afirmando se tratar de medidas claramente inconstitucionais. Se não existe prisão civil por dívida, à exceção do caso previsto na Constituição, como se poderia permitir um alargamento?

[...]

Ocorre, porém, que a situação que se está a analisar é absolutamente diversa. De fato, não é possível ampliar os casos de prisão civil por dívida. todavia, o que se pretende é a adoção de pena de prisão em face da desobediência clara e injustificada da ordem judicial. Não se está a defender a prisão por dívida, mas a prisão por qualquer forma de inadimplemento obrigacional, desde que em tal conduta esteja o demandado obrigado por força de decisão (mandamento) judicial.5Permite nosso sistema adotar, embora indiretamente, o instituto do Contempt of Court para fazer cumprir uma tutela provisória?

A resposta é positiva.

Relativamente a pena de prisão, temos em nosso Código Penal o crime de desobediência previsto no art. 330, que diz: "Desobedecer a ordem legal de funcionário público. Pena - detenção, de 15 dias a 6 meses, e multa."6Alguns diriam: mas esse crime não alcança os funcionários públicos, os representantes da Fazenda Pública, porque trata-se de crime contido no capítulo "dos crimes praticados por particulares contra a administração geral".

Page 66

Esse raciocínio não merece prosperar porque: a uma, seria inter-pretar o direito pelo absurdo, ou seja, de que os funcionários públicos podem impunemente descumprir uma ordem judicial; e, a duas, porque, na lição de Magalhães de Noronha "a função pública não abrange atos abusivos ou arbitrários. O funcionário, que os pratica, despe-se dessa qualidade para agir como particular"7, o que significa dizer que o funcionário público quando age em desacordo com suas funções (dentre elas a de cumprir decisão judicial), não está agindo em nome do Estado, mas em nome próprio.

Acrescente-se, ainda, que esse crime foi reproduzido no art. 26 da Lei 12.016/098, que trata do mandado de segurança, o que significa dizer que pode sim, ser sujeito passivo do crime de desobediência, o representante da Fazenda Pública.

Mas ainda haveria um outro argumento. Mas esse crime não é de menor potencial ofensivo? De competência dos juizados especiais?

A resposta é negativa, porque a desobediência da ordem do juiz é crime permanente e como tal, nos termos do art. 303 do Código de Processo Penal, o agente estará em flagrante delito enquanto não cessar a permanência.

Outra discussão a respeito do tema é em relação às astreintes, ou seja, multa diária. É também um meio para se fazer cumprir uma ordem judicial.

Mas a questão é que a multa era aplicada à pessoa jurídica de direito público e não à pessoa da autoridade, sendo que a posição do Superior tribunal de Justiça era nesse sentido.

A respeito, o RESP 747.371, cuja ementa diz:

Processo civil - Execução de fazer -...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT