A Tutela Provisória da Evidência Como Instrumento para Afastar a Suspensividade do Recurso de Apelação Cível

AutorCarlos Eduardo Kuten
CargoEspecialista em Direito Processual Civil e graduado em Direito (PUC/PR). Assessor de desembargador no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná
Páginas6-14

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"la durata del processo non deve andare a danno dell´attore che ha ragione". 1

1. Introdução

Há muito tempo, dis-cute-se, no âmbito do processo civil, acerca da efetividade, ou não, da sentença de procedência em relação à interposição de recurso de apelação cível recebido com efeito suspensivo. Tal discussão decorre daqueles que questionam qual a razão da parte autora, após ter obtido êxito durante o decurso da lide no primeiro grau de jurisdição, vir a ter a concretização de sua pretensão postergada pelo simples manejo de medida recursal pela parte ex adversa, atitude essa que se presta, em grande parte das vezes, apenas como forma de protelar a conclusão da demanda e o início dos atos executórios.

E tal discussão não é despropositada, na medida em que o sistema processual civil, ao atribuir o efeito suspensivo como regra no recurso de apelação cível, acaba por desprestigiar o pronunciamento sentencial do magistrado singular.

Sobre o tema, Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart (2007, p. 343) comentam que: quando é proferida a sentença e declarada a existência do direito, não há razão para o autor ser obrigado a suportar o tempo do recurso. Ora, a sentença, até prova em contrário, é um ato legítimo e justo. Assim, não há motivo para a sentença ser considerada apenas um "projeto" da decisão de segundo grau, nessa perspectiva a única e verdadeira decisão.

Aqui, cabe uma singela com-paração para exemplificar como a suspensividade da sentença pode ser vista como ilógica a depender da perspectiva que se a analisa: o ato administrativo, emanado de autoridade do Poder Executivo, é capaz de produzir seus efeitos desde seu nascimento em razão de sua presunção de legitimidade. É desnecessária sua revisão por parte de instância superior administrativa para lhe conferir validade, enquanto que a sentença, ainda que proferida sob os auspícios do devido processo legal, para ser exequível, tem que se submeter ao crivo do tribunal.

Aliás, também é possível citar, ainda a título de exemplo, que as decisões interlocutórias que concedem a antecipação de tutela também são, desde sua prolação, exequíveis, não obstante apreciadas por meio de cognição sumária. Aqui, é notável uma espécie de contrassenso, porquanto a lei processual estipula que a decisão interlocutória não exauriente é apta a produzir seus efeitos desde o seu nascimento, enquanto que a sentença, proferida após a fase de conhecimento, não tem a força de

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gerar consequências imediatas no mundo dos fatos, se houver a interposição de recurso de apelação cível pelo sucumbente.

Esse enfoque ganha ainda mais relevância quando considerados al-guns dos princípios constitucionais basilares da tutela jurisdicional, como a celeridade e a efetividade. O processo, em si considerado, deve ser tido pela sua instrumentalidade em relação ao direito material tutelado. Não deve o processo ser um obstáculo à busca pela concretização do direito, mas sim a forma capaz de realizar a substân-cia do direito em litígio.

Daí porque, mais uma vez, pode-se observar que a atribuição de efeito suspensivo, como regra, ao recurso de apelação cível parece de alguma maneira ofuscar a duração razoável do processo, disposta como direito fundamental no art. 5º, inciso LXXVIII, da Cons-tituição Federal, pois o trâmite do processo no tribunal, muitas vezes apenas para que a composição co-legiada confirme o que a sentença já decidiu, acaba por retardar indevidamente, a entrega adequada da prestação jurisdicional.

Note-se que a defesa pela busca de maior efetividade à sentença não se traduz em ofensa ao devido processo legal, mas sim de pura lógica procedimental, ancorada em princípios constitucionais, e, também, do prestígio que se deve dar à cognição do julgador que melhor teve contato com os fatos esclarecidos no processo.

É certo que a existência do duplo grau de jurisdição é um avanço no curso evolutivo do direito, justamente para que a um único juiz não seja dado o amplo poder de decidir isolada e definitivamente a demanda que lhe é proposta, na medida em que o índice de falibilidade humana atrai a necessidade de revisão para que a entrega jurisdicional seja a mais justa possível. Entretanto, o que se defende neste estudo, como se verá a seguir, é que a dinâmica do processo, com a evolução dos instrumentos que lhe são inerentes, permite que determinadas hipóteses de efetivação de direito material sejam mais bem atendidas em detrimento a uma provável conduta protelatória da parte ex adversa.

Durante os estudos de elaboração do novo Código de Processo Civil, trabalhou-se com a retirada do efeito suspensivo do recurso de apelação. Todavia, tal hipótese não veio a se concretizar, e, durante os debates prévios ao texto final, deci-diu-se por manter o efeito suspensivo do recurso de apelação cível, figurando tal posição como exce-ção, na medida em que o novel diploma processual agora determina que todos os demais recursos não possuem o efeito suspensivo - a regra geral.

Por sua vez, é de se notar que o NCPC traz mecanismos para que a sentença possa vir a ser executada ainda na pendência de julgamento de recurso. Um desses mecanismos é a tutela da evidência, a qual, como se tratará adiante, pode ser utilizada como meio de emprestar maior celeridade e efetividade ao processo, ao afastar, em determinadas hipóteses, o efeito suspensivo do recurso de apelação cível.

2. Visão geral do efeito suspensivo no recurso de apelação cível, tanto no Código Buzaid quanto no vigente

O efeito suspensivo já era regra no recurso de apelação cível desde o Código de Processo Civil de 1973. O art. 520 do diploma processual revogado já prescrevia na primeira parte do seu caput que "a apelação será recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo".

Sobre o efeito suspensivo, ensinava o professor Pontes de Miranda (1998):

suspensivo é o efeito que priva a sentença da sua e? cácia (força e efeitos). Os processualistas costumam de? ni-lo como a falta normal de exe-quibilidade da sentença de primeira instância, durante a apelação. Essa alusão ao efeito executivo das sentenças (e, não raro, à execução pro-visória da sentença, que ele impede), restringe, sem razão, o de? nido. O efeito suspensivo não atinge somente as sentenças de condenação. Sentenças mandamentais, constitutivas e declarativas também são atingidas em sua força ou em seus efeitos pelo efeito.

Dada a aplicação obrigatória do efeito suspensivo no recebimento do apelo, é de se notar que o mane-jo de tal recurso se tornou cada vez mais comum no cotidiano forense, principalmente pelo fato que as partes sucumbentes têm a certeza de que a simples interposição de recurso lhes garante certa medida de tempo, antes que venha a sofrer alguma consequência efetiva em razão do provimento jurisdicional desfavorável.

Obviamente que a finalidade puramente protelatória não representa regra em todos os casos em que o recurso é utilizado. Porém, não se pode deixar de lado o fato de que a suspensividade da senten-ça, durante o trâmite do apelo no tribunal, constitui-se como vantagem para aquele que, em alguma medida, deve arcar com decisão judicial que lhe imponha algum tipo de condenação.

Por sua vez, o art. 520 do Código Buzaid trazia algumas exceções à regra do recebimento do recurso de apelação cível no efeito suspen-sivo:

Art. 520. A apelação será recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo. Será, no entanto, recebida só no efeito devolutivo, quando interposta de sen-tença que:

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I - homologar a divisão ou a demarcação;

II - condenar à prestação de alimentos;

III - (Revogado pela Lei 11.232/05);

IV - decidir o processo cautelar;

V - rejeitar liminarmente embargos à execução ou julgá-los improcedentes;

VI - julgar procedente o pedido de instituição de arbitragem;

VII - confirmar a antecipação dos efeitos da tutela.

A redação do novo Código de Processo Civil pouco alterou em relação às exceções já elencadas no diploma processual revogado, valendo citar o novo texto, agora situado no § 1º do art. 1.012:

Art. 1.012. A apelação terá efeito suspensivo.

§1º Além de outras hipóteses pre-vistas em lei, começa a produzir efeitos após a sua publicação a sentença que:

I - homologa divisão ou demarcação de terras;

II - condena a pagar alimentos;

III - extingue sem resolução do mérito ou julga improcedentes os embargos do executado;

IV - julga procedente o pedido de instituição de arbitragem;

V - confirma, concede ou revoga tutela provisória;

VI - decreta interdição.

Veja-se que as principais diferenças entre as hipóteses catalogadas na antiga lei processual e na nova são a eliminação da expressão "decidir processo cautelar", - obviamente em razão do deslocamento do processo cautelar para o capítulo referente à tutela provisória como gênero e, portanto, abarcada pelo inciso V do art. 1.012 do NCPC - e a criação da nova possibilidade referente à sentença que decreta a interdição.

Interessante anotar que o novo código, ainda em sua fase de Proje-to de Lei 166/10 (BRASIL, 2010), apresentada no Senado Federal, não continha a regra do efeito suspensivo ao recurso de apelação cível, limitando-se, em seu conteúdo, a dispor que os recursos, de modo geral, não impedem a eficá-cia da decisão, mencionando, no então art. 928, a possibilidade de atribuição de efeito suspensivo op judicis ao apelo.

Todavia, após vários debates no âmbito legislativo, o...

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