A tutela do bem jurídico no âmbito dos crimes contra a ordem tributária

AutorFrancisco Petrônio de Oliveira Rolim, Romulo Rhemo Palitot Braga
Páginas111-127
Francisco Petrônio de Oliveira Rolim Romulo Rhemo Palitot Braga
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Revista Direito e Desenvolvimento, João Pessoa, v. 5, n. 10, p. 111-127, jul./dez. 2014
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tributária possui tamanha importância que a sua violação causa perda da liberdade, direito
fundamental, talhado no art. 5° da Constituição Federal de 1988. A denominação legal
utilizada, o nomen iuris, não apresenta uma maior importância, no entanto, carece a
necessidade de se observar a concepção de algo substancial que venha a ser esse bem jurídico
protegido.
São vários os posicionamentos da doutrina quanto à definição do bem jurídico
tutelado, a exemplo da função tributária do Estado, da função institucional arrecadadora, o
erário, ou ainda a verdade fiscal. Nessa discussão, Tórtima (2005, p. 478) afasta
explicitamente as formações que apontam o objeto de tutela nos crimes contra a ordem
tributária para a lógica da função arrecadadora do Estado e congêneres, fundamentando que:
[...] o bem protegido apesar de se encontrar no âmbito da universalidade deve
endereçar e aplicar o seu valor à pessoa humana. Na sua visão a função arrecadadora
do Estado, manifesta apenas a atividade administrativa do Estado.
A posição doutrinária acima referenciada se apresenta em sintonia com as teorias
elaboradas por Gunther Jakobs, teoria sistêmica, onde na sua essência nos transmite que
agasalhar o fato de o objeto de proteção ser a função institucional arrecadadora ou a verdade
fiscal seria o mesmo que entender o exercício do direito penal como um instrumento único
capaz de dar segurança a validade das instituições ou do sistema social.
No âmbito do cenário construído pelo Estado Democrático Social de Direito, o
pensamento de Roxin (2009, p. 33) se coaduna com a percepção admitida pela realidade
contemporânea, em especial quanto ao alvo tutelado no plano da ordem tributária, ao afirmar
que os posicionamentos expostos nesta oportunidade não devem prosperar, pois: “[...] não
deve ser mantida por ser um valor em si mesmo”. A perspectiva do doutrinador encontra
esteio na proposição de que o direito deve ter como escopo a defesa da coletividade, em um
formato promotor da paz e da liberdade, logo as instituições não devem objetivar
exclusividade o comportamento particular do indivíduo.
Decomain (2008, p. 80), estudioso do direito penal tributário, defende a temática de
que os crimes contra a ordem tributária, mais do que o patrimônio fiscal:
[...] protegem um complexo de valores, sólidos na exigibilidade dos pagamentos dos
tributos, no bom relacionamento com fisco, incluindo a idoneidade do contribuinte
quanto ao desenvolvimento dos controles contábeis e declaratórios, entre outros.
Andrade Filho (2009, p. 75), na mesma linha, defende que a ordem tributária equivale
“a uma concentração combinada por instituição, arrecadação e fiscalização dos tributos, ao
tempo em que sustenta que o objeto protegido é o patrimônio dos sujeitos ativos da obrigação
tributária em face do direito de exigir as receitas”.
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Schoerpf (2008), no conjunto de sua obra, nos passa a ideia e o entendimento de que
nos crimes tributários o bem jurídico tutelado é o patrimônio, existindo, destarte, a
conveniência do patrimônio estatal e a condenação criminal por dívida de natureza tributária,
todavia, sabe-se da inconstitucionalidade relativa à criminalização por dívida, fundamentada
no art. 5° da Constituição de 1988.
Dentre os doutrinadores, com atuação na área, uma parte patrocina os argumentos
voltados à possibilidade de se admitir um sistema misto. Fato este trazido por Tórtima (2005,
p. 479) ao revelar que “neste caso, o objeto protegido em relação a ordem tributária seria não
só o patrimônio fiscal do Estado , mais configuraria também ao rol os valores de verdade
e legalidade fiscal”.
Uma especificidade no campo penal tributário é destacada pelo Instituto Brasileiro de
Ciências Criminais (IBCCRIM, 2011, p. 01), ao enfatizar a importância do crédito tributário
em detrimento do ato ilícito praticado pelo contribuinte, onde torna se possível perceber:
[...] a persecução penal é deflagrada apenas no caso de o devedor não efetuar o
pagamento ou parcelamento de suas dívidas antes do início do Processo Penal, fica
claro que sua utilização é mais inclinada a uma chantagem estatal do que ao
atendimento de sua dupla finalidade de garantir a segurança e a liberdade aos
cidadãos.
Dessa forma, em face dos entendimentos dos vários doutrinadores destacados,
observa-se que ao eleger o patrimônio e a função arrecadatória do Estado, caminharíamos
frente a uma criminalização civil, isto é da pena de perda de liberdade por dívida.
Madeira (2006) apresenta em sua obra uma percepção para o tema, onde defende o
não cabimento da prisão, quer seja a interpretação pelo campo civil ou tributário, e sim a
execução do patrimônio do contribuinte, no sentido de reparar a satisfação do tributo
suprimido ou reduzido. Importante ressaltar que o Supremo Tributal Federal se posiciona pela
passível aplicação da pena de privação de liberdade. Portanto, contrário aos doutrinadores.
Considerando as acomodações das ideias dos operadores do direito penal tributário, ao
trazerem a possibilidade de termos uma prisão por dívida, a exemplo de Schoerpf (2008) em
seu trabalho, o Supremo Tribunal Federal firmou interpretação, conciliação da norma ao fato,
mantendo a constitucionalidade e a consequente validade da Lei 8.137/1990, tendo em conta
que aquele que pratica ato não lícito, com vistas ao não pagamento de tributos, faz ocorrer a
prisão para quem o praticou, não pela ausência de pagamento do tributo e sim pela ação ilícita
desenvolvida.

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