Truth in academic research in law/ A verdade na pesquisa academica em direito.

AutorGrubba, Leilane Serratine

Introducao

O ser humano, considerado individualmente ou como parte integrante de uma comunidade social ou cientifica, busca conhecer. A Ciencia do Direito e os cientistas e pesquisadores do direito buscam, por sua vez, produzir conhecimento juridico. A definicao do conhecimento juridico depende da definicao do estatuto epistemologico da Ciencia do Direito, a partir dos criterios de demarcacao que identifiquem o conhecimento cientifico e o conhecimento da pratica profissional do direito. Trata-se da construcao de estrategias metodologico-cientificas que permitam a construcao de um conhecimento solido ou seguro na area da pesquisa em direito.

A ideia da busca de um conhecimento verdadeiro, por parte dos cientistas em geral e dos cientistas do direito em particular, permeia tanto o senso comum, quanto os proprios pesquisadores do direito. Parece existir um acordo, segundo o qual, se o conhecimento produzido nao for verdadeiro, nao e ele conhecimento. A partir dessa nocao, uma vez que a ciencia busca a aproximacao a verdade, se ela renunciar a consistencia teorica, ela renuncia o seu proprio objetivo (LAKATOS, 1979, p. 176).

No ambito da Ciencia do Direito, Nobre (2005) afirma que a busca da verdade e ainda mais disfuncional. No Brasil, segundo o pensador, o modelo de pesquisa constituido pela analise de hipoteses e, muitas vezes, substituido pelo modelo de pesquisa utilizado na pratica juridica profissional, ou seja, sao angariados os argumentos favoraveis a hipotese que se quer justificar, evitando-se as teorias e hipoteses concorrentes.

Diante disso, a Ciencia do Direito, alem de buscar justificar uma verdade, parte de uma verdade que se justifica, necessariamente, durante o processo de pesquisa e construcao do conhecimento juridico. Assim, Nobre entende que a pesquisa em direito torna-se meramente comprobatoria, sendo pareceristica.

Em razao da critica oferecida por Nobre (2005), no livro Conhecer Direito I1, se argumentou que a pesquisa em Direito, para ser cientifica, deve partir de problemas, construir hipoteses para a explicacao ou resolucao do problema oferecido e, alem disso, deve testar as hipoteses, visando verificar se, ao menos provisoriamente, a teoria subsiste. Apesar de tal argumento, resta questionar se a pesquisa em direito pode, de fato, produzir um conhecimento verdadeiro.

Este texto, que tem por objeto a verdade na pesquisa em direito, analisara o que pode ser entendido por verdade e por conhecimento, a fim de analisar a possibilidade de a ciencia do direito buscar a construcao de um conhecimento juridico verdadeiro. Nesse sentido, problematiza-se se a verdade pode ser objetivo da pesquisa cientifica em direito.

Para o fim de problematizar uma possibilidade de verdade no ambito da pesquisa academica em direito, objetivo deste artigo, optou-se por analisar a concepcao de verdade do senso comum, oferecida pelo realismo cientifico, representado neste artigo principalmente pelo pensamento do filosofo australiano Howard Sankey. Isso porque nao e objetivo do trabalho discorrer sobre as diversas perspectivas teoricas a respeito da verdade, mas analisar a relacao epistemologica entre verdade, conhecimento e ciencia. Diante disso, foca-se, ademais, na critica epistemologica a verdade oferecida pelo filosofo brasileiro Alexandre Luz.

Para responder ao problema de pesquisa, em primeiro lugar, sera analisado o conceito tradicional de conhecimento. Sequencialmente, analisarei a busca pela verdade e o que pode ser entendido por conhecimento verdadeiro. Por fim, apresentarei criticas ao conceito de verdade e de conhecimento verdadeiro, no intuito de argumentar, enquanto hipotese ao problema de pesquisa apresentado, que a verdade nao pode ser o objetivo da pesquisa juridica ou da construcao de um conhecimento cientifico na area do direito.

  1. A producao do conhecimento humano: o que e conhecer?

    A pesquisa em direito, cientifica e academica, parece buscar um conhecimento seguro e verdadeiro. Diante dessa pressuposicao, argumentarei um conceito de conhecimento cientifico, o conhecimento proposicional, a partir das consideracoes oferecidas por Alexandre Meyer Luz.

    O interesse pelo conhecimento, sugere Luz (2013), e um interesse humano e, desde os primordios, os filosofos se questionam sobre os limites, possibilidades e fontes do conhecimento. Para o pensador, determinados conceitos, como 'belo' e 'conhecimento', nao precisam de referencias teoricas para serem identificados. Segundo Luz (2006, p. 38-39), esse tipo de conceito somente pode receber esclarecimento com apelo as instituicoes pre-teoricas.

    O conceito de conhecimento tem sido objeto de preocupacao dos filosofos ao longo da historia e gera consideracoes dos humanos no dia-a-dia, em funcao das expectativas em relacao aquilo que se sabe, em contraposicao ao que se tem opiniao ou duvida. Luz (2006) sugere que o conceito de conhecimento e mais complexo do que se costuma supor e, inicialmente, apresenta tres sentidos.

    O primeiro sentido, apresentado pelo pensador, nao gera grandes importancias para a ciencia. Ele denomina essa modalidade de conhecimento como habilidade, no qual o conhecer se refere a algo que e desenvolvido por meio de treinamento e repeticao, como na proposicao 'Pedro sabe cozinhar'. O segundo sentido de conhecimento, denominado 'saber por familiaridade' ou 'de trato', se refere a um elemento pre-reflexivo que se manifesta por meio de uma acao, como na proposicao 'Maria conhece Joao'.

    O terceiro sentido de conhecimento, por Luz (2006, p. 39-40) denominado proposicional, e o tipo de conhecimento que permite a estabilidade para analises detalhadas da Ciencia e Filosofia. Esse conhecimento envolve uma crenca, alem de um merito com relacao a posse da crenca, que envolve a nocao de justificacao. Nesse sentido, uma pessoa esta justificada em crer numa proposicao quando a sua crenca e sustentada por outras crencas.

    O conhecimento, contudo, nao se limita a crenca numa proposicao justificada, pois ela pode ser falsa. O conhecimento requer a verdade, que parece ser o objetivo epistemico. Diante disso, uma definicao de conhecimento proposicional pode ser a definicao de Platao. Platao definiu o conhecimento proposicional, segundo Luz (2013), como a 'crenca verdadeira justificada'. A definicao pode ser representada no seguinte esquema:

    (DT) S sabe que p se e somente se

    (i) S cre que p

    (ii) p e verdadeira

    (iii) S esta justificado em crer que p

    Nessa definicao, conforme Luz (2006, p. 42) um individuo 'S', sabe (conhece) uma proposicao 'p', no instante 't', se e somente se (i) ele cre nesta proposicao, (iil) ele possui algum merito intelectual (justificacao) em relacao a esta crenca e, (ii) P e verdadeira.

    Luz (2013, p. 18-20) explica ser possivel extrair da definicao que: (a) a expressao 'S sabe que p' e tomada em seu sentido proposicional; (b) 'S' e um sujeito epistemico, capaz de ter estados mentais; (c) 'p' e uma proposicao qualquer; (d) 'S cre que p' indica que 'p' esta na mente de 'S' e que o sujeito 'S' esta disposto a acreditar que 'p' e verdadeira; (e) 'p e verdadeira' indica que 'p' descreve algo que ocorre independente de 'S'; e, (f) 'S esta justificado em crer que p' informa que o sujeito 'S' tem boas razoes para que em 'p'.

    Essa definicao tripartite (DT) de Platao e a definicao tradicional do conhecimento e, ate 1963, foi capaz de satisfazer, epistemicamente, o que se pretendia expressar com o conceito de conhecimento. A definicao continua a ser utilizada, contudo, fora do campo da epistemologia. Assim, provisoriamente, adota-se como conceito de conhecimento a nocao de crenca verdadeira justificada.

  2. A busca da verdade na producao do conhecimento

    O problema do conhecimento, de como obter um conhecimento seguro do mundo externo a mente, e um problema que acompanha o ser humano desde o inicio da filosofia. O problema do conhecimento proposicional, ademais, a partir da definicao de crenca verdadeira justificada, parece implicar, necessariamente, o problema da verdade.

    As questoes a respeito da relacao entre o metodo e a verdade dividem a discussao cientifica em duas grandes correntes. A corrente do realismo cientifico afirma que o objetivo da ciencia e descobrir a verdade sobre o mundo. Os realistas defendem a ideia que o emprego dos metodos cientificos promove o objetivo de se alcancar a verdade (SANKEY, 2008, p. 11).

    Por outo lado, a corrente do antirrealismo cientifico rejeita a conexao entre metodo e verdade. Em suas vertentes, os antirrealistas tendem a discordar da ideia de que o metodo subscreve a racionalidade da ciencia. Alguns antirrealistas negam que existem boas razoes para se acreditar que o uso do metodo leva ao objetivo realista da verdade. Outros se opoem a concepcao realista, negando que o metodo pode promover a verdade (SANKEY, 2002, p. 1).

    Os filosofos antirrealistas discordam entre si a respeito de como devem ser entendidos os argumentos teoreticos. A corrente instrumentalista aponta para o fato de que entidades teoreticas nao sao mais do que uma ficcao necessaria. O internalismo, por sua vez, entende que os argumentos teoreticos sao candidatos a serem verdadeiros, mas a verdade e relativa ao esquema conceitual ou sistema de valor e nao a correspondencia com a realidade objetiva. O ceticismo, ademais, afirma que os argumentos teoreticos sobre entidades nao observacionais podem corresponder a realidade, mas nenhuma evidencia empirica podera providenciar suporte para a verdade de tais argumentos (SANKEY, 2008, p. 11-12).

    Conforme Sankey (2002, p. 3), a questao em debate, entre realistas e antirrealistas, e a de saber se existem razoes para tomar o metodo da ciencia como condutor da verdade. Mesmo se se assumir que a conformidade com as regras do metodo justifica a aceitacao de uma teoria ou resultado, ainda existe a questao de saber se a teoria ou o resultado e para ser aceito como verdadeiro. Ha uma lacuna epistemologica entre metodo e verdade.

    Considerando-se o conhecimento como crenca verdadeira justificada...

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