Tributos diretos e indiretos

AutorAndré Mendes Moreira
Páginas49-98
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II
TRIBUTOS DIRETOS E INDIRETOS
Não são recentes as discussões sobre a divisão dos tribu-
tos em diretos e indiretos.7 Como ocorre em toda e qualquer
classificação (que é, per se, arbitrária, posto que remanesce ao
alvedrio de cada intérprete), há dificuldades em saber:
(a) se ela é necessária (do ponto de vista dogmático); e,
ainda,
(b) se é possível estabelecer regras estáveis e rígidas,
porém ao mesmo tempo abrangentes o suficiente
para abarcar a totalidade dos objetos passíveis de
classificação.
No caso sub examine, pode-se sustentar que há interesse
– para além do meramente didático – em se proceder à dico-
tomização dos tributos em diretos e indiretos. Isso porque, no
Direito pátrio, tal distinção importa para saber se o contri-
buinte de jure é parte legítima para pleitear a compensação
ou restituição do indébito. Afinal, em se tratando de exação
indireta, o pagante) rectius, o que recolhe o tributo às burras
estatais) somente poderá proceder à repetição se:
7. VILLEGAS informa que a categoria diretos/indiretos é a mais antiga no mundo
ocidental. (VILLEGAS, Hector Belisario. Curso de Finanzas, Derecho Financiero y
Tributario, 8ª ed. Buenos Aires: Astrea, 2003, p. 161).
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ANDRÉ MENDES MOREIRA
(a) estiver autorizado pelo terceiro que arcou com o
ônus da exação; ou
(b)
provar que o encargo não foi repassado a outrem, ten-
do sido suportado pelo próprio contribuinte de direito.
Tais óbices, contudo, inexistirão se o tributo for direto.
Neste caso, há uma presunção juris et de jure de que o gravame
financeiro é, in totum, absorvido pelo contribuinte de direito.
Outrossim, a conceituação de tributo indireto é impres-
cindível para verificar se a não-cumulatividade é:
(a) elemento indissociável e conditio sine qua non para a
tributação indireta (o que, desde já, adiantamos não
ser correto); ou
(b) instituto que, presente na exação, qualifica-a como
indireta – porém, se ausente, não impede que o tri-
buto, ainda assim, seja indireto (assertiva com a qual
concordamos).
Confira-se.
2.1 ORIGEM HISTÓRICA DOS CONCEITOS SUB
EXAMINE: A TRIBUTAÇÃO INDIRETA E A
REPERCUSSÃO ECONÔMICA
Foram as Ciências da Economia e das Finanças que pri-
meiro postularam a existência de tributos diretos e indiretos.
A difusão dessa diferença, entretanto, é atribuída aos
fisiocratas, que, no século XVIII,8 arrimados no critério da
8. Os fisiocratas entendiam que a classe agricultora era a verdadeira produtora de
riquezas, gravitando a classe urbana (por eles intitulada de classe “estéril”) e a dos
proprietários de terras em torno da única classe produtiva (a dos agricultores).
GARCÍA BELSUNCE atribui aos fisiocratas, liderados por FRANÇOIS QUESNAY,
o mérito de ter estudado a Economia como um sistema pela primeira vez na histó-
ria dessa ciência. (GARCÍA BELSUNCE, Horacio A. El Concepto de Crédito en la
Doctrina y en el Derecho Tributario. Buenos Aires: Depalma, 1967, p. 10).
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A NÃO-CUMULATIVIDADE
DOS TRIBUTOS
repercussão econômica, classificaram os tributos conforme
seu ônus financeiro fosse arcado exclusivamente pelo contri-
buinte ou repassado a terceiros. Segundo essa teoria, existi-
riam duas espécies exacionais:
(a) tributos diretos: aqueles nos quais o peso fiscal não
é economicamente trasladado ao adquirente final de
produtos e serviços. O encargo é, nesse caso, suporta-
do exclusivamente pelo próprio contribuinte, obriga-
do ao recolhimento da quantia para os cofres públicos.
Nessa modalidade, o pagante do tributo é a mesma
pessoa que, de fato, suporta o seu ônus financeiro;
(b) tributos indiretos: esses têm o seu gravame trasla-
dado para terceiros, posto que integram o preço de
mercadorias ou serviços vendidos pelo contribuinte.
A distinção apregoada amparou o surgimento das figu-
ras dos contribuintes de jure e de facto, que perduram até os
dias atuais. O primeiro situa-se no polo passivo da norma ju-
rídico-tributária, que grava um fato ou ato por ele praticado,
obrigando-o a fazer a recolha do numerário à burra estatal. Já
o de facto não se envolve diretamente na relação obrigacional
tributária.9 Ele, ao adquirir bens ou serviços do contribuinte
de direito, permite que este lhe repasse o ônus financeiro da
exação. Com isso, suporta o peso fiscal, sem, todavia, caracte-
rizar-se como sujeito passivo da norma exacional.
Como se pode inferir, a translação do gravame financeiro
do contribuinte de direito para o de facto era a pedra de to-
que da proposta classificatória dos fisiocratas.10 Dessarte, em
9. O alheamento do contribuinte de fato da relação jurídico-tributária fez surgir
grande controvérsia jurisprudencial e doutrinária quanto à sua legitimidade para
ingressar em juízo contra a exigência de tributo suportado pelo contribuinte de
jure. Hodiernamente, a jurisprudência do STJ é firme no sentido de que, provado
cabalmente o repasse do ônus tributário para o contribuinte de fato, este pode in-
gressar autonomamente em juízo para pedir a restituição do indébito fiscal, desde
que não tenha repassado dito ônus a terceiros. (STJ, Primeira Seção, EREsp nº
648.288/PE, Relator Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ 11.09.2006, p. 224).
10. VILLEGAS, Hector Belisario. Curso de Finanzas, Derecho Financiero e Tributa-
rio, 8ª ed. Buenos Aires: Astrea, 2003, p. 161.

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