A repetição de indébito de tributo indireto: hipótese de enriquecimento ilícito?

AutorFrancielly Schmeiske
CargoPós-graduanda em nível especialização no curso de Direito do Estado (Faculdades Integradas de Ourinhos - FIO/FEMM) Advogada da Prefeitura de Ribeirão Claro-PR
Páginas26-32

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1. Introdução

O presente trabalho abordará as possibilidades de restituição do valor pago indevidamente ou a maior nos casos de tributos classificados como indiretos, ou seja, aqueles que podem acarretar o repasse do encargo financeiro ao consumidor final, também conhecido como contribuinte de fato.

Para tanto, é preciso abordar a definicáo de tributo e especialmente a sua classificacao quanto à possibilidade de transferência da carga tributária. Além disso, será necessário fazer algumas pondera-ções sobre o instituto da repetição de indébito no direito tributário.

Feitas essas considerações iniciais, e adentrando especifica-mente na proposta principal do presente estudo, serão apontadas, de acordo com a legislação pátria e o entendimento dos tribunais, as situações que comportam a repetição de indébito dos tributos indiretos.

Esta pesquisa se justifica pois, nos casos de tributos indiretos, o posicionamento predominante na jurisprudência é no sentido de que apenas o contribuinte de direito po-derá figurar em ação de repetição de indébito, por ser sujeito passivo da relação jurídica tributária.

Assim, o principal objetivo des-te estudo é propor uma reflexáo sobre a possibilidade do contribuinte de fato requerer a restituição do valor pago indevidamente, quando comprove ter assumido o ônus tributário.

A questão problemática aqui levantada corresponde ao fato de que a impossibilidade do consumidor final figurar como autor em ação que verse sobre tributos indi-retos pode gerar o enriquecimento ilícito do contribuinte de direito ou da Fazenda Pública. Além disso, verifica-se que em determinados casos o Estado também não poderá ser acionado pelo contribuinte de direito.

Como hipótese de trabalho, tem-se que ao consumidor final, que comprove que efetivamente pagou pelo tributo indevido, deve ser reconhecida a legitimidade para propor a ação de repetição.

2. Definido de tributo e sua classificacáo quanto à possibilidade de translação do encargo financeiro

Em primeiro lugar, registre-se que o art. 146, III, 'a', da Consti-tuição Federal, atribui à lei complementar a competência para definir tributos. Diante dessa previsão, o constituinte originário conferiu ao legislador infraconstitucional a ta-refa de conceituar específicamente os tributos. Anote-se, contudo, que o legislador deve observar os limites estabelecidos na lei maior.

Cumpre observar, dessa forma, que atualmente é a Lei 5.172/66 (Código Tributário Nacional) que

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exerce esta incumbência determinada pelo texto magno.

Antes de expor a definicáo de tributo disciplinada no código, é de se verificar que em que pese o Código Tributário Nacional ser de uma lei ordinária, este diploma foi recepcionado pela Consti-tuição Federal de 1988 como lei complementar. Esta é uma questão pacífica na doutrina e jurisprudência. Assim, tendo em vista a com-patibilidade material das normas do Código Tributário Nacional de 1966 com as normas da Consti-tuição Federal de 1988, a incom-patibilidade formal não prejudica a recepção daquela norma, já que foi produzida de maneira válida. Observe-se, apenas, que em decor-rência da exigência da nova ordem constitucional o Código Tributário Nacional apenas pode ser alterado por meio de lei complementar.

Feitas estas observações, deve ser destacado que o referido diploma, em seu art. 3o, estabelece que "tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada".

Analisando superficialmente os elementos que classificam o tributo, é possível concluir que este é uma obrigação pecuniária, pois é paga em dinheiro. É também uma prestação compulsória, ou seja, obrigatória, tendo em vista que decorre de lei, imposta unila-teralmente pelos entes políticos, independente da vontade do con-tribuinte, exigido tanto da pessoa física como da pessoa jurídica que demonstre capacidade contributiva. Além disso, a hipótese de incidência do tributo deve ser algo lícito, j á que o tributo não constitui sanção de ato ilícito. E, por fim, a cobrança do tributo não provém de um ato discricionário, pois a lei prevê a forma de atuação do administrador, sem deixar margem de escolha.

Além dessa conceituação geral, anote-se ainda que, em direito tributário, há diversas classificacóes atribuídas aos tributos. Entretanto, para o presente estudo deverá ser avaliada específicamente a classi-ficacáo quanto à possibilidade de repercussão do encargo econômi-co-financeiro, podendo, nesta ótica, ser direto ou in-direto.

No primeiro caso (tributos diretos), verifica-se que o encargo econômico é suportado pelo indivíduo que pratica o fato gerador. Nas pa-lavras de Eduardo Sabbag, o imposto direto é suportado "por aquele que deu ensejo ao fato im-ponível" (Sabbag, 2012, p. 410). Como exemplo dos impostos diretos po-dem ser mencionados o IPTU e o IPVA. Desse modo, quem possui a propriedade de imóvel urbano ou de veículo automotor, pratica o fato gerador do tributo, e por isso suportará o ônus do encargo.

Por outro lado, nos tributos in-diretos, denominados ainda de "tributos que repercutem", o encargo financeiro é suportado por terceira pessoa, diversa daquela que prati-cou o fato gerador. Dessa forma, "transfere-se o ônus para o contri-buinte de fato, não se onerando o contribuinte de direito" (Sabbag, 2012, p. 410).

Sobre o tema, deve ser registrada ainda a exposição de Ricardo Alexandre, o qual leciona que "são indiretos os tributos que, em virtude de sua configuracao jurídica, permitem translação do seu encargo económico-financeiro para uma pessoa diferente daquela definida em lei como sujeito passivo" (Alexandre, 2010, p. 101). Para um melhor entendimento deste estudo, deve ser mencionado que o contribuinte de fato é também conhecido como consumidor final. Assim, o contribuinte de direito é o indivíduo que pratica o fato gerador do imposto e o contribuinte de fato é o terceiro que verdadei-ramente suporta a carga financeira. Neste sentido, são reconhecidamente indiretos o IPI e o ICMS.

Convém notar que os tributos indiretos estão embutidos no preço pago pelo indivíduo. Em verdade, verifica-se que em regra o consumidor não percebe que o tributo está incluído no preço dos bens ou serviços adquiridos, estando sujeito a suportar grande encargo fiscal.

Por derradeiro, diante das con-siderações realizadas acima, per-cebe-se que nos casos do ICMS e IPI, o sujeito passivo da relação tributária que circula a mercadoria e industrializa um produto poderá repassar estes impostos incidentes sobre a atividade desenvolvida para o terceiro, denominado consumidor final.

Neste momento é forçoso notar que de modo geral todos os tributos, sejam diretos ou indiretos, es-tão embutidos no preço final. Isto porque difícilmente o sujeito passivo da relação tributária permaneceria desenvolvendo suas atividades caso não repassasse os gastos que dela decorrem. Contudo, no caso do ICMS e IPI, a repercussão econômica é discriminada no valor

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pago, e a transferência do encargo tributário é estabelecida pela pró-pria lei.

Assim sendo, um tributo não pode ser classificado como indireto simplesmente pelo fato da reper-cussão econômica. Conforme observado, um tributo é considerado indireto de acordo com a expressa previsão legal.

Finalmente, registre-se ainda que existem algumas controvérsias sobre a utilização das expres-sões tributos diretos e indiretos e contribuinte de direito e de fato. Sobre este ponto, afirma-se que estas nomenclaturas não possuem relação com a ciência jurídica.

No caso da classificacáo em direto e indireto, afirma-se que é frágil a utilização do critério da repercussão...

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