Transação tributária e o projeto de Lei N. 5.082/2009

AutorAna Paula da Costa Herrera
CargoGraduada pela Universidade Mackenzie/SP. Especialização em Direito Tributário pela COGEAE-PUC/SP
Páginas282-291

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I - Introdução

O presente artigo tem o objetivo de analisar a real possibilidade de Transação Tributária no Brasil, principalmente diante dos Princípios Constitucionais previstos no art. 37 da Constituição Federal (CF) tão citados no Projeto de Lei (PL) n. 5.082/ 2009, cujo principal escopo, se aprovado, é pretender regulamentar o instituto da Transação Tributária, prevendo um sistema nacional para solução, mediante acordo, de disputas judiciais e administrativas sobre discussões tributárias.

Esse projeto, originário da Procura-doria-Geral da Fazenda Nacional, está na primeira leva de Projetos de Lei que o Governo Federal encaminhou para análise e discussão no Congresso Nacional e que faz parte do chamado "II Pacto Republicano de Estado por um sistema de justiça mais acessível, ágil e efetivo", assinado em abril deste ano pelos Presidentes da

República, do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal.

Com a bandeira de desafogar o Poder Judiciário e tornar mais célere, acessível e efetiva a cobrança tributária, o Governo Federal também encaminhou ao Congresso Nacional outros Projetos de Lei, que não serão analisados neste artigo, mas que fazem parte do mesmo "pacote" que altera a legislação tributária atual, sendo que todos os PLs têm o argumento de estímulo ao pagamento ou parcelamento dos débitos tributários, redução de litígios e tentativas de evitar a criação de passivos por demandas excessivas que atravancam o contencioso administrativo e judicial tributários brasileiros.

O PL n. 5.080/2009 trata da cobrança da dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal e das suas autarquias e fundações de direito público. A proposta, dentre outras questões, tem o objetivo de

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conceder poderes judiciais à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, que com base nas informações gerenciadas pela Receita Federal do Brasil, terá acesso ele-trônico às informações patrimoniais dos contribuintes. Se este Projeto for aprovado, será permitido o bloqueio, sem necessidade de decisão judicial, de valores em contas bancárias, investimentos, bens e faturamento de devedores inscritos nas dívidas ativas da União, dos Estados, do Distrito Federal, das autarquias e fundações de direito público.

O PL n. 5.081/2009 pretende instituir novos mecanismos de cobrança dos créditos inscritos em dívida ativa da União, através da regulamentação da prestação de garantias extrajudiciais, da oferta de bens imóveis em pagamento, do parcelamento e pagamento à vista de dívida de pequeno valor.

Os Projetos de Lei ns. 5.080/2009, 5.081/2009 e 5.082/2009 tramitam apensados ao Projeto de Lei n. 2.412/2007. Foram apresentadas 31 emendas ao PL. No início de agosto o Governo Federal havia solicitado pedido de urgência na tramitação, que foi deferido, porém, dias depois solicitou o cancelamento de referido pedido. Desde 29 de setembro os Projetos foram devolvidos à Coordenação de Comissões Permanentes, em razão de criação de Comissão Especial e, desde então, não houve movimentação.1

Desde o início, é importante deixar claro que não pretendemos nos estreitos limites deste artigo tratar sobre todas as questões polêmicas que envolvem o tema da transação tributária, mas sim apenas contribuir com nosso entendimento sobre o tema e fomentar sua discussão, especialmente sobre os princípios previstos no art. 37 da Constituição Federal.

Como premissas deste artigo, deixamos claro que por direito positivo enten-demos o conjunto de normas jurídicas que estão no sistema e é no sistema jurídico brasileiro que está o conceito de transação tributária e os princípios constitucionais, os quais devem ser respeitados.

II - Da transação tributária no Brasil
II 1 Conceito de transação no direito brasileiro

Inicialmente entendemos importante deixar claro que para a construção de sentido de uma norma jurídica, pensamos que antes é necessário que o intérprete construa seu significado dentro do sistema de referência adotado, com o objetivo de depurá-lo dos vícios da ambiguidade e va-guidade que maculam a comunicação. Estes vícios semânticos são os responsáveis por permitir a diferença que existe entre a linguagem e a realidade, contudo, para a construção de um significado jurídico, cremos que é imprescindível efetuar o processo de elucidação do objeto que pretendemos analisar. Neste sentido, procuraremos analisar os sentidos dos vocábulos que mais nos chamaram a atenção em relação ao instituto da transação tributária.

Geralmente "transação" é utilizada para indicar acordo de vontades, que pode ser concretizado em um negócio jurídico ou em acordo de cavalheiros.

Pois bem, iniciando pela acepção de base, temos que o Dicionário Houaiss2 indica o termo "transação" como "1. Ato de transigir ou o seu efeito. 2. Ajuste em consequência do qual se realiza uma negociação, ou contrato; acordo, convenção. 3. Operação comercial".

Tendo em vista que nosso objeto de análise pertence ao direito positivo, sendo este nosso sistema de referência, então partimos por compulsar seu significado no Vocabulário Jurídico de De Plácido e

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Silva:3 "transação é a convenção em que, mediante concessões recíprocas, duas ou mais pessoas ajustam certas cláusulas e condições para que previnam litígio, que se possa suscitar entre elas, ou ponham fim a litígio já suscitado".

Como a princípio o termo "transação" nos leva a um acordo de vontades, então verificamos o Código Civil e nos deparamos com a seguinte utilização, em seu art. 1.025: "É lícito aos interessados prevenirem, ou terminarem o litígio mediante concessões mútuas".

Hugo de Brito Machado4 diz que no sentido jurídico restrito, a palavra "transação" reflete adequadamente a sua origem, pois deriva do latim, transactio, resultado da ação expressa pelo verbo transigere, que quer dizer transigir, albergando, portanto, a ideia de renúncia.

Natalia de Nardi Dacomo,5 em sua tese de doutoramento, indica que transação, em sentido amplo, significa solução transacional, que por sua vez, admite três subtipos: acordo, mediação e arbitragem. Para esta autora, transação, em sentido amplo, significa solução transacional e, em sentido estrito, acordo.

Como visto acima, no Direito Privado a transação é utilizada tanto para evitar como terminar o litígio.

Orlando Gomes6 a conceituava como "um contrato pelo qual, mediante concessões mútuas, os interessados previnem ou terminam litígio, eliminando a incerteza de uma relação jurídica. (...) Necessário que haja concessões mútuas, de qualquer teor. Concessões feitas somente por um dos interessados implicam renúncia ou reconhecimento do direito do outro. Tudo conceder sem nada receber não é transigir" (itálicos no original).

II 2 Conceito de litígio

Mais uma vez entendemos que devemos percorrer o caminho para a construção de sentido que norma de transação deve ter, para então o introduzirmos em nosso sistema de referência.

Novamente pensamos sobre a acepção corriqueira da palavra "litígio" e lembramos dos seguintes significados: (i) discussão acalorada; (ii) briga; (iii) pendência.

Voltamos ao Dicionário Houaiss7 e verificamos que "litígio" é "conflito de interesses; contenda; pendência".

No Dicionário Jurídico de Maria Helena Diniz,8 verificamos que litígio tem os seguintes significados jurídicos: "1. Questão judicial. 2. Discussão formada em juízo. 3. Controvérsia. 4. Contestação. 5. Causa. 6. Conflito de interesses onde há pretensão de uma das partes processuais e resistência à outra".

Francesco Carnelutti, citado por Natalia de Nardi Dacomo,9 diz que litígio é "(...) conflito de interesses qualificado pela pretensão de um dos interessados e pela resistência do outro".

II 3 Peculiaridades da transação tributária

Pois bem, por enquanto, achamos melhor ter em mente o seguinte para a construção do significado do nosso objeto de estudo: transação é um acordo de vontades, mediante concessões mútuas, entre credor e devedor, com o objetivo de finali-

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zarum conflito de interesses anteriormente instalado.

No Código Tributário Nacional o instituto tem previsão no art. 171 que prevê: "A lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em determinação de litígio e consequente extinção do crédito tributário. Parágrafo único. A lei indicará a autoridade competente para autorizar a transação em cada caso".

O instituto não é novo no Direito Tributário Brasileiro e muitos Estados e Municípios já tinham previsão em leis específicas e já vinham transacionando, tal como o Estado do Espírito Santo, os...

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